Ainda há coisas que as mulheres não fazem só por serem mulheres

Aos olhos da sociedade, há um certo papel que a mulher deve cumprir. Depende de país para país e cultura para cultura mas, ainda mais que os homens, às mulheres as sociedades exigem que ajam e se apresentem de determinada maneira.

Por isso, há coisas – e muitas – que fazemos, simplesmente, porque é suposto fazermos: usar maquilhagem, fazer depilação e nunca mostrar o corpo caso este não esteja perfeito à luz das convenções sociais, fazer dieta e tentarmos mantermo-nos magras, de unhas arranjadas e cabelo impecável (porque se há coisa sobre a qual uma mulher é constantemente avaliada é a aparência) e dizermos que queremos ser mães e que queremos casar, mesmo se não o quisermos assim tanto – acreditem, quando expressamos o contrário, esbugalham-se olhos e caem queixos nas mesas, tal é o choque.

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Para além das coisas que sentimos que temos que fazer para evitar críticas sociais, também há muitas coisas que não fazemos exactamente pela mesma razão e, claro, porque temos medo ou nos sentimos desconfortáveis. Por outras palavras, ainda há coisas que não fazemos só pelo simples facto de sermos mulheres. No meu caso, entre outras, tenho medo de andar de transportes públicos sozinha à noite, principalmente se estiver maquilhada e arranjada.

Agora que o tema do feminismo e da igualdade de tratamento entre sexos parece ter vindo para ficar, observamos alguns avanços – ou, no limite, pelo menos mais respeito quando pedimos igualdade salarial, ou quando fazemos os nossos amigos homens perceberem que chamar “solta” a uma miúda só porque está de saia não é justo.

Seja uma conquista grande ou uma mais pequena, nos últimos tempos tenho-me sentido mais segura para falar destas questões e para me queixar quando, por vezes, me sinto olhada tipo boneca sexual insuflável por homens em cima de andaimes ou por aqueles tipos meios suados da frontline da discoteca depois das cinco da manhã.

Recentemente, com a controvérsia à volta da sentença dada ao caso “La Manada” em Espanha, que levou o povo vizinho a sair à rua em protesto de indignação porque, pelos vistos, violar só conta como tal quando deixa feridas visíveis no corpo da mulher violada, as raivas feministas e humanistas parecem estar mais à for da pele aqui pela Península.

E, portanto, volta a ser hora de olhar para esta linha tão imaginária quanto real que nos separa – a nós mulheres, vistas por tantos como seres frágeis e sexuais – dos machões por esse Mundo fora. É a mesma linha que separa esses mesmos machões dos homens gay, a comunidade branca da preta e os cristãos dos muçulmanos. A linha da discriminação. Essa, sabem? Se fores homem e branco a viver num país desenvolvido já leste com certeza sobre isto. Se fores mulher, homossexual, preto, amarelo, muçulmano ou qualquer coisa que o Trump desaprove, tens provavelmente algumas histórias para contar.

Abaixo mostro-te apenas algumas das muitas verdades de mulheres portuguesas, de várias idades e proveniências, em pleno século XXI. Não com um intuito de queixume, mas mais na onda do “abre-olhos” e da sinceridade, de coisas que estas pessoas ainda se sentem desconfortáveis a fazer, pelo simples facto de serem mulheres.

“Não poder convidar os meus clientes para beber um copo ou para jantar, porque pode ser mal interpretado, quer pelos outros como pelos próprios”. – Flor, 25 anos

“Ter que pensar e repensar no que vestir e em como cada centímetro de pele que fique à mostra me torna susceptível a ser catalogada de certa forma”. – Maria, 25 anos

“Viajar sozinha por países considerados mais perigosos, pedir boleia em certos sítios ou fazer couch surfing, são coisas em que penso muitas vezes fazer e nunca cheguei a conseguir. Também sinto que não sou tão aberta e descontraída a falar com pessoas que não conheço, porque como sou mulher tenho medo que achem que me estou meter ou que estou a dar abébias a que se metam comigo. É um receio constante que nos passa pela cabeça, de que o que fazemos seja mal interpretado”. – Rita, 26 anos

Foto por Bruno Martins no Unsplash

“Passear a pé de madrugada ou de noite por Lisboa”. – Paula, 68 anos


“Já me disseram várias vezes que digo muitos palavrões para mulher. É aquele “para mulher” que irrita. E, apesar de já me terem dito isso, sinto que não digo tantos quanto gostaria, abstenho-me muitas vezes. Custa-me não poder mandar um “caralho” ou um “foda-se” à vontade, porque sou mulher e fica mal a uma “senhora” dizer palavrões. Já se fosse um homem era um “gajo com personalidade pá”. – Marta, 24 anos

“Ir a um bar sozinha beber um copo de vinho”. – Isabel, 27 anos

“Ter a possibilidade de visitar todos os sítios religiosos do Mundo (templos, mesquitas, etc). Quando andei a viajar na Índia, por exemplo, senti muito esse impedimento por ser mulher”. – Joana, 29 anos

Photo by Blake Moulton on Unsplash

“Escolher a roupa para o trabalho é bastante mais difícil do que parece. Quando está calor quero ir com roupa mais fresca, mas, muitas vezes, sinto-me insegura se visto uma saia ou uns calções, porque tenho medo que achem que estou vestida de forma provocadora ou que estou armada em gira ou assim. Só quero que me vejam como uma profissional, mas por ser mulher é difícil não ser julgada com base na aparência. Tento ter o maior cuidado e ainda não consegui usar nem um bocadinho de perna à mostra para o trabalho, esteja o calor que estiver. O que é um bocado injusto, porque não se devia supor nada de ninguém com base na roupa e porque os homens podem andar de calções e t-shirt sem que se assuma nada sobre eles – nós andamos de calções e t-shirt e a conversa é outra”. – Mariana, 24 anos

“Sempre quis ir viajar sozinha de mochila às costas. Nunca fui, porque uma mulher viajar sozinha pode ser perigoso”. – Inez, 50 anos

“Comer sozinha num restaurante ou ir a um bar sozinha. Tudo o que seja durante o dia não me traz tanto desconforto mas, à noite, uma mulher sentada sozinha à mesa ou num bar a beber um copo… Já fiz e não gostei nada. Senti-me desprotegida, vulnerável a abordagens. Nunca mais voltei a tentar”. – Luísa, 47 anos


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