
O Sudão é um país familiarizado com protestos. Ondas de manifestações vêm ocorrendo desde 2010 devido ao débito e à crise econômica. O último surto de protestos, durante julho de 2012, durou várias semanas. O governo tinha anunciado um aumento nos preços de bens básicos, que levou milhares de pessoas às ruas, onde foram recebidas com gás lacrimogêneo e balas de borracha. No entanto, desta vez é diferente.

Publicidade

Amjed: Na noite de ontem, o governo cometeu outro crime contra os manifestantes em Wad Madani e outras localidades. Durante os protestos noturnos, formados principalmente por jovens, o governo abriu fogo e matou cerca de 41 manifestantes em uma cidade, e recebemos a informação de que foram cinco mortos no sul de Cartum. Anteontem, 141 mortes foram informadas em diferentes áreas de Cartum por diferentes hospitais. Os médicos disseram que os ferimentos estavam na parte superior do corpo e na cabeça.Como isso tudo começou?
Amjed: Todo ano, o governo aumenta o preço de tudo no Sudão e dá as mesmas razões para isso. Depois do anúncio no sábado retrasado, protestos começaram imediatamente no centro do Sudão e o governo usou força excessiva contra os manifestantes.Ashraf: O governo e as pessoas já sabiam que essa decisão seria tomada há um mês. O governo sabia que as pessoas iam protestar contra essas decisões. Desde o primeiro dia de protestos, muitas pessoas estão sendo assassinadas, o que significa que isso foi planejado para matar pessoas. Em 2012, as pessoas protestaram por várias semanas, mas ninguém morreu. Agora, logo no primeiro dia, tivemos 40 assassinatos. Acredito que eles tenham planejado tudo.

Ashraf: O governo está muito frustrado porque as pessoas não vão aceitar as novas decisões desta vez. A vida vai se tornar impossível e as pessoas não vão aceitar. Então, acho que o governo está muito frustrado e não sabe o que fazer.
Publicidade
Ashraf: As forças policiais em geral usavam gás lacrimogêneo e prendiam algumas pessoas, mas agora eles estão atirando aleatoriamente e prendendo pessoas em suas casas. Essa brutalidade da polícia e das forças de segurança vai forçar mais pessoas a se reunirem para enfrentar isso. Eles bloquearam a internet pela primeira vez. Eles proibiram a publicação de vários jornais. Agora é diferente.O que o governo está alegando?
Amjed: No começo, eles negaram as mortes, depois acusaram os manifestantes de matar essas pessoas. E, em seguida, disseram que os manifestantes estavam destruindo lugares públicos. Eles mudaram sua história três ou quatro vezes e cada oficial do governo conta uma mentira diferente sobre o que está acontecendo. O que está acontecendo é que oficiais de segurança uniformizados estão matando pessoas nas ruas.Ashraf: É um hábito do governo difamar os manifestantes. Quando eu era estudante na Universidade de Cartum, costumávamos protestar contra a intervenção das forças de segurança nas eleições da união dos estudantes. Nossos protestos costumavam acontecer somente dentro e nos arredores do campus, mas o governo nos chamava de vândalos. As pessoas até pensavam que não éramos estudantes universitários.

Amjed: Sim, um jovem membro de nossa organização que tinha começado uma iniciativa pública para ajudar as pessoas afetadas pelas inundações no Sudão mês passado. Ele tinha 22 anos. Ele foi baleado e morto na noite passada, durante uma marcha que estava levando outro jovem morto em protestos até o cemitério. Foi uma tragédia para todos os ativistas do Sudão. Há muitas histórias assim pelo país. Todo mundo tem uma tragédia pessoal agora.
Publicidade
Amjed: Muitos dos mortos tinham 22, 25, 17, 15 anos; crianças também morreram — de 10 ou 12 anos. Mas pessoas mais velhas, de 40, 50 anos, também estão entre os mortos. Quase 200 pessoas foram mortas até agora, de várias áreas do país e de vários status sociais.E quanto aos relatos de manifestantes vandalizando ou incendiando prédios?
Ashraf: Não existem partidos de oposição e líderes nos eventos, então, as manifestações não são organizadas. Tudo isso levou a essas sabotagens e revoltas. Admito que tem muita gente tirando vantagem das manifestações para saquear. Acho que se as pessoas tivessem alguém para organizar esses atos e manifestações, líderes para dirigir suas ações, elas parariam com a destruição.Amjed: Fala-se sobre postos de gasolinas sendo incendiados, mas quando isso acontece, há só um punhado de pessoas envolvidas, não centenas ou milhares de pessoas como nas manifestações principais.Ashraf: Também ouvi acusações de que policiais estão começando esses atos violentos. Ontem, manifestantes encontraram três policiais tentando arrombar um caixa eletrônico em Cartum. Os manifestantes os detiveram e publicaram seus nomes e números de identidade.Amjed: O governo também tem agentes de segurança que se infiltram nas manifestações e fazem isso. É uma tática do governo para estigmatizar os protestos e dizer que os manifestantes estão destruindo o país. Isso não é verdade.
Publicidade

Ashraf: Um galão de combustível (cerca de 3,8 litros) custa 21 libras (mais de R$10). Em 2011, isso custava 12 libras.Amjed: Eles dobraram o preço da gasolina, então, dobraram os preços dos bens comuns também. Ninguém está conseguindo comprar combustível — não só os pobres. A crise econômica está acontecendo porque grande parte do orçamento anual vai para a segurança e as forças armadas. Por causa dessas despesas, o governo não está fornecendo nenhum serviço social ao povo. Eles querem que paguemos esses impostos do nosso bolso, querem que a gente tire a comida da boca dos nossos filhos para pagar o preço pela corrupção e a guerra irresponsável em Darfur. Eles querem que paguemos para matar pessoas. É uma crise muito difícil. Eles criaram essa loucura e querem que a gente pague por isso.Então, não é somente a questão das medidas de austeridade?
Ashraf: É uma combinação de falhas contínuas. Começamos a importar a maior parte dos vegetais e frutas que consumimos, mesmo tendo grandes áreas disponíveis para o plantio. O governo taxa pesadamente os fazendeiros e muitos deles precisaram de empréstimos do banco agrícola. Agora, muitos fazendeiros estão na cadeia por não conseguirem pagar suas dívidas com o banco.Também é uma questão de segurança. Pelos últimos 25 anos, o presidente vem dizendo que 77% do orçamento nacional vai para propósitos de segurança e que só 5% vai para a educação e a saúde. E deixa eu te dizer uma coisa: quando estávamos na guerra civil mais longa da África, eles disseram que iam acabar a guerra com o sul e trazer a paz. No entanto, em 2012, eles começaram outra guerra civil em Darfur e outros estados, então, estamos numa guerra civil atualmente. A força aérea israelense atacou Cartum e Porto Sudão nove vezes desde 2008. Da última vez, eles atacaram uma fábrica em Cartum em setembro de 2012. A fábrica ficava numa área residencial. Assim, as pessoas não podem se sentir seguras, mesmo pagando 77% da renda nacional em segurança? Não temos educação, não temos saúde e nossos cidadãos não se sentem seguros.
Publicidade
Amjed: No começo, isso acontecia por causa da crise econômica. Agora que nosso sangue foi derramado nas ruas, queremos que esse governo saia, esse governo precisa ir, ele precisa ser deposto porque nos matou. Exigimos liberdade em nosso país. Merecemos isso. Merecemos justiça por nosso sangue. Exigimos um governo responsável que possa nos guiar durante esse período difícil.Vocês esperam que os protestos terminem em breve?
Amjed: Espero que as pessoas continuem nas ruas até que as exigências sejam atendidas.
Ashraf: É um momento crítico. Ninguém aguenta mais isso.@rrrakiaMais sobre o Sudão:Os Soldados Esquecidos do Sudão