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Novas Fronteiras da Sobriedade - Ser Um Antiviagem É Antibom

Existe uma antimaconha, uma anti-heroína ou um antiLSD? Farmacologicamente falando, a resposta é sim.

A pior omelete da minha vida. Valeu, rimonabant. Foto: Maggie Lee

ANTIMACONHA: RIMONABANT
DOSE: 60 MG Pesquisadores farmacêuticos observaram que fumar maconha dá larica, uma fome incontrolável. Então, evidentemente, desativar os receptores do cérebro responsáveis pelas sensações que a maconha proporciona te dariam uma antilarica. Eles testaram uma droga dessa natureza e descobriram que era extremamente eficaz. A droga foi aprovada na Europa e parecia ser um dos melhores remédios para perda de peso da história. O rimonabant é barato, eficaz e completamente não aditivo. Infelizmente, além da antilarica, ele deixava os usuários com antifelicidade, também conhecida como depressão suicida. Nos meses seguintes aos experimentos clínicos, mais de 70 pacientes apresentaram sinais de tendências suicidas e dois se suicidaram de fato. Outros pacientes tiveram convulsões e desenvolveram esclerose múltipla. Também houveram casos de abuso doméstico—em um deles um homem estrangulou a própria filha. Quando você fuma maconha, isso estimula uma parte do seu cérebro chamada de receptores canabinoides. Obviamente esses receptores têm outras funções além de te deixar chapado. Nossos receptores canabinoides têm uma série de funções reguladoras e cruciais no funcionamento de um cérebro sóbrio. Nós dependemos de um coquetel natural de substâncias parecidas com maconha chamadas endocabinoides, para regular inflamações, o apetite e a estabilidade emocional. Quando você toma o rimonabant ele não apenas impede que você fique chapado de maconha, mas também impede seu corpo de utilizar seus endocabinoides naturais. Já ouvi mais de uma vez especulações sobre um futuro onde o governo exigirá implantes de rimonabant em recém-nascidos para evitar que a população possa “expandir suas mentes”. Improvável, mas nos faz imaginar como seria viver num mundo assim! Já que as drogas normais são geralmente usadas socialmente e durante a noite, decidi fazer meu experimento antibarato de manhã e sozinho. Mas estou curioso pra saber como meu amigo Sam responderia ao rimonabant, então o convenci a experimentar junto comigo. Sam fumou o dia inteiro, todo dia, nos últimos cinco anos. Quando eu pedi pra ele tomar uma pílula que tornaria impossível ele ficar chapado por no mínimo 24 horas, ele não se empolgou muito com a ideia. Mas depois de eu pedir umas 50 ou 60 vezes e dizer que o recompensaria devidamente, ele acabou aceitando minha oferta. Tanto eu quanto o Sam tomamos doses de rimonabant três vezes maiores que a dose máxima utilizada para a perda de peso. Logo depois de engolir as pílulas, o Sam vai encontrar seu fornecedor de daninhas em Manhattan. Meia hora depois ele me manda uma mensagem de texto dizendo que está tendo um ataque explosivo de diarreia. Enquanto isso, eu sinto uma sutil, porém persistente, ansiedade. Sam volta ao meu apartamento e prepara uma pipe com as mãos trêmulas. Ele traga profundamente, espera, sacode a cabeça e diz que não sente “absolutamente nada”. A gente decide sair pra comer num restaurante polaco. Depois de entrar no restaurante percebemos que o nosso garçom era o cara incrivelmente lerdo que já tinha atendido a gente antes. Ficamos tensos. Eu peço uma omelete de clara e Sam me interrompe para dizer, “Do que está falando? Você quer o ovo inteiro. Por que está pedindo só a parte branca?” “Eu costumo pedir só a clara e é bom. Qual o problema? Sam vira para o garçom, “Ele quer o ovo inteiro”. Olho pra baixo e vejo que minhas mãos estão tremendo. Penso nos estudos que li e que sugerem que o rimonabant diminui o limiar para a convulsão. Não comento isso com o Sam. Minha omelete chega e sinto náuseas só de olhar para ela. É feita com queijo laranja americano. Eu realmente poderia vomitar. Sam tem um apetite saudável. Já o vi comer um frango inteiro, até o osso. Mas, com o rimonabant, ele examina sua omelete por alguns instantes antes de protestar bem alto, “Se alguém não tirar essa omelete da minha frente eu vou vomitar… Eu vou morrer!” Deixamos o restaurante e descemos a St. Mark na maior ansiedade. Paro numa loja de bongôs e toco o vidro de um deles com os dedos como um retirante tocando a vitrine de uma loja de departamentos no Natal. Nunca me senti tão careta em toda minha vida. Devo admitir que minhas ideias não são sempre muito claras, uma baixa dosagem de rimonabant seria útil para mim quando eu fosse estudar para um prova. Ou melhor, seria se não me fizesse sentir simultaneamente com vontade de chorar, vomitar e de ter uma convulsão. O fato de essa droga ser prescrita é inacreditável. A ideia de tomar esse troço todos os dias é insana. Levaria menos de uma semana para eu matar alguém.  No fim da tarde, tento fumar um. Dou um tapa profundo e quase sinto bater alguma coisa de leve. Seja lá o que for, passa em menos de cinco minutos. Sam não está disposto a deixar o rimonabant vencer e passa o dia inteiro tentando ficar louco. Lá pela meia-noite, ouço ele gritar depois de dar mais um pega, “Que Merda!”

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Sou a pessoa mais careta do planeta. Foto: Maggie Lee

ANTI-LSD: RISPERIDONA
DOSE: 4 MG Drogas psicodélicas como o LSD sempre foram usadas no estudo de casos de psicoses. Até hoje, a maior parte da literatura médica se refere a elas como “psicomiméticas”, ou drogas que simulam a psicose. Muitas das pesquisas psicodélicas têm quer ser feitas sob o pretexto de estudo da esquizofrenia ou de distúrbios semelhantes. Existe uma diferença óbvia entre esquizofrenia e viajar de ácido, mas a ideia é que, se fosse possível desenvolver uma droga com um efeito oposto ao do LSD, isso poderia funcionar no tratamento de doenças psicóticas. As drogas antipsicóticas atuam bloqueando a estimulação de receptores de dopamina e serotonina, que são responsáveis por praticamente todas as drogas apreciáveis do mundo, da metanfetamina à cocaína até o LSD. Quando os receptores de serotonina e dopamina estão bloqueados, isso simplesmente transforma você em um zumbi. Talvez você conheça alguém que tome Seroquel ou você mesmo já tenha tomado alguma vez. Não é legal. Manter os olhos abertos já é um esforço enorme. Se você é paranoico ou esquizofrênico, os antipsicóticos podem te deixar entorpecido o suficiente para evitar que você tenha qualquer impulso violento. Eles também são úteis para interromper uma bad trip e, ao contrário do Xanax ou do Valium, que apenas te acalmam, os antipsicóticos cortam a viagem.  Antes de sair da cama, tomo 4 mg de risperidona, uma dose grande o suficiente para fazer um maníaco homicida de 130 kg descansar pacificamente. Eu levanto e saio para ir comprar um suco natural. Caminho até o East River e olho para a água. Depois de dez minutos, começo a me sentir sedado. Deito na grama. Começa a chover, então, levanto novamente, mas dessa vez meu corpo parece pesado. Preciso pensar em levantar cada perna para que elas me obedeçam. Vou ficando ensopado e não tenho certeza se consigo voltar para casa. Um carro de polícia aparece e diminui a velocidade enquanto passa por mim. Fico bem constrangido porque sei que estou andando em câmera lenta, debaixo de chuva, sem guarda-chuva, mas não consigo ir mais depressa. O carro vai embora. Sou um farmacólogo masoquista. Curiosidade—olha as coisas que você me faz fazer! Sou a pessoa mais careta do planeta. Na história da Humanidade, ninguém esteve tão careta quanto eu. Tomo uma Ritalina e não acontece nada. Uma menina de uns dez anos diz que estou “andando que nem bicha”. E eu respondo “Que que é?”. Eu tropeço para dentro do meu prédio e subo as escadas engatinhando. Me arrasto até a porta, engatinho para dentro e apago no chão no sono mais profundo, escuro e mortal da minha vida. Acordo oito horas depois sentindo como se tivesse acabado de sair de uma lobotomia bem-sucedida.

No posto de troca de agulhas em Chinatown, onde sou aparentemente assíduo. Foto: Jess Williamson

ANTI-HEROÍNA: NALTREXONA

DOSE: 200 MG Existem medicamentos chamados de antagonistas dos opioides que fazem o oposto de drogas opiáceas como a heroína. Quando os paramédicos tratam overdose de heroína, eles injetam um desses antagonistas chamado naloxona no corpo. A nível molecular, a naloxona corre para dentro do seu cérebro, salta na frente das moléculas de heroína que ocupam seus receptores de opioides e empurram eles para fora. Uma vez que as moléculas de naloxona se instalam, a heroína não consegue suprir sua respiração e o paciente logo recupera a consciência. Naloxona já salvou inúmeras vidas.  Pesquisadores perceberam que poderiam usar um antagonista similar à naloxona para fazer viciados pararem de sentir os efeitos da heroína. O dispositivo que foi desenvolvido é implantado cirurgicamente debaixo da pele e libera um abastecimento contínuo de naltrexona no corpo durante vários meses. Apesar de alguns viciados terem se beneficiado pelo método de implante de naltrexona, os resultados costumam ser desastrosos. Quando você dá naltrexona a um viciado isso não apenas o previne de sentir as sensações causadas pela heroína, mas também causa um retrocesso acelerado e exponencialmente pior que o causado naturalmente pelos opioides. Algumas pessoas se mataram para fugir do sofrimento depois que fizeram implantes de naltrexona. Outras fizeram cirurgias caseiras para arrancar o implante dos seus corpos. Da mesma forma que o rimonabant bloqueia os endocabinoides, a naltrexona bloqueia os opioides naturais, chamados de endorfina. Endorfinas são as substâncias químicas que causam prazer, normalmente são associadas ao sexo e aos exercícios, mas também são importantes na regulagem do nosso humor cotidiano e na função imunológica. Mesmo que você não seja um drogado, tomar um antagonista de opioide tem um efeito profundo sobre a sua neuroquímica. Por esse motivo, o uso de naltrexona tem demonstrado ser um tratamento eficaz para pedofilia e cleptomania. O impulso do opioide natural de agir é bloqueado, então acariciar uma criança ou roubar um iPod deixa de ser um impulso.  Eu decido tomar uma dose de naltrexona quatro vezes superior à dose diária utilizada para tratar a dependência de opiácea. Depois de tomar os comprimidos, pego o metrô para Manhattan. Estou meio tonto. Não sou capaz de descrever o sentimento, mas não é necessariamente ruim. O melhor antibarato até agora. Desço na Canal Street e fico tenso no meio de todos aqueles turistas suados e barulhentos. Ao mesmo tempo, aquela estranha sensação aumenta, o que não é totalmente desagradável. Vagamente erótica, eu diria. Posso sentir cada um dos pelos do meu saco se moverem enquanto ando. Já que fui na loja de bongôs quando tomei rimonabant, acho que seria apropriado ir a um posto de troca de agulha hoje. Vou lá e fico imediatamente deprimido e confuso pela decisão que tomei. Enquanto preencho vários formulários para conseguir minhas agulhas, a mulher olha para mim e diz que meu nome já está no sistema—o quê? Nesse momento fico completamente tenso e paranoico. Por que meu nome está no computador do programa de troca de agulhas? Por que estou no posto de troca de agulhas? Por que tomei naltrexona? Saio carregando uma sacola cheia de agulhas e prestes a chorar.  Estou totalmente absorto em pensamentos frenéticos e confusos. Queria entender o vício. Tenho lido tantos livros, conheço tantos dependentes, mas nada faz sentido para mim. Não quero dizer que o vício seja uma doença porque doenças são desculpas. Se sou viciado em Valium, essa é uma escolha consciente que faço cada vez que engulo um comprimido de Valium. Mas como posso dizer isso? Me sinto culpado. Estou muito confuso. Thomas Szasz disse, “Se o desejo de ler Ulysses não pode ser curado com uma pílula anti-Ulysses, então o desejo de beber ou usar heroína ou qualquer outra droga ou comida também não pode ser contido com uma antidroga”. Mas ele estava certo? Meu transe é interrompido quando alguém me entrega um panfleto para “mojitos malucos”.  Peguei um metrô para a Union Square e me peguei cantarolando e depois correndo até perder o fôlego. Depois de correr, meu corpo foi bombardeado de dores. É assim que um velho se sente? Quase piso em um pardal bicando umas migalhas de pão e berro com todo o meu pulmão. Quando você conhece gente nova, em vez de apertar as mãos, as duas partes deveriam berrar a pleno pulmão. Esse seria o hábito em um universo alternativo da naltrexona. À medida que o dia vai acabando, meus músculos começam a congelar. Todos os meus órgãos internos foram substituídos por carne congelada. Tenho que ficar alongando o tempo todo para que não se transformem num bloco sólido. Não aguento mais essa sensação. Ah Sobriedade, quanto tempo vou ter que esperar por você! CONCLUSÃO Existem muitas antidrogas que eu negligenciei nessa experiência, algumas são extremamente perigosas. Drogas com ação oposta à da cetamina são neurotoxinas potentes e as drogas que fazem o oposto do álcool e das benzodiazepinas são conhecidas por causar convulsões. Os cientistas ainda estão mapeando a paisagem gelatinosa do nosso cérebro e, assim que novas drogas forem descobertas, novas antidrogas também serão encontradas. Quem sabe que tipo de miséria química o futuro nos reserva! Admito que uma semana depois de testar todas essas antidrogas me sinto ótimo. As comportas neuroquímicas foram abertas e não há um rebote de alegria que se compare a esse. Ando a noite toda pelas ruas, em paz e otimista, pronto para cumprimentar estranhos. Pronto para cumprimentar a lua. E aí, lua, toca aqui!  Tudo que é amado, é amado por contraste. Amamos a intoxicação porque conhecemos a sobriedade. Para amar a sobriedade, devemos conhecer a anti-intoxicação. Não podemos conhecer o alto sem conhecer o baixo e, depois de uma semana para baixo, me sinto bem alto. Acho que a única coisa que devemos temer é o meio-termo.