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Fui até à fronteira falar com um contrabandista

Gibraltar tem mais cigarros do que pessoas.

Uma das notícias que mais bateu neste Verão foi o braço-de-ferro entre a Inglaterra e a Espanha a propósito de um calhau chamado Gibraltar. Caso tenhas estado no deserto durante os últimos meses (grande sorte, meu), ou na eventualidade de teres feito o possível para evitar ler notícias (mais uma vez, os meus parabéns), vou dar-te uma ajuda: uma das origens da recente tensão entre os dois países foi a restrição que a alfândega impôs na fronteira espanhola e que causou filas de mais de sete horas para se transitar de um lado para o outro, o que é, de facto, muito tempo para os cerca de dez mil espanhóis que nada têm que ver com o contrabando de tabaco e etc. Ainda que esteja de acordo com o Fabian Picardo, um político local, quando ele diz que tudo isto foi uma tentativa de abafar a imprensa (nacional einternacional) para que não falasse do caso Bárcenas, o ex-tesoureiro do Partido Popular, é claro que esta versão da história não me deixa indiferente. No ano passado Gibraltar importou 140 milhões de cigarros. A menos que todos os marroquinos andem a fumar dois maços de cigarros por dia, é bastante óbvio que esta quantidade é excessiva para os 30 mil habitantes locais. Com o tráfico legal limitado a uma palete e com os impostos espanhóis cada vez mais elevados, isto significa que a indústria de tráfico de La Línea (na fronteira de Espanha) se desenvolveu. Segundo fontes policiais, a cidade já ostenta um negócio que envolve 60 milhões de maços por ano. Quis saber mais sobre toda esta questão, por isso fui falar com alguém que tinha acabado de se meter no negócio e que, por razões óbvias, preferiu manter-se anónimo. VICE: Olá. Tens algum trabalho à parte da cena que fazes?
Contrabandista: Não. No mês passado fui despedido da empresa de reciclagem de plástico onde estava empregado. O meu trabalho passava por classificar vários tipos de plásticos e cortá-los em bocadinhos numa trituradora. Ganhava cerca de 50 euros por dia. Estive a fazer isto até ser despedido. Ok, mas vamos ao que interessa. Explica-me: passas tabaco de um lado para o outro?
Sim. Há várias formas de passar tabaco: podes esconder maços de tabaco no corpo (e isso é mais fácil no Inverno, naturalmente); ou podes esconder paletes inteiras nos compartimentos do carro, do camião, da mota, do barco; ou podes lançá-los por cima da cerca. Eu faço-o de mota. Em média, quanto custa uma palete de dez maços?
Mais ou menos 18 euros. Ganho cerca de quatro euros por cada palete que trafico. Quantas paletes consegues traficar num dia normal?
Umas 15 ou 20. Isto se fizer viagens durante o dia todo. Pagas pelos cigarros?
Não, sou pago para os transportar. Temos algumas pessoas nas lojas já nos conhecem e nós só temos de mostrar a nossa identificação. Eles fazem uma chamada a alguém e, se o teu nome estiver numa lista, dão-te os cigarros que queres. Se fores apanhado, tens de pagar os cigarros que foste buscar e a multa que levares. Normalmente, quando já tenho os maços volto à fronteira e espero por detrás de alguma cerca que esteja perto das alfândegas. Sempre que os guardas alterarem o turno, e desde que não haja marroquinos à vista, as pessoas que estão a vigiar os oficiais da alfândega do lado espanhol avisam as pessoas do outro lado, para que estas possam passar a correr. A malta que vigia os guardas já conhece todos os oficiais e até têm alcunhas para eles — há o "Polvo” e o “Piu-Piu”, por exemplo — e chegam a saber se são muito rígidos ou se, pelo contrário, acabam por facilitar (alguns aceitam subornos por viagens de maiores quantidades). Se as coisas correrem bem, vais a um recinto da La Línea, deixas os cigarros e recebes o teu dinheiro. Depois voltas outra vez, fazes várias viagens de ida e de volta durante o dia. Uma vez que cá a malta já tem cigarros suficientes, carregam-nos para as traseiras de camiões e mandam-nos para diferentes sítios de Espanha. E se te apanharem?
Confiscam o meu carro durante um mês e espetam-me uma multa em cima. O valor da coima varia consoante a quantidade de cigarros que tenhas em tua posse. Se te apanharem várias vezes ficam-te com o carro ou com a mota para sempre. Em La Línea já toda a gente foi apanhada pelo menos uma vez. O problema é que aqui não se arranja trabalho nenhum, com excepção de um par de armazéns de merda e outros biscates. Como te sentes quando traficas?
A fila da fronteira é alta seca e está sempre muito calor, mas é uma coisa que tem de se fazer.