Entretenimento

Tentei escrever um romance durante a quarentena com ajuda de psicodélicos

Além de ioga, aplicativos de concentração e o bom e velho nunca ler as notícias.
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Todas as fotos pelo autor. 

A quarentena começou com várias matérias explicando por que este período de ansiedade em massa global não era o melhor momento para sentir culpa com produtividade. Nas redes sociais, gente como Matt Haig e Jameela Jamil falavam sobre aceitar comer salgadinho e assistir Netflix o dia inteiro. Segui os conselhos deles por duas semanas e não me senti culpado por não estar trabalhando no romance que venho tentando escrever há 16 meses.

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Aí li uma matéria no Guardian falando sobre um pico que as editoras estão vendo em envio de livros de novos autores, e acabei me convencendo que essa nova estranha era oferecia uma oportunidade inédita. Então me desafiei a completar o manuscrito – cerca de 50 mil palavras de 100 mil iniciais, e meu primeiro romance além de uma história bizarra de viagem semifictícia escrita num carrossel de corações partidos muitos anos atrás.

Pra deixar as coisas mais interessantes, adotei uma série de life hacks de quarentena, que com sorte me fariam embarcar na produção sem precedentes de cerca de 1.700 palavras por dia. Spoiler: os resultados foram mistos.

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Primeira semana – Microdosagem

Nos últimos cinco anos, microdosagem – ingerir uma dose indetectável de psicodélicos como LSD, psilocibina ou DMT – ganhou tração como uma ferramenta para estimular a criatividade, com um estudo preliminar de 2018 na Holanda apoiando o uso de psilocibina, a substância psicoativa dos cogumelos mágicos. Não sou um psiconauta, mas já comi cogumelos recreativamente umas dez vezes, escrevi bastante sobre isso, e recentemente saí de um período de terapia me sentindo mentalmente melhor que nunca.

Comprei uma “jornada” composta de um líquido infundido com psilocibina, e cápsulas de 0,10 gramas de cogumelos moídos. Pensando agora, eu não deveria ter começado numa segunda-feira depois de um fim de semana bebendo pacas entre chamadas do Zoom, porque eu já estava sentindo uma baita ansiedade de ressaca. Mas usei o líquido por três dias, que eu colocava embaixo da língua, e foi um desastre perfeitamente abjeto. Em vez de escrever facilmente 2 mil palavras de prosa floreada porém focada por dia, passei a segunda e a terça chafurdando na minha solidão e futilidade, além de uma boa dose de ansiedade com o possível fim do mundo.

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Mais tarde falei com Jonathan Hoban, terapeuta e autor de Walk With Your Wolf, que disse: “Tem muita ansiedade no ar agora, e esta época magnifica tudo que você já está pensando. Se você é sensível, esses sentimentos serão aumentados”.

Eu devia ter falado com o Jonathan antes de começar a tomar psicodélicos diariamente: ingerir uma substância – mesmo numa quantidade minúscula – que pode aumentar sua conexão e clareza emocionais pode não ter sido uma ideia tão boa neste momento em particular da história. Especialmente como alguém predisposto a sentir ansiedade, com uma ressaca acumulada de três dias e totalmente sozinho num mundo perigoso.

Bom, desisti dos cogumelos depois de chorar assistindo o noticiário, e humildemente mandei um e-mail pro meu editor, porque, contando tudo agora, esta matéria era pra chamar “Posso Fazer Microdosagem por Um Mês e Terminar Meu Romance Durante a Quarentena?”

CONTAGEM: 802 palavras de 50 mil.

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Segunda Semana – Evitar as Notícias

Recalibrei o alvo geral de 70 mil palavras – 20 mil num mês em vez de 50 mil – depois de descobrir a “hipótese de gradiente de objetivo”, uma teoria criada pelo psicólogo comportamental Clark L. Hull que diz que seus esforços aumentam quanto mais perto você está do seu objetivo. Eu sentia que 70 mil seria o marco onde eu teria terminado o livro, então, com a ciência ao meu lado, comecei a usar o próximo “life hack”.

Uma pesquisa britânica de 1997 descobriu que notícias negativas de TV pioravam o humor e “preocupações pessoais catastróficas”, enquanto outra pesquisa mostrou que 56% dos americanos diziam que as notícias causavam stress. Mesmo a Organização Mundial de Saúde divulgou uma declaração sugerindo que devemos minimizar a quantidade de notícias que assistimos durante o coronavírus.

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Não assisti o jornal ou mergulhei na cova de leões do Twitter por uma semana. Os resultados foram bons: escrevi 5 mil palavras até a quinta-feira. Normalmente eu me sentiria desinformado, mas, pra mim, a vida temporariamente se resumiu a alguns objetivos-chave: não ficar doente e, se ficar, não passar a doença para outras pessoas.

Graham Davey, o facilitador da pesquisa britânica de 1997 – e professor emérito de psicologia da Universidade de Sussex – me disse que “na falta de qualquer fato real sobre quando o lockdown vai acabar, ou como vai acabar, noticiários e jornalistas tendem a enfatizar os piores cenários possíveis. Sensacionalismo negativo causa ansiedade e às vezes tristeza, o que por sua vez abastece nossas próprias preocupações e stresses”.

Tive uma pequena oscilação na sexta, e acabei indo pra cama às 14h depois de assistir todo o Race Across The World. Mastiguei mais algumas palavras no fim de semana, antes de tirar selfies com meu cachorro. O desafio estava vivo!

CONTAGEM: 6.725 palavras de 20 mil.

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Terceira semana – Ioga ao amanhecer com Adriene

Como mais de 7 mil inscritos, descobri a obra online de Adriene Mishler, a fundadora do canal Yoga With Adriene no YouTube. Há muitas pesquisas sobre os feitos da ioga para ansiedade, saúde cerebral e qualidade de vida, então você pode supor que exercícios ao amanhecer (não tão cedo assim, né) poderiam deitar as fundações para um dia de escrita produtivo. Inicialmente foi um sucesso: eu estava escrevendo 800 palavras por dia, e me sentindo bem com o livro (!) e comigo mesmo (!!), apesar das fotos sugerindo que minha posição “cachorro olhando pra baixo” precisava melhorar.

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Aí o céu caiu. Comecei a ler as notícias de novo (o número de mortes tinha dobrado para 16 mil desde a última vez que conferi), me machuquei na máquina de remada, então não podia mais fazer exercícios, e o sol saiu. Essa terrível trifecta tirou o desafio do curso, e eu parei de fazer ioga. Na verdade, parei de fazer tudo além de tomar cerveja de delivery e ter ondas de síndrome de impostor lendo matérias do Medium com títulos como “As Rotinas Diárias de 20 Escritores Famosos”, defendendo a santidade de sentar no seu trono de escrita por horas, independente do clima meteorológico ou psicológico.

Aí terminei de ler London Fields e pensei que nunca conseguiria escrever algo tão bom assim, então por que tentar? Minhas preocupações pessoais – vergonhosamente inconsequentes comparadas com as do pessoal afetado em primeira mão pelo vírus vingativo – se tornaram catastróficas, e pioraram enquanto eu me comparava com todo mundo postando fotos de maratona na internet, enquanto minha rotina de exercícios consistia solenemente de bater punheta com pornografia mainstream deprê.

CONTAGEM: 8.432 palavras de 20 mil.

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Quarta Semana – Aplicativos de Produtividade

Em busca de inspiração e afirmação, mandei um e-mail para a agente literária Madeleine Milburn. Além de confirmar um pico em envio de obras por novos autores, ela disse que achava que “escritores estão achando a pandemia uma distração, e as notícias constantes dificultam se concentrar, mesmo com todo mundo tendo mais tempo”. Isso me fez sentir menos fraudulento, assim como conversar com outros escritores. “Ficar preso no modo lutar ou fugir mata a criatividade. Meu conselho para os aspirantes a escritores: estabeleça objetivos pequenos e frequentes que sejam fáceis de atingir”, disse o autor Tim Leach.

Pedi dicas para a Maddy sobre como terminar meu primeiro manuscrito. “Eu tentaria completar a primeira versão enquanto você está motivado. Quando terminar, você pode reler tudo com um olhar mais crítico”, ela disse. “Completar a primeira versão vai te dar mais confiança.”

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Confiança era o tônico que eu tanto desejava, então baixei um programa chamado Write Or Die, usado por autores como David Nicholls e Helen Oyeyemi. É um processador básico onde você estabelece um uma quantidade de palavras por período; digamos, 30 segundos. Se você para de escrever por 30 segundos, dependendo do modo que selecionar, o programa vai fazer a tela piscar em vermelho, trazer imagens de memes de gato ou começar a deletar suas palavras anteriores.

Logo, eu estava atingindo a contagem de palavras e realmente gostando de escrever em muito tempo. Sem entrar muito no “processo” tedioso, o programa me fez parar de ficar pensando no significado cósmico de cada sílaba, e me ajudou a me perder na história, mas de um jeito focado.

O que é muito legal, claro – mas cheguei nas mágicas 20 mil palavras? Bom: não. Consegui quase 10 mil com o Write Or Die, levando meu total para 18.126 palavras em quatro semanas. Mas uma dessas semanas foi meu Galípoli psicodélico, então fiquei feliz com o resultado. Além disso, algumas palavras do terapeuta Jonathan Hoban começaram a fazer todo sentido: “Num tempo de grande incerteza – tire a pressão, e você vai pegar no tranco quando tiver que pegar. Você precisa confiar nisso”.

Pela primeira vez na vida, talvez eu realmente confie.

CONTAGEM FINAL: 18.126 palavras de 20 mil

@dhillierwrites

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