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Militares de Myanmar Estão Mantendo Mulheres Rohingya Como Escravas Sexuais?

Testemunhas oculares de um acampamento rohingya situado a poucos quilômetros da cidade de Sittwe descreveram cerca de 20 mulheres e três crianças menores de oito anos sendo mantidas no acampamento.

Um acampamento militar a poucos quilômetros de Sittwe, Myanmar.

Os muçulmanos de Myanmar continuam passando por maus bocados. Ano passado, a maioria budista do país lançou uma série de ataques à minoria muçulmana rohingya, supostamente por eles não serem "etnicamente puros". Os ataques têm continuado este ano e agora a população muçulmana em geral, não só os rohingyas, tem enfrentado violentas gangues de saqueadores budistas que queimam casas e espancam muçulmanos nas ruas.

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Depois de monitorar a situação dos rohingya e os incidentes de violência contra eles em junho e outubro do ano passado, decidi ir até Myanmar, antecipando mais uma rodada de conflitos. O problema era que eu não tinha dinheiro ou qualquer meio de comunicação para me dar suporte e a grande mídia praticamente parou de reportar sobre a situação. Mas quando me voltei para o público para ajudar a financiar minha viagem, a resposta foi impressionante (acontece que tem muita gente por aí interessada em ajudar a expor perseguições violentas contra minorias vulneráveis) e, com ajuda dessa coletividade, consegui levantar dinheiro o suficiente para a viagem.

Fiquei em Sittwe, a principal cidade do estado de Arakhan, que é onde a maioria dos acampamentos rohingya está situada. Viajando toda manhã por diversos postos de checagem da polícia até os acampamentos rohingya, eu me sentia como que transportado para um mundo paralelo onde tudo bem esquecer suas obrigações como ser humano, onde é OK perseguir um grupo de pessoas só por terem uma origem diferente da sua. Os muçulmanos rohingya não são reconhecidos como cidadãos de Myanmar, o que significa que eles não têm nenhum direito e pouquíssimo acesso à educação e saúde.

Garoto rohingya num acampamento não registrado deslocado em Arakhan.

Em Sittwe, alguns dos meus contatos falaram sobre como as mulheres rohingya estão sendo mantidas contra sua vontade numa das bases militares locais. Rastreei algumas testemunhas, mas precisei me aproximar do acampamento para confirmar a informação. Tenha em mente que fotografar ou filmar uma base militar myanmarense obviamente não é fácil, e as pessoas que concordaram em me levar até lá arriscaram suas vidas para fazer isso.

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Durante minha semana em Sittwe, com a ajuda dessas pessoas, obtive provas fortes de que os militares de Myanmar estão prendendo mulheres rohingya da região de Arakhan e usando-as como escravas sexuais. Essas evidências me foram repassadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência da ONU que apresentou uma queixa ao governo de Myanmar e lançou uma investigação na tentativa de resgatar essas mulheres.

Testemunhas oculares de um acampamento rohingya situado a poucos quilômetros da cidade de Sittwe descreveram cerca de 20 mulheres e três crianças menores de oito anos sendo mantidas no acampamento. Uma das testemunhas, uma muçulmana que chamarei de Amina, descreveu estar passando pelo acampamento quando ouviu vozes chamando por ela. As mulheres aprisionadas perguntaram se Amina era muçulmana, depois imploraram por ajuda:

"Se nos ajudar a escapar, você vai para o jannah ['céu']", disse uma das mulheres. "Muitos militares vêm, não conseguimos respirar. Queremos voltar a ser muçulmanas. Se continuarmos aqui iremos para o inferno." O significado por trás das palavras delas era evidente: essas mulheres estão sendo estupradas e tiveram que deixar isso explícito para que as pessoas entendessem o que está acontecendo.

As prisioneiras pediram a Amina que passasse a mensagem para alguém que pudesse ajudar. "Nossos pais não sabem onde nos encontrar", completaram elas.

Mulher rohingya numa clínica médica. Foto por Dougal Thomas.

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As mulheres só conseguiram falar com Amina porque era o Dia da Independência myanmarense e os soldados haviam saído. "Estamos presas aqui há muito tempo. Eles nos deixaram aqui porque têm um visitante especial", elas disseram a Amina. Uma das mulheres continuou, dizendo a Amina que, se a história de que elas estavam presas ali se espalhasse, os militares poderiam matá-las. Também avisaram a Amina que ela corria perigo se fosse encontrada conversando com elas.

Amina viu três crianças dentro do acampamento. Duas delas passaram a cabeça pela janela e uma veio até a cerca para que Amina pudesse entregar alguns vegetais que tinha com ela. "As mulheres estavam chorando", ela me contou. "Algumas me chamaram de filha, outras de irmã." Algumas das mulheres estavam claramente grávidas.

Informações de várias fontes indicam que os moradores locais sabem que essas mulheres estão sendo mantidas como prisioneiras, mas têm medo de falar. E como os rohingya não são reconhecidos como cidadãos de Myanmar – e por isso não têm direitos –, é fácil supor que a punição para aqueles que fazem esse tipo de alegação não passará pelos canais oficiais de justiça.

Casa rohingya incendiada em Arakhan. Foto por Spike Johnson.

Entrevistei um homem rohingya de 18 anos que descreveu outro acampamento a 20 minutos dali, onde outra mulher estava aparentemente sendo mantida em condições similares. Ele foi um dos 14 produtores de arroz que tentaram falar em rakhine, a língua da população budista de Arakhan, com a mulher. A mulher respondeu: "Não fale comigo em rakhine. Sou muçulmana e prisioneira aqui".

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Depois ela disse aos homens o nome de seu pai e de onde ela era. Eles perguntaram o que ela estava fazendo no acampamento militar se era muçulmana, e se ela estava pronta pra ir embora dali com eles. Ela respondeu: "Tenho dois filhos", o que implica que suas crianças estão sendo usadas para mantê-la no acampamento. Essa evidência também foi repassada para a OIT.

Cheguei até outras duas testemunhas, mas elas tiveram medo de falar. Uma muçulmana que também viu as mulheres prisioneiras no primeiro acampamento tinha concordado em falar comigo, mas desistiu depois que seu marido ameaçou se divorciar dela caso ela falasse com algum jornalista sobre a situação. Os rohingya não possuem uma forma oficial de proteção, e quem fala com jornalistas está arriscando a vida, então a relutância deles em divulgar o que sabem é perfeitamente compreensível.

A última vez que essas mulheres foram vistas foi no final de março e ninguém sabe se elas ainda estão vivas. Também não se sabe se elas continuam no mesmo local ou se foram separadas em diferentes acampamentos. Mas é certo que mulheres rohingya inocentes estão sendo mantidas prisioneiras pelos militares myanmarenses e que os moradores locais sabem da situação, mas é impossível para eles tomar qualquer atitude sem arriscar a própria segurança.

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