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Uma líder do Templo Satânico fez um blog sobre seu aborto

Jex Blackmore, diretora do ramo de Detroit do Templo Satânico, começou um blog para contar sua história de aborto e fornecer informações muito necessárias sobre o processo do qual ninguém quer falar.

Jex Blackmore. Foto cortesia da entrevistada.

Jex Blackmore, diretora do ramo de Detroit do Templo Satânico, começou um blog para contar sua história de aborto e fornecer informações muito necessárias sobre o processo do qual ninguém quer falar.

"A decisão de se tornar duas pessoas em vez de uma é monumental. Às vezes, é a hora certa; às vezes, não. Essa não era", escreve Jex Blackmore, diretora do ramo de Detroit do Templo Satânico. Blackmore induziu um aborto no dia de Ação de Graças e detalhou o processo – da gravidez inesperada à recuperação – em "Unmother", um blog no site crisispregnancymichigan.com. Blackmore e o Templo Satânico, defensores ferrenhos dos direitos reprodutivos das mulheres, assim como da separação entre igreja e Estado, escolheram a URL estrategicamente: eles esperam que mulheres procurando informações sobre aborto encontrem o site em vez de acabar em um crisis pregnancy center (CPC), que é um dos lugares conhecidos por se passar por centros de saúde da mulher. Na verdade, CPCs são grupos religiosos que fornecem informações tendenciosas a jovens grávidas numa tentativa de evitar que elas abortem.

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O site "crisis pregnancy" de Blackmore revela as realidades do aborto pela primeira vez. Em seu blog, ela explica as leis sobre isso em Michigan, o custo do procedimento (US$ 800), o processo médico envolvido e o que acontece depois. A Broadly falou com ela por telefone para saber mais sobre o projeto.

BROADLY: Como você está se sentindo? Segundo seu blog, faz 11 dias que você fez um aborto.
Jex Blackmore: Certo. Comecei a melhorar dois dias atrás. Agora, me sinto mais como eu mesma. Tenho um check-up amanhã para ver se tudo deu certo – internamente. Vou escrever uma última entrada depois da consulta de amanhã.

Como parte do Templo Satânico, você é uma defensora de longa data dos direitos reprodutivos das mulheres. No seu blog, você menciona rapidamente o momento em que percebeu que teria de evoluir de defensora disso, no senso teórico, para alguém que realmente precisa de um aborto. Como foi esse processo para você?
Foi surreal, porque eu vinha me concentrando nos direitos reprodutivos das mulheres e pensando na informação disponível sobre o processo de fazer um aborto há muito tempo. Primeiro, eu não quis acreditar que estava grávida. Senti que estava num universo paralelo. Eu vinha defendendo esse direito para uma "outra" mulher, mas, de repente, percebi que essa mulher era eu.

Quando você decidiu escrever sobre isso num blog?
Depois de saber que estava grávida, levei alguns dias para absorver a ideia. Só que era muito óbvio que eu estava grávida: minha menstruação estava atrasada, e eu sentia meu corpo todo dolorido. Eu sabia que faria um aborto; então, quis documentar isso. Há pouquíssima coisa online sobre os sentimentos que eu estava experimentando como uma mulher grávida planejando um aborto. Ninguém fala sobre como isso realmente é, e eu descobri que havia pouca informação e fontes sobre as semanas que levam ao procedimento. Portanto, achei que escrever sobre isso faria uma ponte sobre esse vazio de informação.

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Sim. Quando você está grávida e decide dar à luz, há muita informação sobre isso. Há toda uma indústria da gravidez. Ninguém diz qual a melhor maneira de fazer um aborto.
Indo até a clínica e aprendendo sobre o processo, descobri que tinha muito mais coisa envolvida do que eu esperava. Entretanto, para os médicos, isso é rotina. Eles meio que amenizam quão doloroso é o processo, por exemplo, ou o tempo que leva para se recuperar. Acho que, no movimento pró-escolha, há uma tentativa subconsciente de continuar amenizando esses detalhes difíceis. Há um medo de alimentar a histeria que cerca o aborto. Na verdade, a dor física não é tão grande assim, mas não discutimos o que a decisão de fazer um aborto exige, pelo menos fisicamente.

Como é a dor depois de um aborto induzido?
Bom, você basicamente entra em trabalho de parto. Você tem contrações. A experiência é um pouco diferente para cada pessoa, porém muitas mulheres me contaram histórias similares à minha. A dor começa como uma cólica menstrual normal, embora depois se torne intensa, profunda. É suportável, mas, cerca de uma hora antes de expelir o tecido uterino, experimentei uma dor cegante. Foi muito intenso, porém, assim que acabou, acabou. Não foi uma diminuição gradual da dor; foi realmente muito doloroso, e depois acabou.

Michigan é um Estado com uma boa dose de burocracia para as mulheres que procuram um aborto. O que você teve de fazer antes de poder passar pelo procedimento?
Há um período obrigatório de espera de 24 horas. Eu tinha de contatar a clínica, e é exigido que você imprima ou vá buscar o material de consentimento informado, que é escrito pelo Estado, e confirmar que leu isso antes do procedimento. Esse material não é escrito por profissionais médicos e inclui informações equivocadas. E, se eu tivesse lido sobre um aborto de dilatação e curetagem, ou ido à clínica com um formulário de procedimento diferente do que me deram, eles não iriam me atender.

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Em Michigan, eles também exigem que planos de saúde cubram o aborto [sob o Abortion Insurance Opt-Out Act/documents/mcl/pdf/mcl-act-182-of-2013.pdf)]. Isso é algo com que não tive de lidar, mas muitas mulheres precisam passar por isso. Muitos planos de saúde no estado não oferecem cobertura de aborto; logo, você tem de comprar essa cobertura separadamente. Comprar essa cobertura extra com antecedência é outro fardo colocado sobre as mulheres, presumindo que elas devem esperar fazer um aborto em algum ponto.

Além disso, clínicas de aborto são pesadamente reguladas; assim, há poucas delas em certos condados do Estado. Tenho sorte de morar perto de Detroit, onde há alguns lugares aonde eu poderia ir. Estamos trabalhando num projeto de pesquisa para fornecer informação sobre clínicas de aborto no Estado. Atualmente, há cerca de 50 clínicas que realizam abortos em Michigan. Para você ter uma ideia, há quase 100 crisis pregnancy centers no Estado.

"Ninguém fala realmente como é fazer um aborto, e descobri que há pouquíssima informação ou fontes sobre as semanas que levam ao procedimento."

O Templo Satânico está trabalhando em outros projetos novos relacionados aos direitos reprodutivos?
Bom, esperamos que esse projeto cresça e redirecione as mulheres para uma boa fonte de informação. Estamos reunindo bastante informação sobre clínicas em que as mulheres podem confiar em vez de serem pegas desprevenidas porque ligaram acidentalmente para um CPC, por exemplo. Também estamos coletando informações sobre o golpe dos CPCs e fazendo um site para que as pessoas possam ver o tipo de propaganda que eles promovem. Também estamos trabalhando num guia para mulheres na posição em que estive para ajudar a navegar pelo sistema e informar sobre o que esperar legalmente. Em Michigan, por exemplo, menores de 18 anos precisam de permissão dos pais – esse é todo um processo para mulheres mais jovens.

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Até recentemente, eu não tinha percebido quão insidiosos são os CPCs. Esses centros conseguem mesmo que as mulheres usem seus serviços?
Eles têm um sucesso relativo nisso. Eu sei que o site deles é feito para confundir – um deles, em particular, fornece direções diretas de todos os campi universitários da área até a clínica deles. Sabe como eles se promovem: "Você está grávida? Com medo? Podemos ajudar". Eles não revelam que não vão dar nenhuma informação correta sobre aborto. A equipe da clínica nem sequer tem formação médica. Eles são voluntários da igreja ou algo assim. Tudo escondido.

Há vários CPCs no raio de um quilômetro da clínica de aborto aonde fui. Li uma avaliação da clínica aonde fui, e a autora escreveu que acabou acidentalmente num CPC antes de achar a clínica verdadeira. Ela ficou presa assistindo a um vídeo de propaganda até perceber que estava no lugar errado. Os CPCs são muito parecidos com clínicas de verdade. Essa avaliação é um bom indicador de que outras mulheres caem na mesma armadilha.

Você teve alguma resposta surpreendente para o projeto?
O mais incrível para mim foi a quantidade de respostas positivas de outras mulheres que nunca tinham discutido suas experiências antes. Acho que é muito importante que exista uma oportunidade para que as mulheres compartilhem suas histórias de aborto anonimamente. Espero colocar algo assim no site em breve para permitir que as mulheres postem suas experiências. Sei que há outro projeto chamado #ShoutYourAbortion bem similar a isso, embora ache que todo o processo de pensamento que leva ao aborto deveria ser incluído no diálogo.

Tradução: Marina Schnoor.

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