Na Mostra de Curtas “Respira e vai”, uma parceria da Halls com a VICE, apresentamos uma seleção de seis curtas-metragens feitos por diretores brasileiros. Seja uma comédia, um drama ou um romance, todas essas obras têm algo em comum: um personagem que precisa de um fôlego extra para enfrentar uma situação na vida.
Um dos momentos mais estressantes da vida é o vestibular. Como, sendo tão jovens, podemos escolher o caminho que seguiremos para o resto da vida? E se já é difícil para todo mundo, para Digo, protagonista do curta-metragem Antes que Seja Tarde, as coisas são ainda mais complicadas. Ele não sabe que curso escolher, e sofre pressão do pai para seguir carreiras mais “tradicionais”. O melhor amigo já se resolveu, e vai se mudar do país. E ele ainda é pressionado a perder a virgindade com uma garota que nem gosta.
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Ele acha que vai resolver tudo ao desistir do vestibular e se declarar para Ana, a menina por quem sempre foi apaixonado, mas descobre que ela gosta do seu amigo. Após se atormentar com a situação em que sua vida se encontra, Digo tem seu momento “respira e vai”, quando decide romper com todas as imposições da sociedade e tomar as rédeas da sua própria vida. Nessa história de passagem da adolescência para a vida adulta, ele descobre que nem tudo precisa sair do jeito que a gente imaginava para dar certo.
Apesar de ter sido feito entre 2005 e 2007, Antes que Seja Tarde ainda é um filme atual. Falamos com o diretor André Queiroz sobre as dificuldades de tomar grandes decisões na vida, os perrengues da gravação do curta e como, no fundo, a gente sempre sabe o que quer.
VICE: Como você teve contato com o roteiro da Thaís Bologna e decidiu dirigir o curta?
André Queiroz: Na verdade esse é nosso trabalho de formatura, na faculdade de Audiovisual da ECA/USP. Então o contato foi na sala de aula mesmo. O argumento e o roteiro é da Thaís mas trabalhamos juntos desde o começo.
Os trabalhos tinham que ser feitos em grupos, como era?
Funcionava assim naquela época: a gente apresentava projetos para uma banca de professores, e eles escolhiam quais iam ser realizados ou não. Desde o começo do semestre a gente já tinha se juntado para fazer esse filme, já com essa ideia da Thaís, trabalhamos juntos durante todo esse período.
O que você achou mais interessante na história, o que te atraiu nela?
Naquele momento, terminando a faculdade, estávamos num processo quase de revisão, de entender as escolhas que tínhamos feito, o que íamos fazer dali pra frente, então acho que nos sentíamos um pouco como o personagem, tendo que encarar o mercado de trabalho, tendo que terminar uma fase e começar uma fase nova. Desde o princípio tínhamos essa ideia do universo adolescente, de construir uma linguagem que fosse mais ágil, mais rápida, que conversasse com esse público. O roteiro teve muitos tratamentos até chegar no filme que virou. Mas era uma ideia também de exercitar a linguagem, que comunicasse com os jovens.
O filme é de 2007, né?
O filme ficou pronto em 2007, mas começamos o projeto em 2005. O roteiro foi escrito em 2005, filmamos no fim de 2005. Ele é um pouquinho mais antigo, foi filmado em 35mm, com câmera de cinema, tem toda uma finalização que não é exatamente como é hoje. Naquela época estava começando a transição da película pro digital, então tem muitos detalhes, todo esse processo de aprendizado. Não tem nada que você veja no filme que a gente não fez e refez mil vezes até chegar naquele resultado.
Você acha que a relação dos jovens com essa fase de fazer vestibular, decidir o que vai fazer na vida, ainda é parecida com o que rola no filme?
Hoje em dia mudamos um pouco de modelo. Pensando nos nossos pais, a forma de trabalho, com empregos formais, carteira assinada, já está um pouco diluído. Mas o processo de entrar numa universidade não mudou. O vestibular ainda existe, a escolha profissional ainda é uma realidade. Por isso eu acho que mesmo depois de quase dez anos, o filme fala de uma realidade que ainda existe. Não uma realidade boa, na verdade, mas o filme teve uma durabilidade maior porque os processos não mudaram. Todo mundo está fazendo ENEM agora.
No fim do filme, o personagem principal, o Digo, toma coragem e se inscreve no vestibular para fotografia. Você acha que quem tem os interesses mais voltados para a arte acabam sofrendo mais na hora dessa escolha, por ser um caminho, digamos, mais arriscado?
As carreiras de artes, de humanas em geral, não têm muita receita, você que cria seu próprio caminho. Até entender isso demora um pouco. A gente brinca que liberdade demais também assusta, né? Você pode fazer o que quiser, porém depende muito de você. Vou dar um exemplo bem objetivo: meu irmão fez administração, fez estágio numa empresa, foi efetivado e trabalha nessa empresa, com carteira assinada. O meu começo de trabalho não foi assim, eu fazia freelances. Não tem uma rota tão definida, por isso dá essa insegurança toda.
Achei interessante que no fim ele não fica com a Bia. Era importante pra vocês mostrar que os conflitos dele iam além de uma paixão?
Normalmente quando a gente é adolescente achamos que todos os problemas são enormes e todas as questões são dificílimas, e algumas a gente consegue resolver, outras não. O que o Digo entende no final é que a coragem dele de fazer a faculdade que ele quer também é de abrir mão de coisas que ele achava que precisavam ser dele, e que não iam ser. Ele entende que o amigo também gosta da Ana, e ela conta que gosta do amigo, ele fica numa situação que é uma postura meio mimada, de “eu quero, então tem que ser meu”. Acho que tem um crescimento aí de olhar em volta e começar a aprender a se colocar nas situações, como um adulto, mais ou menos.
Como foi pra você essa época de decidir o que fazer da vida, e como decidiu ser diretor?
Ah, eu sou o pior exemplo possível. Prestava um curso em cada faculdade, então eu tava empurrando essa decisão, na hora de fazer a matrícula eu tive que decidir. O que foi menos atenuante foi que no terceiro colegial eu prestei Psicologia, Ciências Sociais, Audiovisual, Jornalismo e uma que tem na UFSCar que chama Imagem e Som. Daí passei em algumas, mas não em Audiovisual e Imagem e Som. Quando eu fui me aprofundar mais para entender o que eu estava prestando acabei me dando uma segunda chance, indo fazer cursinho, e prestei tudo de novo. Acabei passando. Mas acho que esse primeiro vestibular foi determinante também porque, na hora que você escreve lá no papel, acaba tendo que entender por que escolher aquilo. Sou meio impulsivo, escolho e depois que vou pensar. Quando você entra na faculdade e começa a tomar contato com o meio que vai trabalhar, a escolha fica mais evidente. Pensei “nossa, sempre gostei disso e não lembrava”. Situações de pressão geram isso. Quando você é adolescente e tem essa responsabilidade de escolher o que vai fazer o resto da sua vida, é difícil ter essa calma.
Você se lembra de um momento da vida que foi meio “respira e vai”, você precisou de um fôlego extra, de coragem para encarar alguma coisa?
Em uma das diárias da filmagem de Antes que Seja Tarde, a câmera teve uma pane elétrica e parou de filmar na metade. Era o último dia naquela locação, a gente tinha que entregar a locação no mesmo dia. Tinha que desmontar, não tinha como voltar lá, a câmera ia ficar pronta dali a uma semana, a gente só podia usar aquela câmera, que era emprestada. Nessa hora faltava só a cena mais importante, do quarto do Digo, que é a cena que ele rasga as coisas do mural. Nessa hora você para, respira fundo, “e aí, o que vamos fazer aqui?”. Daí eu tive a ideia naquele minuto de fazer a cena só que fotografando still. Still 35mm, de filme. Quase todas as fotos dessa parte que ficaram boas estão no filme. A gente deu um truquezinho, gravou mostrando em outro lugar, bem fechadinho, quando só mostra a mão dele rasgando as coisas. Mas é um momento desses: deu tudo errado, agora você precisa respirar, pensar e tomar uma atitude. Acho que esse é o momento que mais combina com a história do filme, e que faz parte dele também.