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Meu curto passeio por Hull, a futura Cidade da Cultura da Inglaterra

A cidade apareceu no Top 10 dos Lugares para Visitar do Rough Guide 2016, mas ela é realmente um bom lugar para visitar? (Não é).

Todas as fotos por Jake Lewis.

Acredite: eu queria gostar de Hull. A cidade apareceu no Top 10 dos Lugares para Visitar do Rough Guide 2016, mesmo eu nunca tendo ouvido nada de bom sobre ela. As pessoas do centro e do norte da Inglaterra, que geralmente pulam para defender sua área por simples orgulho, desdenham de Hull, mas o forte desejo em mim de torcer pelo perdedor cresceu e cresceu até que, finalmente, comprei uma passagem de trem para a cidade portuária a fim de conhecer o que valia a pena ver lá. Eu também queria responder uma pergunta que vinha me perturbando fazia um tempo: é melhor romantizar esses "destinos" de viagem não ortodoxos ou chamar uma coisa pelo que ela realmente ela é?

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Antes de colocar a chave na ignição da sua Ferrari de Comentários de Ódio no Facebook, essa viagem foi feita com a mesma seriedade e tato regional que você espera de um cara que come baguete do mesmo lugar todo dia com um molho de pimenta diferente. Conferi meu privilégio, caras, e vou dizer: os níveis são altos.

Meus critérios para essa viagem foram menos baseados em turismo tradicional, ou seja, museus, igrejas e coisas assim, e mais nos aspectos do cotidiano, as coisas normais. Como Hull é a Cidade da Cultura de 2017 do Reino Unido e está num guia de viagem junto com lugares realmente fascinantes como Amsterdã e Vancouver, eu queria experimentar os bares, restaurantes, pubs e, se estivesse me sentindo particularmente animado, até um clube da cidade. Será que essa cidade estava no mesmo nível de lugares badalados como Reykjavík ou a atordoante Seul?

A estação de trem de Hull parecia muito com a de Brighton, tanto que achei que tinha pegado o trem errado. Entretanto, aí vi a estátua enorme do poeta e bibliotecário Philip Larkin; então, soube que estava no lugar onde ele morreu de câncer no esôfago. Deixei minhas malas no hotel. Por volta das 6 da tarde, finalmente consegui me arrumar, a hora perfeita para sair e molhar o bico.

Depois de um pouco de pesquisa, descobri que a rua onde os botecos legais ficam é a Prince's Avenue, um verdadeiro baú do tesouro de bares, pubs e restaurantes da moda. Depois de andar pela avenida, escolhi um lugar chamado The Bowery.

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Não era um estabelecimento particularmente descolado, porém era um lugar legal com funcionários simpáticos. Havia algumas pessoas lá, mas eu não esperava mesmo um bar lotado numa noite de quarta-feira. Havia um elemento de "loucura de reciclagem" nos banheiros, onde eles fizeram os mictórios com botijões de gás. Era incrivelmente difícil mijar nesses mictórios, e tive de me curvar ligeiramente, colocando minha cara quase dentro do buraco só para conseguir acertar. Qual a necessidade disso?

Minha barriga começou a roncar. Eu tinha ouvido de várias fontes na cidade que o melhor restaurante de Hull era na área da marina, um lugar chamado 1884. O estabelecimento conta com vários pratos aparentemente saborosíssimos de frutos do mar, além de nhoque de peito de pato defumado com tomilho, alho e, claro, carnes maturadas chiques. Infelizmente, o restaurante estava fechado. Fechado. A luz estava apagada. Era por volta das 20h30. O lugar ao lado era um pub chamado Green Bricks. Ele estava aberto, e eu queria afogar as mágoas antes de partir para o próximo local.

Dentro do gigantesco pub, havia exatamente zero pessoas. Fiquei muito surpreso com isso, já que tinham me dito que a área da marina estaria fervendo com o pessoal descolado de Hull. Os funcionários do bar me garantiram que essa calma toda era devido à baixa pós-Natal e que era perfeitamente normal o lugar estar vazio. Não acreditei muito. Tinha alguma coisa estranha. Senti uma vibe de derrota no lugar, tipo a mesa de jantar do bunker do Führer no verão de 1945. Um taxista me disse que a área da marina tinha passado por uma enorme renovação alguns anos atrás, mas que ninguém frequentava o ponto mesmo e o lugar continuou vazio.

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Mesmo assim, não achei que isso fosse um reflexo adequado do lugar. Eu sabia que tinha mais coisa ali. Newlands Avenue é, aparentemente, o point dos estudantes. Bares, restaurantes, é só escolher. Tudo acontece em Newlands. Talvez me convidassem para a festa na casa de alguém, e eu acabaria fumando bagulho vagabundo com a futura mãe dos meus pivetes no tapete sujo de uma sala. Só que eu ainda não tinha jantado. Eu tinha de forrar o estômago antes de enchê-lo de mcat e levar um soco na cara por tentar colocar "Flat Beat" no Spotify do rolê. Tinham me recomendado um estabelecimento mexicano; assim, fui para lá.

"Mesa para dois, amigo."

"Desculpe, paramos de servir comida às nove."

Isso foi um belo chute no saco. O que você quer dizer com "paramos de servir comida às nove"? Isso não é um restaurante? O que mais vocês vão fazer? Coquetéis em formato de comida? Eu estava começando a achar que Hull não queria que eu gostasse dela, não queria que eu provasse seus vinhos nem degustasse suas carnes. Também achei esse restaurante grego, embora pareça que eles só vendiam pizza.

Um amigo me contou depois que essa história de não servir comida depois das nove era uma coisa normal fora de Londres. As pessoas simplesmente, sei lá, vão pra casa. Isso me pareceu muito europeu, uma atitude bem francesa de conforto superando a competência comercial, ou um toque de recolher deprê nascido do tédio e da indiferença.

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Um restaurante chinês estava aberto; portanto, pedi um chowmein de frango (bem apimentado, mas muito decente) para viagem. Havia um bar temático de reggae do outro lado da rua; então, fui tomar um coquetel.

No entanto, com seis pints e uma pilha corrosiva de macarrão pesando como uma pedra no fundo do meu bucho, perdi a animação. Meu entusiasmo, como muitos dos estabelecimentos de Hull, estava fechando por aquela noite. Peguei um táxi e passei por um clube chamado Propaganda que estava servindo drinques por £ 1 até a meia-noite. O lugar tinha um brilho sinistro verde e parecia o bangalô de uma idosa que foi tomado por marginais que a amarraram e jogaram no porão. Acho que nunca vi um clube com janelas de espelho duplo antes.

No dia seguinte, fui dar uma volta pela cidade. Hull deve passar por uma renovação de £ 25 milhões que pretende cimentar seu status de "Cidade da Cultura" para 2017. Talvez o fechamento de clubes como o da foto acima seja mais um passo para realizar esse sonho, mas agora isso funciona como uma estátua assustadora, algo saído de um livro menos conhecido do Goosebumps.

O centro da cidade era como todo centro que já vi. Fiquei encantado com as quitandas do lugar, que tinham uma grande fachada verde fofa. Parece um lugar legal, né? Um mercado onde você pode ter um papo relaxante sobre seu filho adolescente encrenqueiro com a tia do caixa.

Outra coisa que eu gostei foi desse Laser Quest, onde uns caras estavam rindo e jogando sinuca. É estranho pensar que um prédio coberto de faixas amarelas e pretas, com portas enormes de metal e um segundo andar com janelas pintadas de preto, não é uma visão deprê nesse caso, mas aqui estamos.

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Estava chovendo bastante; sendo assim, me refugiei no shopping center. Novamente, o lugar parecia com qualquer outro shopping, embora tivesse alguma coisa estranha no clima. Talvez uma monotonia mal-humorada, como se ninguém quisesse estar ali. Fui até um Pizza Express, e não havia muitos lugares para sentar nas ruas por onde andei.

Comecei a ficar puto com o Rough Guide. Pensei: "Por que você fez isso comigo? Por que você colocou Hull arbitrariamente nessa porra dessa lista, sabendo muito bem que o lugar é assim?". Talvez eles não saibam que o lugar é assim e estão guiando turistas desavisados para uma cidade aonde não querem ir.

É preciso levar em conta que o dia que escolhi para experimentar Hull em toda sua glória foi uma quarta-feira chuvosa de janeiro. Mas Amsterdã seria assim? A Cidade do México seria assim? Você não pode colocar um lugar preventivamente numa lista de destinos de férias na esperança de que depois da segunda renovação em sei lá quantos anos isso vai ser um sucesso.

Não odiei Hull. A cidade não pediu para eu ir até lá – ela está simplesmente tentando se safar com essa história, assim como eu mesmo. Uma derrota, caminhando pela vida a esmo, esperando a chuva parar para que eu pudesse correr até o próximo lugar só para ver que era tudo igual – e que isso não importava. Hull não é um bom lugar para passar as férias, porém funciona como um grande espelho, mostrando quão trouxa você é, e como, no geral, nada do que você faz ou diz realmente faz diferença. Toda nova renovação é apenas uma brecha para a próxima, mas, no final das contas, você é só uma cidade portuária melancólica caindo aos pedaços.

@joe_bish

Tradução: Marina Schnoor.

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