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Sushi, montras e uma orquestra sinfónica

Esqueçam a fórmula cinema-jantar, as miúdas curtem é violinos.

Ainda nem são dez da manhã quando o despertador começa a tocar desenfreadamente. Menos mal que já estava acordado. As borboletas que tenho no estômago são sinal de que a hora se aproxima: apesar de já namorar há algum tempo, achei que a minha relação estava a precisar de novas aventuras, queria sentir aquela ansiedade típica de fazer algo pela primeira vez.

Assim, propus à minha dama de ouros que, em vez de irmos dar um passeio à beira-mar a comer um geladinho, fossemos ver um concerto de música clássica. Já vimos muitos concertos juntos (Kayo Dot, Mars Volta, Ulver, Russian Circles, Cat Power), mas nunca tínhamos visto um com uma orquestra. Perdoem-me a pieguice, mas a música clássica, tal como o amor, consegue tocar bem no âmago da nossa alma, deixando-nos em êxtase e inundados de arrepios que nos percorrem o corpo de cima a baixo, como se fossemos atingidos por um relâmpago de alta intensidade — pelo menos era assim que eu imaginava um concerto destes, e foi assim que convenci a minha namorada a alinhar. Melhor táxi de sempre! Saí da cama tarde e a más horas. Após fazer a minha higiene matinal (banho, aparar a barba, perfuminho) a assobiar um Beethoven, vesti a bela da camisa branca, imaculada, e um casaco de menino de Yale. Bebi o meu chá de tília com bolachinhas, enquanto que a minha mais-que-tudo se ficou pelos cereais na tigela, bebendo, logo de seguida, um café bem forte — só por este exemplo de pequeno-almoço, já se vê quem é que veste as calças lá em casa. Tivemos de chamar um táxi porque já estávamos atrasados. Já a caminho, meti conversa com o senhor António — o taxista bonacheirão (dono de uma barriguinha saliente, daquelas que têm imensas histórias para contar) que nos ia levar à Boavista — que me confidenciou que nos seus tempos de namoro com a actual mulher até ouvia música clássica — mas também Jafumega, Trabalhadores do Comércio e fado vadio. Mesmo à tuga: cheguei atrasado, mas ainda tirei uma foto antes de entrar. Esta jóia de homem deixou-nos à porta da Casa da Música, desejando-nos felicidades. Apressámo-nos, a correr, para a Sala Suggia, já repleta de gente. Miúdos e graúdos, pais e filhos, casais de namorados dos 18 ao 80, todos estavam ansiosos pelo início do concerto. Ainda deu para apanhar o final do soundcheck da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. Sempre ouvi dizer que estes músicos são donos de um ouvido absoluto e que conseguem perceber todas as variações das notas que tocam — são momentos de antecipação realmente únicos e a nossa intuição diz-nos que algo de mágico irá ocorrer diante dos nossos olhos (e ouvidos). Depois da apresentação de meia hora que a Gabriela Canavilhas deu sobre o Rachmaninoff (tempo que eu aproveitei para actualizar o meu Instagram), começou finalmente o concerto em si. Foram 45 minutos sem interrupções. No final, vários eram os pensamentos que ecoavam na minha mente: serenidade e melancolia misturadas com recordações do nosso namoro. Um turbilhão de flashbacks sobre os anos dourados desta relação — que, diga-se, ainda perduram (amor, safei-me?). Posso dizer-vos que foram várias as vezes em que, durante o concerto, as lágrimas se apoderaram de mim dada a intensidade emocional que esta orquestra conseguia transmitir — eu sei que parece tanga, mas talvez estivesse num dia sentimental. Quando o último instrumento se deixou de ouvir, uma imensa salva de palmas ecoou por toda a sala, em uníssono. Depois de tantas emoções, estava na hora de reconfortar o estômago, a minha parte preferida de qualquer dia. Quem é que resiste a esta carinha? Olhámos no horizonte e fomos atraídos pelos aromas asiáticos de um restaurante simpático, não muito longe da Casa da Música. Instalados, rumámos ao buffet disponível e atafulhámos o prato (ya, bué romântico) com a maior quantidade possível de comida. É claro que à terceira pratada já ambos rebolávamos pelo chão, enfartados mas felizes. Entre as várias garfadas (aliás: pausadas, que os asiáticos não usam talheres), relembrámos todos os momentos fofinhos que tivemos: o pedido de namoro naquele banquinho de jardim bem isolado de tudo o resto, a primeira vez que fomos ao cinema e saímos a meio (sim, Shyamalan, estás a dever-me dez euros), ou a primeira vez que conheci os pais dela e tremia como varas verdes — recordar é viver, já dizia o outro. Molho de soja do amor. Após ter pago a conta, como um verdadeiro cavalheiro que sou, fomos à nossa vida. Ao fim de uns extenuantes 20 minutos a andar a pé (sim, sou pesado), já sentíamos os nossos níveis de açúcar a descer drasticamente, pelo que fomos salvos por duas enormes fatias de bolo de chocolate num café da baixa — uma fatia chegava para ambos, mas estes corpinhos não se alimentam de ar e vento, meus amigos. Ao nosso lado estavam outros casais, uns mais agarradinhos do que outros, aos beijinhos e de mãos dadas, alguns com ar de quem pensava seriamente na vida. Duas fatias de bolo depois. Como não gosto de ficar a ver, agarrei também a mão da minha donzela e assim ficámos por algum tempo, em contemplação mútua. A tarde ainda não ia a meio, pelo que decidimos aproveitar o sol para praticar um dos desportos de eleição dos namorados: ver montras. Vimos várias, mas só duas nos prenderam realmente a atenção. A montra de uma sex shop em Santa Catarina e outra de vestidos de noiva. Será que já está na altura de assentarmos? Será que já devíamos estar a pensar em ter filhos? É agora que devo pedir ao pai dela a mão da filha (conheço uma anedota muito boa que começa assim)? Bem, pelo sim pelo não, decidi começar já a praticar. Um dia destes vai ser a sério, mas neste dia foi com um manequim, como podem ver pela fotografia aqui em baixo. Só me ajoelho por ela… Deixo a todos os actuais e futuros casais de namorados um conselho de amigo. Se estão a precisar de perceber se foram feitos um para o outro, comprem bilhetes para um concerto de música clássica. Com todas as emoções que podem sentir a ver uma orquestra, quem sabe não acabam com a dúvida que mina tantos relacionamentos: “Estarei eu, de facto, com a pessoa que me irá acompanhar para o resto da vida?” Eu já sei a minha resposta.