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Música

Festival Kazantip Segue Firme e Forte em Meio ao Caos da Crimeia

Batemos um papo com o fundador Presidente Nikita, que fecha fortemente o bonde russo.

Com uma duração de várias semanas e a auto-denominação de ser uma república temporária e independente (com ministros e um "presidente" que anda de Segway), Kazantip vem sendo há tempos um dos mais estranhos e interessantes festivais da Europa. E ele acontece na Crimeia, a antiga península da Ucrânia forçadamente anexada pela Rússia no mês passado.

Tal fato criou especulações sobre o futuro do festival, então pensamos que este seria ótimo um momento para conversar com o Presidente Nikita (criador e organizador do festival) e perguntar como andam os planos pro festival desse ano, levando em consideração a atual e ingrata posição. Como foi documentado ao longo dos anos em muitos artigos – e, inclusive, um documentário da VICE – Kazantip sempre foi um ímã para os cidadãos russos, que vão de jovens despreocupados a gente desagradável e assustadora, então era improvável que o festival de repente se tornasse uma espécie de bastião de protesto contra as recentes investidas de Putin na península.

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Mas não contávamos com a extraordinária força retórica pró-Rússia das respostas de Nikita, que chegam a classificar o recente e forçado referendo como um exemplo prático de "livre escolha", e rotular o luto da Ucrânia pela perda da Crimeia como "ciúme descontrolado e histérico".

É um entendimento extremamente interessante e bizarro da situação, mas, ao menos, deixa descansados aqueles que temem o cancelamento do festival. Com o seu Presidente virando a casaca pro lado de Moscou desta maneira, a única possível surpresa desagradável em Kazantip nesse verão pode ser a visão de um Putin seminu pulando ondinha no Mar Negro.

THUMP: Se você tivesse que resumiro Kazantip numa única frase, qual seria?
Nikita: Eu costumava usar uma expressão de outra pessoa que dizia "uma Amsterdã russa-ucraniana", mas as coisas mudaram nos últimos anos e agora os visitantes da República Kazantip são cidadão de 106 países diferentes. E, de maneira geral, Kazantip não é o que você pensa, mas, às vezes, é o que você sonha.

Você sente que Kazantip já atingiu seu objetivo de criar uma sociedade nova e melhorada, ou ainda há trabalho pra fazer nesse aspecto?
Uma sociedade consiste em pessoas e eu não idealizo pessoas. Sem dúvidas, Kazantip como estado ocupa o primeiro lugar em números de pessoas felizes. Mas o comportamento dessas pessoas nem sempre é perfeito. Gostaria de ver pessoas mais gentis e mais inteligentes no mundo. É algo que deve ser trabalhado constantemente, não só por mim.

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Aparentemente, o Burning Man é o único festival de música que você respeita. Quanta inspiração Kazantip tira dele?
Sim, não nego que o Burning Man me inspirou por muitos anos. Mas depois de visitá-lo percebi uma coisa muito importante: todas aquelas instalações não são nada comparadas às pessoas que vi lá. Foi como acreditar nas pessoas outra vez. Acredito que se possa (e se deva) incentivá-los a ir além; criar um ambiente favorável pra realização pessoal de milhares de pessoas, ao invés de tentar surpreender o mundo todo como um pequeno grupo de mágicos ilusionistas.

Hoje tenho muita experiência e recursos quase que ilimitados pra fazer um pulo no hiper-espaço. Você pode ter certeza de que isso vai acontecer, e então o Burning Man vai sentir orgulho por ser ocasionalmente comparado ao Kazantip, a meca do novo mundo. Com esse conceito de ser temporário e construído do nada, o Burning Man está condenado a permanecer como um doce acampamento cigano no meio do deserto.

Quão importante é a música no Kazantip? É de importância central ou é apenas um pequeno elemento no conjunto mais amplo da República?
A música fica em segundo plano, com certeza. Mas precisa ser perfeita e atual – ou melhor ainda, representar o futuro. Lamento que não haja dinâmica, qualidade, nem mudanças revolucionárias na cena moderna da música eletrônica. Atualmente, nossas prioridades musicais são quase idênticas à lista das melhores da Resident Advisor, mas também precisamos agradar pessoas com gostos minoritários (trance, drum 'n' bass, hardcore techno, além de uma plataforma de música ao vivo que oferece eletro-indie). A música é legal, mas vamos combinar que a vida de uma pessoa moderna tem coisas mais interessantes e significativas. É pra essa direção que devemos olhar.

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Dada a situação atual da Crimeia e Ucrânia, existiu o perigo do Kazantip não acontecer neste ano?
Pra mim, com certeza não. Sim, eu presumi que o confronto entre o ocidente e a Rússia pudessem ser adiados, mas sempre achei que não iria além da retórica. Vou te contar um segredo: não há nada interessante ou significativo na Crimeia com exceção do Kazantip. O motivo da controvérsia foi inicialmente por conta de uma outra República. Kazantip é uma fonte inesgotável e única da mais importante energia, que é necessária a todos os países e pessoas – pelo menos uma vez por ano.

Você conhece muita gente que foi afetada pelos recentes eventos na Crimeia e na Ucrânia? Você acha que Kazantip pode ser um escape ainda mais valioso da realidade pros ucranianos este ano?
Concordo que a situação do lado de fora das fronteiras da República esteja muito politizada. Os ucranianos estão sofrendo dolorosamente pela perda da Crimeia, e especialmente de Kazantip. É mais algo como um ciúme descontrolado e histeria, mais do que senso comum. Estamos prontos pra curá-los.

Você estima alguma dificuldade este ano com o Kazantip acontecendo dentro da Rússia e não da Ucrânia?
Até o momento, só vejo infinitas oportunidades nessa nova realidade. Em face à crise, a destituída Ucrânia não foi capaz de resolver os problemas da Crimeia. Não poderia, nem resolveria. Mas a Rússia pode e está pronta pra fazê-lo. Agora a Crimeia está destinada a prosperidade. A questão é: o que vão fazer disso – a nova "Las Vegas", "Monte Carlo", "Singapura"?

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O único problema deste ano é a necessidade do visto russo pra visitar a Crimeia. Claro, no futuro, essa região terá um regime de vistos mais simplificado. Por ora, enquanto a comunidade internacional estiver tímida em aceitar a Crimeia e Kazantip como entidades livres, as pessoas precisam pegar voos via Moscou, mas em compensação as passagens estão bem mais baratas.

Qual é o conceito por trás da oferta de cidadania pra mulheres da Ucrânia e da Crimeia?
Sabendo como é difícil pros ucranianos, Kazantip foi a primeira nação a oferecer ajuda. Observe que fizemos isso antes do resto do mundo, antes dos prósperos EUA e Europa. Fomos os primeiros a fraternalmente oferecer ajuda pra cada garota ucraniana conseguir seu ViZa (bilhete de entrada) de graça.

Por que só garotas? Acreditamos que os rapazes ucranianos não devem ser distraídos pela dança. Eles precisam continuar na luta pela sua liberdade, arrebentando as portas pra Europa, batalhando pelo poder, ou apenas parando pra pensar por que caralhos eles começaram com esse circo, e se há qualquer tipo de benefício vindo desses sacrifícios e privações.

Você acredita que Kazantip vai permanecer na Crimeia nos próximos anos ou vai se mudar pra Ucrânia?
Nikita: Você está brincando? Kazantip nunca pertenceu à Ucrânia. Ela pertence a mim. Quando a União Soviética caiu, usei a oportunidade pra tirar um pedaço. Desde então, estou construindo meu próprio estado por muitos anos. Pra evitar chamar muita atenção, finjo que é tipo um festival. Mudar pra Ucrânia? Que ideia inesperada. Honestamente, nunca pensei nisso. Por que deveria?

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O Kazantip deste ano vai incluir algum elemento de protesto contra as ações da Rússia na Crimeia?
Nikita: Você está brincando comigo outra vez, né? Que protestos? A República Kazantip reconhece a legitimidade dos resultados finais do referendo da Crimeia muito antes deles terem sido estabelecidos. Vamos concordar em respeitar o direito que todas as nações têm em lutar pela sua liberdade, não só os ucranianos. As pessoas da Crimeia fizeram sua livre escolha. E claro, estamos felizes por elas.

Visitantes dignatários de outros países serão bem vindos no Kazantip? O que você diria se Vladimir Putin quisesse fazer uma visita?
Nikita: Acho estranho que Vladimir Putin ainda não tenha arranjado tempo pra nos fazer uma visita, mas temos muitos amigos em comum que vêm a Kazantip todos os anos. A cada vez que voltam, eles provavelmente compartilham suas impressões positivas, fotos e souvenires com ele. Tenho uma proposta de mudar as conferências de Sochi pra Kazantip, porque é um lugar mágico de poder.

Além disso, exijo que Kazantip seja incluída na comunidade de estados super poderosos, pra que eles parem de fingir que não existimos no mapa múndi. Sim, não somos a maior nação, mas sabemos como curar a todos; como reconciliar as pessoas do mundo e resolver conflitos globais. Estamos prontos pra compartilhar os Segredos Estratégicos de Felicidade da Grande Nação de Kazantip com os demais habitantes da Terra.

Se a treta na Crimeia importa algo para você (e devia), leia mais na VICE.

Siga Kit Macdonald no Twitter: @kitmacdonald