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A Hipocrisia Dos Arcos-Íris de Protestos Na Internet Durante Os Jogos de Sochi

Neste momento, a comunidade gay russa precisa de todo nosso apoio, mas ainda assim fiquei confuso quando senti uma coisa estranha no estômago vendo essas companhias de comunicação que tascaram arcos-íris de apoio em seus logotipos.

Em 1939, na cidade alemã de Kassel, membros do Partido Nazista local marcharam até o centro da cidade e destruíram a Fonte Aschrott, logo em frente à prefeitura. A fonte era um presente de Kassel a um empresário de sucesso local, Sigmund Aschrott, que era judeu, logo, é óbvio que os nazistas odiavam-na. Eles destruíram o monumento não somente para aterrorizar a população judia, mas também para deixar claro que qualquer relação, mesmo que de negócios, com judeus seria perigosa.

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Um pouco depois de a fonte ser destruída, os judeus de Kassel foram presos e enviados para morrer em outro local. Conforme o tempo foi passando, as pessoas da cidade começaram a deixar flores no local onde a fonte ficava; o lugar ficou conhecido como “Túmulo Aschrott”.

O tempo passou, as flores morreram e, nos anos 1960, a fonte foi reconstruída e renomeada. O Túmulo Aschrott foi esquecido e, consequentemente, a Fonte Aschrott também. Uma nova história começou a surgir enquanto a lembrança se apagava e aqueles curiosos sobre a fonte nova numa cidade velha simplesmente assumiam que a anterior tinha sido destruída num ataque aéreo britânico. As pessoas de Kassel superaram isso. Acontece que a culpa por assistir seu vizinho ser jogado em um trem em direção à morte e não fazer nada pôde ser expurgada com um simples buquê de flores. Incrivelmente, aquele gesto estúpido foi suficiente.

Hoje, não há um genocídio da comunidade LGBT sancionado pelo estado na Rússia, mas tem havido muitos ataques e assassinatos implicitamente sancionados pela legislação homofóbica de Putin (para saber mais, assista ao nosso documentário sobre o assunto, Jovem e Gay na Rússia de Putin).

Neste momento, a comunidade gay russa precisa de todo nosso apoio, então, fiquei confuso quando senti uma coisa estranha no estômago vendo essas companhias de comunicação que tascaram arcos-íris de apoio em seus logotipos. Ninguém com um nível básico de humanidade pode negar a validade de campanhas de apoio aos gays na Rússia, mas esse tipo de exibicionismo tosco parece estar vários passos atrás mesmo do ativismo de internet em termos de ações práticas. Isso é um problema humanitário real reduzido a um símbolo.

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Quando o Google mudou seu logo para um arco-íris em sua homepage, a atitude pareceu algo novo e criativo, mas agora as redes sociais começaram a se afogar em arcos-íris, o mesmo que acontece com bandeiras dos Estados Unidos durante o 11 de setembro de cada ano. Isso começa com marcas de mídia e escorre até as pessoas que queriam ser marcas de mídia. Qualquer um que usa a internet já cruzou com companhias ou usuários de redes sociais que se juntaram a isso. Mas assim como as flores no Túmulo Aschrott, fico pensando se esses arcos-íris significam algo além de monumentos de autosserviço.

Eu sei, arranjar briga com essa tendência me faz parecer um cara escroto, né? Acontece que essa coisa toda me lembra o Kony 2012. Quando esse filme saiu, muito antes de o cara responsável por ele pirar e se masturbar em público, isso até parecia um trabalho bem-intencionado de pessoas realmente tocadas pelo sofrimento dos soldados-mirins de Uganda. Muito sensato, certo? Certo, exceto que o vídeo era uma propaganda tão açucarada que alguma coisa tinha que estar errada. Pelo menos até certo nível, minhas suspeitas estavam corretas. Havia dúvidas sobre a transparência financeira da campanha, os motivos da companhia e o que realmente aconteceria se Uganda fosse inundada com armas. Eu me sinto do mesmo jeito hoje. Essa é outra boa causa, mas num nível básico isso me parece suspeito, porque uma simples mudança no logo é uma forma medrosa e simbólica de protesto.

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Em 2003, eu peguei um ônibus de Leeds, Inglaterra, com 100 manifestantes contrários à guerra. Paramos num posto de gasolina perto de Nottingham e, enquanto eu comprava cigarros e sanduíches, meus camaradas se esqueceram de mim e pegaram a estrada. Pouco depois, topei com outros manifestantes que me ofereceram carona. Fumamos maconha no caminho e acabei marchando alegremente com um milhão de colegas, segurando um cartaz que dizia “Não no Meu Nome”.

Que babaca. Substitua “Não no Meu Nome” por “Me Absolva”, e você vai ter o significado real do meu cartaz. Claro, eu estava protestando contra uma guerra que achava ilegal e imoral, mas eu sabia que o protesto não ia funcionar, eu sabia que acabaríamos entrando na guerra — eu só queria ter certeza de que não iam me culpar depois. Lavei minhas mãos e retomei minha vida normalmente. Se aquele um milhão de pessoas presentes naquele dia estavam protestando contra algo tão maligno e vil quanto o assassinato em massa de iraquianos (como dissemos estar fazendo), nossas tentativas foram irritantemente gentis. Quer dizer, compare nossa marcha com, digamos, o Movimento Rosa Branca, o grupo de jovens executados por se opor a Hitler. Tony Blair não era o Hitler, mas seria possível pensar nisso ouvindo a retórica dos manifestantes na época. E, ainda assim, tudo que fizemos foi marchar, ir para casa e desistir. Para mim, ficou claro que o “Não no Meu Nome” foi um placebo, ou pior, um anestésico.

E agora, temo que o arco-íris represente algo similar, para que todos aqueles sãos o suficiente para abominar a legislação anti-gays russa possa relaxar e curtir o snowboarding, feliz por “ter feito sua parte”.

Quando as pessoas de Kassel perceberam que os crimes cometidos em sua cidade estavam sendo esquecidos, eles contrataram um artista local chamado Horst Hoheisel para criar um memorial. Ele reconstruiu a Fonte Aschrott e a enterrou no mesmo local onde ficava anteriormente. Não era um memorial pensado para mostrar que as pessoas de Kassel lembravam seus mortos, era um memorial pensado para impedir que as pessoas esquecessem isso. Minha preocupação é que os twibbons de arco-íris façam exatamente o contrário.

@AlexGAMiller