Buzinas e Pistolas: O Protesto dos Mototaxistas do Rio de Janeiro

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Buzinas e Pistolas: O Protesto dos Mototaxistas do Rio de Janeiro

Dezenas de colegas dos mototaxistas assassinados a facadas na semana passada foram no sábado (16) ao cemitério do Catumbi enterrar os companheiros de profissão. Um protesto completamente pacífico.

Todas as fotos são do autor.

Nem toda madrugada de silêncio é bom sinal nas comunidades do Rio de Janeiro. A de quinta (14) para sexta-feira (15) foi das piores. Os mototaxistas Rodrigo Marques Lourenço (29) e Ramon Moura Oliveira (22) amanheceram num valão mortos a facadas. A cena é o Morro do São Carlos, mais uma favela carioca em pé de guerra entre facções rivais e polícia militar. No meio, sempre eles: os moradores.

Dezenas de colegas dos mototaxistas foram no sábado ao cemitério do Catumbi enterrar os colegas. A imprensa, eu inclusive, já se aglomerava na saída esperando a repetição dos protestos violentos da sexta passada, quando dois buzus foram queimados em plena região central da Cidade Maravilhosa. Os moradores culpam o grupamento especial da polícia militar carioca, o BOPE, pela morte dos jovens. O que se viu foi uma turba de motos de baixa cilindrada fazendo o maior barulho possível para protestar, deixando em pânico moradores de Laranjeiras enquanto tomavam as ruas do bairro nobre. Em frente ao despovoado palácio do governo estadual, as buzinas e os pedidos de justiça ecoaram pelas salas vazias naquele sábado. Um protesto completamente pacífico.

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A manifestação não se limitou aos arredores do cemitério nem às amplas e conhecidas ruas da cidade – foi dentro da comunidade onde a maior parte dela realmente aconteceu. Pedi a um dos mototáxis para subir na garupa da moto e fui prontamente atendido. O jogo de equilíbrio entre fotografar nas subidas e curvas e me segurar era o menor dos desafios. O clima era de tensão absoluta: enquanto minha pilota acelerava para chegar aos companheiros, a quantidade de policias ocupando o morro parecia uma cena de filme. Logo no primeiro encontro, o que de longe parecia ser, era: uma pistola apontada na nossa direção, na altura da cabeça. O medo de apontar outra coisa preta na direção do policial me conteve. Não levantei a câmera.

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Mas a comoção era grande. Em cada ponto central, em cada rua, beco e viela. Já em outra moto, o piloto gritava em tom de comemoração: "Olha o repórter! Olha o repórter!". A verdade é que, em momentos de medo para todos, moradores, policiais e jornalistas, a voz das comunidades deixa de ser ouvida na maioria das vezes. A coragem tomava conta não só de mim, mas dos próprios manifestantes, enquanto policiais armados filmavam com celulares numa mão e armas na outra. Os manifestantes decidiram ir até a UPP no topo do morro (para os desavisados, as Unidades de Polícia Pacificadora são, em sua esmagadora maioria, trailers com precárias instalações onde policias azarados fazem plantão). Em frente à unidade do São Carlos, muita buzina, gritos, uma oração por paz e em memória dos falecidos. E, é claro, pedidos para que a polícia não atirasse. Manifestar-se dentro da própria comunidade em meio a uma guerra do tráfico e uma guerra da polícia é, antes de tudo, um ato de resistência de quem vive ali para quem vive ali.

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Após percorrer becos e vielas, presenciar o apoio dos moradores aos manifestantes e sentir na pele como é estar numa manifestação vigiado por policias de armas em punho, saí de lá com a sensação de que, mais do que nunca, essas pessoas precisam ser ouvidas. Mas não havia um helicóptero sequer sobrevoando a área, um colega para compartilhar a opinião. Minhas fotos agora concorrem com os vídeos dos celulares dos moradores, dos manifestantes e dos PMs. Cada um conta a sua história, mas protesto pacífico não dá capa de jornal.