Conheci o Aris num bar. Ele tinha espalhado por cima dos sofás algumas das suas pinturas que eu e os meus amigos tirámos para nos podermos sentar. O Aris ficou chateado e acusou-nos de falta de sensibilidade, mas depois deve ter-se arrependido porque nos pagou umas cervejas. Sobrinho do primeiro presidente de Cabo Verde, de quem herdou o nome, Aristides Pereira sonha em passar os últimos dias de vida na ilha da Boavista, “onde as ondas vêm bater na praia e parecem quase uma sinfonia de Beethoven” e em que “os meninos lá ao fundo a falar crioulo fazem lembrar pássaros a cantar.” Combinei logo uma entrevista com ele para daí a uma semana.
VICE: Olá de novo. Conta-me como é que começaste a pintar.
Aris: Comecei a pintar com oito ou nove anos. Na altura pintava a lápis e tentava ser o mais perfeito possível porque eram temas de natureza que requeriam muita atenção. Depois comecei a ir para outros estilos de pintura.
Que estilos?
Compro a tela, pinto em cartão, madeira. Pinto sobretudo com aguarela e acrílico porque o óleo é mais caro. Optei por pintar com os dedos porque dá maior sensibilidade, uma pessoa sente mais o que está a fazer. Também tenho outras técnicas. Aquele quadro que está ali, por exemplo, foi feito com cola, sal grosso e verniz colorido, como aquele que as senhoras usam nas mãos.
Então tu pintas com as mãos porque sentes uma maior ligação com a tela?
Acho que sim. Quando pinto com os pincéis não há uma ligação muito grande. Com as mãos eu sei o que tenho de fazer, por que caminho optar e quando parar.
Em que é que te inspiras para pintar?
Não me inspiro em nada. Vai saindo, fluindo. Não retoco as minhas imagens porque não quero aproximar-me da fotografia. Pinto e deixo secar. Aquilo que sai, fica. Eu gosto de pintar à noite, pelas onze, meia-noite. E vou até às sete da manhã. Faço sete, oito ou nove pinturas e, quando estou cansado, sento-me a fumar um cigarro e fico a olhar, a ver o que saiu. Algumas vezes gosto, outras não. Às vezes fico admirado e nem tenho a certeza se fui eu quem pintou aquilo.
Tens algum quadro que seja mais importante para ti?
Tenho um que está guardado numa galeria de um colega meu. Pus-lhe um nome porque uma colega minha disse-me que convinha dar um título às minhas telas se quisesse expor. Então eu pus a esse quadro o nome de Lágrimas. É assim em tons de azul muito claro e deixei escorrer umas gotas de verde que parecem mesmo lágrimas.
Como é que as pessoas reagem aos teus quadros?
É engraçado: a maioria dos meus quadros de que eu gosto menos são aqueles que as pessoas gostam mais. Há muitas interpretações para cada pintura e as pessoas gostam de discutir o que vêem. Não há muitas pessoas que não gostem. Normalmente ficam é na dúvida se é aquilo em que estão a pensar. Tenho um quadro, por exemplo, que é uma revolta — uma pessoa está chateada e tem uma explosão. As pessoas interpretam aquela tela como se fosse um vulcão.
Costumas vender as tuas telas?
Desde que comecei a fazer exposições — e só fiz duas — encomendaram-me um quadro e pagaram-me as tintas e a tela. Foi o único quadro que me compraram. Não tenho as minhas pinturas na internet, não me divulguei, não sou conhecido. Deve ser por isso.
O que é que sentes quando estás a pintar?
Se falares comigo, nem te ouço. Parece que estou no deserto e a voz vem muito, muito fraca. Desligo-me do sítio em que estou, fico na minha, num relaxe muito grande. Não sei se isso se chama Reiki ou Zen ou outro estado de espírito, mas desligo-me de tudo e não ouço ninguém. Eu não estou cá, estou noutro horizonte. E é por isso que fico muitas horas a pintar.
Então a pintura é muito importante na tua vida.
Até gostava de morrer a pintar. Gostava de ter a possibilidade de ter um ateliê onde pudesse estar sempre a pintar, era só isso que eu queria.