Centenas de estudantes e antifascistas interromperam o discurso de Marine Le Pen, a líder do Frente Nacional, um partido de extrema-direita da França, na Oxford Union quinta-feira passada. Le Pen e seu partido estavam orgulhosos pelo convite para falar diante de uma instituição tão importante. Mas através das paredes finas no prédio decadente, ela e o público ouviram os gritos indignados dos manifestantes, que achavam que ela nunca deveria ter pisado lá em primeiro lugar. Seu discurso foi adiado por uma hora, centenas de pessoas não conseguiram entrar e a noite acabou com Le Pen embarcando numa van da polícia, que foi seguida pelas ruas por antifascistas irados.
A Oxford Union, uma tradicional sociedade de debate inglesa, já está se acostumando a noites assim. O grupo tem o costume de convidar gente racista para seus debates, só para mostrar que tem a mente aberta e causar burburinho. Em 2007, manifestantes invadiram a câmara de debate para protestar contra o convite feito a Nick Griffin, então líder do Partido Nacional Britânico, de extrema-direita. Parecia que Oxford tinha aprendido a lição quando cancelou outro convite a Griffin em 2013. Mas ano passado, o ex-líder da Liga de Defesa da Inglaterra, Tommy Robinson, foi convidado para palestrar depois do escândalo de abuso infantil de Rotherham. Esse convite também foi cancelado.
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Quando cheguei à Oxford, cerca de uma hora antes do horário marcado para o discurso de Le Pen, centenas de estudantes faziam fila na St Michael’s Street, em frente ao prédio da união, esperando para ouvi-la. Ninguém disse concordar com a política xenofóbica e anti-imigração de Le Pen, mas muitos estavam interessados em saber como ela iria justificar e explicar isso.
“Não estou aqui porque a apoio”, me disse Will, um estudante de História de 21 anos. “Mas acho que temos que ouvi-la porque ela é ouvida por outros. Devíamos falar com ela num nível racional e fazer perguntas inteligentes.”
Muita gente na fila concordava. Por um tempo, o único grupo protestando no local era a Unite Against Fascism. Eles tinham uma barraca e um alto-falante no final da rua, e discursavam sobre sua visão do discurso de Le Pen para estudantes pouco impressionados.
Alguns minutos depois, a atmosfera mudou. Quando a fila de estudantes começou a passar pelo portão do prédio, um bando de manifestantes de vários grupos antifascistas e antirracistas chegou, incluindo o RS21, NUS Black Students Campaing, Stand Up to UKIP, London Black Revs e Berkshire Antifascists.
A manifestação inchou para algo entre 200 ou 300 pessoas. Apesar de Le Pen já ter conseguido entrar no prédio por uma entrada lateral na Cornmarket Street, os antifascistas não estavam dispostos a deixar as coisas correrem tranquilamente. Um ativista disse que já tinha tentado impedir o evento naquele dia. Ele e alguns colegas levantaram às 5 da manhã para colocar cadeados de bicicleta em todas as entradas do prédio. A segurança da universidade simplesmente serrou todos eles.
A Oxford Union, que não é afiliada à universidade, defendeu o convite a Le Pen em seu site. A união disse que “acredita primeiro e principalmente em liberdade de expressão”.
Os antifascistas argumentaram que permitir que as pessoas digam o que pensam não envolve necessariamente convidá-las para falar num pedestal dourado, principalmente alguém de um partido considerado o lar de uma mistura feia de racistas e nacionalistas.
“Marine Le Pen não tem feito nada para apagar o legado antissemita de seu pai”, disse Jonathan Katz, um estudante judeu de 23 anos. “Mesmo dizendo que está nos cortejando, ela deixa óbvio que não está interessada em ser amiga dos judeus quando participa de bailes patrocinados por neonazistas austríacos. Fico chocado que a Oxford Union a tenha convidado para falar, particularmente quando alunos judeus e muçulmanos já se sentem tão ameaçados no ambiente atual. Liberdade de expressão não pode ser idolatrada acima da liberdade das pessoas de se sentirem seguras.”
Annie Teriba, uma estudante de História e Política de 20 anos do RS21, ecoou esses pensamentos. “Estou aqui vendo uma fila de gente branca esperando para debater minha identidade, porque isso parece muito interessante para eles”, ela disse. “Minha identidade não está em debate. Minha segurança não está em debate, e quem acha que sim não merece um lugar no nosso campus. Não nos opomos ao debate dessas ideias – fazemos isso o tempo todo. Mas isso não exige ter alguém como Marine Le Pen no nosso campus.”
Depois de meia hora de gritos, cinco ou seis antifascistas segurando bandeiras anarquistas entraram na frente do portão e impediram a entrada dos 200 estudantes que ainda estavam na fila.
Os dois seguranças na porta, armados apenas com pranchetas, decidiram fechar o portão para tentar conter as coisas.
Houve um certo impasse até que um ativista corresse até a frente, gritando o código para abrir as portas trancadas. A porta foi aberta à força, mas apesar de muito empurra-empurra, os mesmos dois seguranças conseguiram impedir a entrada da multidão apenas com os pés. Só o ativista que tinha gritado o código conseguiu entrar, e marchar para o pátio como um exército de um homem só.
“Fui a única pessoa a entrar”, ele me disse depois. “Corri direto para a câmara da união dentro do pátio. Quando eles viram que o portão tinha sido comprometido, apenas duas pessoas estavam posicionadas nas portas de onde Le Pen estava falando. Eles fecharam a porta e começaram a correr atrás de mim. Eu estava gritando ‘Aí vamos nós, escória nazista’. Eles me arrastaram por uma saída dos fundos antes que eu conseguisse fugir.”
Nesse ponto, a polícia – que estava ausente até aquela hora – começou a chegar ao pátio. Depois de uma hora de atraso no debate, a união finalmente decidiu fechar o portão, selar as outras entradas e impedir outros acessos.
A noite então se transformou num protesto barulhento. Durante a hora seguinte, as pessoas reunidas em frente ao prédio tentaram atrapalhar o evento, que acontecia a apenas 18 metros de distância, fazendo a maior balbúrdia possível.
Alguns estudantes que tinham tentando entrar ficaram ali, confusos e irritados no frio congelante. Conversei com Rupert Cunningham, um estudante de Clássicos de 22 anos, enquanto ele se afastava do protesto. Ele disse que era ex-presidente da Oxford Conservative Association, e estava vestido do mesmo jeito que vai quando tiver um alto cargo burocrático daqui 30 anos. Ele chegou durante o final do protesto, mas me disse que não tinha interesse em fazer parte dele. “Acho que eles estão apresentando uma presença bastante intimidadora para as pessoas que estão legitimamente interessadas no que ela tem a dizer. Eles têm o direito de protestar, mas tentar acabar com o debate não é algo bom”, ele disse.
“Se alguém queria ver as visões de Marine Le Pen questionada e desafiadas intelectualmente, a Oxford Union era o lugar para isso”, ele me disse.
Isso me fez pensar se os antifascistas não deveriam encorajar a Oxford Union a debater com a extrema-direita. Se todo líder fascista do mundo fosse sujeito à crítica fulminante de um estudante precoce do primeiro ano de Filosofia, talvez ele repensasse toda a questão e deixasse de ser babaca. Ou não.
Falando pelo primeiro ano de Filosofia, Sam Slater foi realmente bastante chato.
“Acho que essas pessoas não entendem que o fascismo não começa com um discurso”, ele disse. “Isso começa com uma erosão básica das liberdades de expressão e reunião – que elas estão negando a mim. Acho que esses caras são os verdadeiros fascistas.”
Depois de um tempo, os gritos começaram a morrer e apenas 30 ou 40 manifestantes continuaram no local. Decidi ir embora depois que um ativista me disse que tinham visto Marine Le Pen sair por uma porta lateral.
“Disseram que a viram saindo do prédio com a cabeça coberta, como se fosse uma celebridade saindo do tribunal”, me disseram. “Ela entrou numa van da polícia e uns dez caras começaram a segui-la. As pessoas ficaram putas porque a polícia a protegeu.”
Na França, onde a opinião das pessoas sobre Le Pen é mais importante, suas tentativas de rebranding da Frente Nacional parecem estar funcionando. Uma pesquisa de opinião publicada semana passada sugere que ela sairá na frente na próxima campanha presidencial – assim como seu pai em 2002. No entanto, seu partido ainda está manchado pelo legado do fascismo. Como o protesto de quinta mostrou, enquanto sua popularidade sobe, muitas pessoas ainda estão dispostas a tornar sua vida difícil onde quer que ela vá. Mas toda a confusão daquela noite provavelmente não dissuadiu a Oxford Union de convidar palestrantes “polêmicos” para seus debates.
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Tradução: Marina Schnoor