​Erradicar os mosquitos da Terra para combater doenças não é boa ideia
Image: Tom/Flickr

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​Erradicar os mosquitos da Terra para combater doenças não é boa ideia

O vírus Zika está a espalhar-se por dezenas de países e, desde há umas semanas, tem deixado um rasto de tragédia e medo em várias partes do mundo.

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Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

O vírus Zika está a espalhar-se por dezenas de países e, desde há umas semanas, tem deixado um rasto de tragédia e medo em várias partes do mundo. No último sábado, oficiais da Organização Mundial de Saúde anunciaram que temem que o surto seja uma ameaça maior à saúde global que o Ébola.

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Cientistas e políticos estão em busca de soluções e, como muitas vezes ocorre em casos de surtos de doenças ligadas a mosquitos, alguns responsáveis desenterraram uma ideia antiga: erradicar os mosquitos do planeta. Todos os mosquitos, entenda-se. Num artigo publicado recentemente na Slate, o colunista Daniel Engber argumenta que a eliminação total de mosquitos é a nossa melhor opção para combater doenças infecciosas.

Mas, como seria um mundo sem mosquitos? Seria um planeta em que as doenças infecciosas que afligem milhões desapareceriam na totalidade e para sempre? Provavelmente, não. A biologia parece concordar que a erradicação de uma espécie por inteiro poderia vir acompanhada de uma série de consequências imprevistas. A médio e longo prazo, os problemas poderiam ser bem piores do que os que temos agora.

"Não precisamos de erradicar todos para reduzir drasticamente a carga de doenças provenientes de mosquitos no mundo."

A necessidade de lidar com o gigantesco problema das doenças que têm os mosquitos como vectores nunca foi tão urgente. Em 2014, Bill Gates considerou o mosquito o animal mais mortal do mundo. E Gates tem razão. As doenças ligadas a estes insectos matam cerca de 725.000 pessoas por ano. Só a malária mata 6 milhões de pessoas a cada década. Temos também o Dengue, a Febre do Nilo, chikungunya e uma série de outras doenças mortais, todas transportadas por mosquitos sanguessugas minúsculos.

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Faz sentido então que, diante da morte de seres humanos a uma escala inimaginável, e sobretudo nalgumas das populações mais pobres do planeta, haja a intenção de destruir o agente causador deste mal.

Engber vota numa "solução nuclear". O colunista sugere um genocídio de insectos muito mais agressivo que a estratégia actual de acções menores de controlo, chamada de Gestão Integrada de Mosquitos. Hoje, em lugares onde ocorrem surtos de doenças transmitidas por mosquitos, a pulverização de produtos químicos e o aterro de regiões pantanosas são acções habituais. Mas, nalguns locais do mundo, estão a ser testadas uma série de inovações científicas que podem eliminar grandes populações de insectos de uma só vez. Engber propõe acelerar esses esforços.

De acordo com Cameron Webb, especialista em mosquitos e doenças infecciosas da Universidade de Sydney, na Austrália, a tecnologia de erradicação de mosquitos para atingir espécies que causam danos é uma boa opção – mas não pode ser a única solução.

"Temos que ter cuidado e não depositar todas as nossas esperanças numa só técnica", explica. "Soluções de alta tecnologia devem estar em evidência, mas não devem minar as bases dos projectos tradicionais". Incluímos aqui educação comunitária, melhorias na saúde, melhores diagnósticos de doenças, redução dos habitats de mosquitos no lar, repelentes de insectos, redes para prevenção, vacinas e uso controlado de insecticidas.

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Por mais que seja uma opção atraente, há diversos motivos pelos quais matar os mosquitos do mundo é uma péssima ideia para as pessoas e para os ecossistemas. Primeiro, diz Webb, há milhares de espécies de mosquitos espalhadas pelo planeta – e são poucas as que afectam os seres humanos. "Surtos causados pelo Zika, Dengue, Chikungunya e Febre Amarela são espalhados por poucas espécies", assegura Webb a Motherboard, comentando ainda que o mosquito que mais causa doenças é o Aedes aegypti.

"Talvez seja altura de termos em consideração apenas a erradicação de espécies em locais habitados por humanos", afirma Webb. E conclui: "Não precisamos de erradicar todos para reduzir drasticamente a carga de doenças contagiadas por mosquitos, a nível global".

Como o próprio Engber admite, "ninguém sabe ao certo" quais são as implicações ecológicas que estariam envolvidas nessa empreitada anti-mosquitos. Por um lado, há centenas de espécies ecológica e economicamente importantes de pássaros, morcegos e peixes que se alimentam de mosquitos. Por outro, um artigo publicado na Nature em 2010 revelou que não há nenhuma espécie que dependa unicamente dos mosquitos – um facto que Engber argumenta para presumir que, sem os mosquitos, outras espécies não sofreriam.

Erradicar o vector de uma doença nem sempre significa erradicar a doença em si.

"Não encontrámos nenhum animal que dependa de mosquitos como parte essencial da sua dieta, embora os utilizem como lanche, em abundância", explica Webb. "Tenho poucas dúvidas de que esses mosquitos tenham um papel importante em termos ecológicos e que a sua erradicação possa ter efeitos colaterais importantes".

Em 2014, o entomologista especializado em saúde pública, Grayson Brown, disse ao site de ciência io9 que os mosquitos poderiam ser eliminados, sim. Mas fez uma ressalva: "O dano ecológico envolvido faria com que a erradicação não valesse a pena, a não ser que houvesse uma emergência séria envolvendo a saúde pública". É impossível calcular o número total da biomassa de mosquitos, mas uma estimativa sugere que, só no Alasca, chega a 43 milhões de quilos. Com um número tão absurdo, é inegável que haveria consequências de longo prazo.

Vale a pena salientar que a ecologia não é uma via de dois sentidos. Os ecossistemas são como uma série complexa de ligações. Um único organismo pode afectar vários outros de diversas formas desconhecidas e imprevistas. No caso da saúde pública, erradicar o vector de uma doença nem sempre significa erradicar a doença em si.

Quando em 2014 questionaram David Quammen, cientista e escritor que lançou um livro sobre infecções animais e a próxima grande pandemia, ele respondeu que o desaparecimento dos mosquitos poderia deixar o nicho ecológico aberto para outros insectos danosos, como as moscas varejeiras, que também transportam doenças fatais.

"Quando falas sobre tentar prever as consequências de erradicar completamente qualquer espécie, não dá para saber se haverá consequências dramáticas ou não", afirmou. Seria, com a devida licença poética, lançar uma bomba no escuro.