Como caudas de dinossauros de 99 milhões de anos acabaram no mercado de âmbar
Na Birmânia, um paleontólogo teve que se infiltrar entre mercadores para achar partes importantes de um fóssil raro. Crédito: Royal Saskatchewan Museum (RSM/ R.C. McKellar)

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Como caudas de dinossauros de 99 milhões de anos acabaram no mercado de âmbar

Na Birmânia, um paleontólogo teve que se infiltrar entre mercadores para achar partes importantes de um fóssil raro.

Para Lida Xing, paleontólogo residente na Universidade de Geociências da China, o progresso científico às vezes exige um pouco de espionagem. Isso aconteceu com ele no ano passado, depois de fazer uma descoberta surpreendente em um mercado de âmbar em Mytkyina, no Myanmar. Suspenso no meio de um pedaço de resina fossilizada do tamanho de um globo de neve, Xing reconheceu os restos parciais de uma cauda emplumada extraordinariamente preservada que pertenceu a um jovem coelurossauro, um dinossauro semelhante a uma ave.

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Esse fóssil data de 99 milhões de anos, na metade do Cretáceo, quando as temperaturas eram amenas, o nível do mar era alto e os dinossauros andavam em meio às primeiras plantas que começaram a dar flores. Sua descoberta no mercado foi um golpe de sorte "Visito os mercados de âmbar com frequência", afirmou Xing por email. "E esse foi o único âmbar de dinossauro que vi."

E de onde vem esse reconhecimento paleontológico? Os mercados de âmbar da Birmânia são abastecidos pelas minas de âmbar do vale Hukawng, localizado no estado de Kachin, ao norte de Myanmar. A região está atualmente sob controle do exército independente e insurgente de Kachin, que tem uma longa história de conflitos com o governo birmanês.

"Revendedores compram restos dos mineiros de âmbar e vendem nos mercados", explicou Xing. "As minas são extremamente perigosas, e estrangeiros mal conseguem chegar até lá."

Xing decidiu investigar. "Eu me disfarcei de birmanês e pintei o rosto com Thanaka", ele me contou. (A Thanaka é uma pasta cosmética de Myanmar, feita de cascas de árvore trituradas.)

Muito bem camuflado e portando identidade falsa, Xing se infiltrou na região. Ele se encontrou com o inspetor responsável pelas escavações da cauda do dinossauro, que guiou Xing por meio das minas e mostrou a ele novas amostras geológicas. "Tivemos muita sorte", ele disse a respeito de sua empreitada.

Com relação à cauda do dinossauro, Xing persuadiu o Instituto Dexu de paleontologia em Chaozhou a adquiri-la e desde então lidera uma equipe internacional de pesquisadores a fim de analisar o fóssil com tomografia computadorizada e técnicas de escaneamento.

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Os resultados, publicados semana passada na Current Biology, trazem informações sobre a evolução das penas e revelam detalhes sobre esse coelurossauro em particular, incluindo suas cores, padrões, características esqueléticas e até as moléculas de hemoglobina que corriam em suas veias, que deixaram traços de óxido ferroso na cauda.

Xing e seus coautores, incluindo os paleontólogos Ryan McKellar e Philip J. Currie, da Universidade de Alberta, nos EUA, foram capazes de afirmar que o animal é um coelurossauro por causa de sua estrutura vertebral flexível, que se distingue das espinhas fundidas, à semelhança de varas, dos dinossauros que poderiam portar plumagens semelhantes.

O padrão de cores das penas sugere que o jovem dinossauro tinha penas dorsais de coloração acastanhada, enquanto as de sua barriga eram brancas. Xing me contou que as penas escuras podem ter funcionado como "colaboração protetora", auxiliando o coelurossauro a se camuflar em ambientes de florestas, nos quais se presume que ele tenha vivido. Coelurossauros pequenos provavelmente se moveriam rapidamente pelo solo, caçando insetos nas florestas tropicais, possivelmente populadas por árvores similares às Kauri da Nova Zelândia. Assim, ainda há muito a aprender sobre a rica historia paleontológica do Myanmar.

"O meio ambiente da metade do Cretáceo no norte de Myanmar não foi estudado formalmente", afirma Xing. Essa lacuna no conhecimento paleontológico é consequência tanto da localização remota das minas de âmbar e locais de fósseis da região, bem como pela agitação social e política que deixa o norte de Myanmar inacessível para pessoas de fora.

O fato de esse registro do Cretáceo ter parado em um mercado de âmbar birmanês parece servir como incentivo para que cada vez mais paleontólogos pesquisem os vendedores locais. De fato, Xing e McKellar trabalharam juntos anteriormente em um estudo de junho de 2016 a respeito de um espécime em âmbar contendo asas espetaculares de uma ave do Cretáceo, também provenientes desses mercados.

Com sorte, essas descobertas recentes impulsionarão esforços a fim de coletar mais dessas espetaculares cápsulas do tempo de âmbar, mesmo que isso exija espionagem dinossáurica. Esses fósseis podem não servir para trazer os dinossauros de volta à vida, como em Jurassic Park, mas eles certamente proporcionarão retratos valiosos de ecossistemas há muito perdidos.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri