Todas as fotos são do autor.
Nem toda madrugada de silêncio é bom sinal nas comunidades do Rio de Janeiro. A de quinta (14) para sexta-feira (15) foi das piores. Os mototaxistas Rodrigo Marques Lourenço (29) e Ramon Moura Oliveira (22) amanheceram num valão mortos a facadas. A cena é o Morro do São Carlos, mais uma favela carioca em pé de guerra entre facções rivais e polícia militar. No meio, sempre eles: os moradores.
Dezenas de colegas dos mototaxistas foram no sábado ao cemitério do Catumbi enterrar os colegas. A imprensa, eu inclusive, já se aglomerava na saída esperando a repetição dos protestos violentos da sexta passada, quando dois buzus foram queimados em plena região central da Cidade Maravilhosa. Os moradores culpam o grupamento especial da polícia militar carioca, o BOPE, pela morte dos jovens. O que se viu foi uma turba de motos de baixa cilindrada fazendo o maior barulho possível para protestar, deixando em pânico moradores de Laranjeiras enquanto tomavam as ruas do bairro nobre. Em frente ao despovoado palácio do governo estadual, as buzinas e os pedidos de justiça ecoaram pelas salas vazias naquele sábado. Um protesto completamente pacífico.
A manifestação não se limitou aos arredores do cemitério nem às amplas e conhecidas ruas da cidade – foi dentro da comunidade onde a maior parte dela realmente aconteceu. Pedi a um dos mototáxis para subir na garupa da moto e fui prontamente atendido. O jogo de equilíbrio entre fotografar nas subidas e curvas e me segurar era o menor dos desafios. O clima era de tensão absoluta: enquanto minha pilota acelerava para chegar aos companheiros, a quantidade de policias ocupando o morro parecia uma cena de filme. Logo no primeiro encontro, o que de longe parecia ser, era: uma pistola apontada na nossa direção, na altura da cabeça. O medo de apontar outra coisa preta na direção do policial me conteve. Não levantei a câmera.
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Mas a comoção era grande. Em cada ponto central, em cada rua, beco e viela. Já em outra moto, o piloto gritava em tom de comemoração: "Olha o repórter! Olha o repórter!". A verdade é que, em momentos de medo para todos, moradores, policiais e jornalistas, a voz das comunidades deixa de ser ouvida na maioria das vezes. A coragem tomava conta não só de mim, mas dos próprios manifestantes, enquanto policiais armados filmavam com celulares numa mão e armas na outra. Os manifestantes decidiram ir até a UPP no topo do morro (para os desavisados, as Unidades de Polícia Pacificadora são, em sua esmagadora maioria, trailers com precárias instalações onde policias azarados fazem plantão). Em frente à unidade do São Carlos, muita buzina, gritos, uma oração por paz e em memória dos falecidos. E, é claro, pedidos para que a polícia não atirasse. Manifestar-se dentro da própria comunidade em meio a uma guerra do tráfico e uma guerra da polícia é, antes de tudo, um ato de resistência de quem vive ali para quem vive ali.
Após percorrer becos e vielas, presenciar o apoio dos moradores aos manifestantes e sentir na pele como é estar numa manifestação vigiado por policias de armas em punho, saí de lá com a sensação de que, mais do que nunca, essas pessoas precisam ser ouvidas. Mas não havia um helicóptero sequer sobrevoando a área, um colega para compartilhar a opinião. Minhas fotos agora concorrem com os vídeos dos celulares dos moradores, dos manifestantes e dos PMs. Cada um conta a sua história, mas protesto pacífico não dá capa de jornal.