Música

Conheça Aeon Fux, a Experimentadora Online Que Cria as Músicas Soul de Um Minuto Mais Massa Que Você Já Ouviu


Foto via aeon-fux noTumblr

Sentada com um laptop em seu quarto de dormitório universitário, Aeon Fux mostra como ela cria a maioria de suas batidas. Ela começa a mover seus dedos em espirais pelo seu Macbook, vagarosamente formando um círculo, então de repente saindo daquela superfície. Ela repete o ato no meio da conversa, fazendo um barulho parecido com um tchhhh de coisa arranhando, como um prato batendo em câmera muito-muito-muito lenta. “Gosto de criar sons que façam as pessoas perguntarem ‘o que é isso?’” explica, momentos depois. “Ah, sou só eu fazendo uns sons esquisitos!”

Videos by VICE

Aeon Fux (ela prefere não revelar seu nome verdadeiro) é uma estudante de 22 anos que cursa Afrofuturismo em Olympia, na Evergreen State College de Washington. Nativa de Bremerton, também em Washington, ela é uma metaleira aposentada com um Tumblr atualizado constantemente com GIFs de games, moda gótica, e notícias pós-Ferguson sobre brutalidade policial. Ocasionalmente, ela cria música com o mínimo de recursos possível – sua voz, seus dedos (e unhas), e vez ou outra conta com um Omnichord. Ela também é a moça responsável por alguma das melhores músicas lentas deste ano.

Aos 18 anos, Aeon queria deixar para trás sua educação musical clássica e de coral para então cantar em uma banda de metal sinfônico – Nightwish, Within Temptation, essas coisas. Assim que ela começou a seguir nesse caminho, porém, percebeu que poderia fazer algo diferente em relação às vocalistas destas bandas. O metal deu uma desacelerada; era hora de Nina Simone e Billie Holliday. De repente, ela seguia os passos de sua avó materna, uma cantora de jazz que costumava abrir os shows de Ella Fitzgerald.

“Tem uma palavra que aparece bastante no meio dos meus estudos – Sankofa”, diz Aeon. “Significa ‘voltar’, e gosto de pensar nisso quando faço música”.

Na noite de domingo em que conversamos, Aeon está com um grande afro, e um piercing rechonchudo está dependurado em seu septo. Ela é uma presença amigável, com tendências à timidez ao falar de sua arte, a ponto de desfazer seu olhar forte e sorrir em direção ao chão. Aeon mantém uma certa aura discreta, mesmo quando passional, como quando discutíamos o ocorrido em Ferguson (“as pessoas feridas parecem com você e sua família, e isso machuca”) ou a representação de pessoas de cor em espaços predominantemente brancos (“minha família inteira pira em Jornada Nas Estrelas porque Nichelle Nichols foi a primeira negra que viram interpretar um papel em ficção científica… Não parece grandes coisas para os outros, mas isso representa muito”).

Pensando no passado, Aeon tentou fazer doo-wop sob a alcunha Princess Neptune, inspirada no anime Sailor Moon, mas logo se cansou das limitações impostas pelo gênero. Ela estava se concentrando em tocar seu recém-adquirido Omnichord, então o instrumentou parou de funcionar. Sem um gênero específico para se dedicar ou mesmo um instrumento, Aeon perdeu a paciência – ainda haviam músicas a serem compostas, então por que não usar sua voz? Ela abriu o GarageBand e começou a gravar a si mesma fazendo barulhos, “vendo quais deles eu gostava, quais eram percussivos e quais funcionavam bem juntos”. Logo, aquele doo-wop se transformou em “doomsoul” e Princess Neptune virou Aeon Fux.

Aeon Fux lançou apenas nove faixas em 2014, mas elas valem mesmo o seu tempo. Todas as músicas são “rajadas de emoção” que não chegam à casa dos três minutos, impregnados com o máximo de emoção, pontadas de ansiedade e sensualidade que sua duração permite. Em “Reptillian”, lançada em março deste ano, ela usa a voz sobre a percussão feita com os dedos mencionada anteriormente, com trocentas camadas, uma em cima da outra, até soarem como uma valsa embaralhada. A sua voz é grave, as letras cantadas de forma paciente e comum, e o espaço ao fundo é completado com gemidinhos à la doo-wop. Suas letras revelam o suficiente para seduzir (“esta umidade é tão boa pra mim/ enquanto você desliza contra minhas sensibilidades” [this humidity feels so good to me/ as you slide against my sensibilities]), mas ainda tem um ar de melancolia e mistério. Há uma menção a um “quarto de répteis” e a devoção destroçada da primeira estrofe, “eu disse que esperaria por você” [“I said I would wait for you”].

O nome Aeon Fux capta de forma sucinta a estética da artista: uma mistura de apreciação nostálgica por uma relíquia dos anos 90, um reconhecimento da esquisitice futurista daquele desenho, e um toque de “foda” para deixar claro de que isto é música sexual. “Com certeza”, ela ri. “Eu queria que fosse bem sensual, mas meio brincalhão”. Donna Summer é outra grande inspiração, ela diz, e os arquejos percussivos de Aeon em “Wet” são, basicamente, uma referência a “Love to Love You Baby”, de Donna. “Aquela respiração, aquela sensualidade que ela tem – ela poderia fazer música sensual sem falar sobre sexo”. A discografia de Aeon não é só sobre sexo: até o momento ela lançou um cover do hit Hi-NRG oitentista “Two of Hearts”, uma desenvolta canção sobre invocar o diabo, e um trecho de uma desde então abandona “grandiosa ópera espacial lésbica”. A queda da artista pelo bizarro fica óbvia, mas cada música seduz com seu ritmo lento.

Aeon concorda, chegando ao ponto de descrever sua música como “pesarosa” e “sufocante” na mesma sentença. “Gostaria de pensar que é algo com o qual as pessoas se identificam”, admite. Quando pergunto a ela sobre o rótulo “doomsoul” e o que significa, ela dá de ombros e diz ser um termo genérico. Aeon tem certa inaptidão em descrever sua música faixa-a-faixa apesar do minimalismo que percorre sua obra, e ela afirma ter pouco interesse em ser colocada no mesmo novo molde do R&B esquivo. Talvez seja terminologia metálica, já que o gênero não sai de sua cabeça durante toda a nossa conversa – em determinado momento, ela brinca e compara a brevidade de seu material a “You Suffer”, do Napalm Death, que, com 1,316 segundos, é a música mais curta do mundo.

Este mês, ela lançou “4 Get U” em seu Bandcamp. Como suas outras faixas, é curta sem parecer inacabada, esquisita mas não firulenta, e sufocante sem ser reveladora – bem seu estilo. Ela torce para encontrar equipamentos extra no campus em Evergreen State e gravar versões mais longas do que já foi lançado online. “Tenho muita coisa na cabeça que não dá pra fazer agora, algumas limitações nesse momento”. Até lá, ela continuará fazendo o máximo que puder mesmo com estas restrições. Seu público, existente em grande parte no Tumblr, é pequeno, mas passional. “Algumas pessoas me disseram que ouvem minhas músicas se precisam de um minuto para parar, respirar, e fugir”, ela diz, com a voz calma, humildemente. “Dizem que em Olympia você tem que dar seu jeito de se divertir, e é verdade. De certa forma, Aeon Fux tem sido uma fuga pra mim também”.

Siga Daniel Montesinos-Donaghy no Twitter.

Tradução: Thiago “Índio” Silva