BROOKLYN, Nova York – 35 dias e 56 testemunhas depois, o julgamento de Joaquín “El Chapo” Guzmán está perto da conclusão. Promotores federais do Brooklyn encerraram seu caso na segunda-feira, e a defesa fez o mesmo na terça.
A única testemunha da defesa – que ficou no banco menos de meia hora – foi um agente do FBI, que foi questionado sobre como tomou notas durante uma entrevista com um chefe do tráfico colombiano que testemunhou contra El Chapo no começo do julgamento. Apesar de indicações de que o próprio El Chapo poderia testemunhar, ele disse ao juiz Brian Cogan na segunda que invocava seu direito de permanecer calado.
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“Señor juiz, eu e meus advogados falamos sobre isso e eu vou me reservar”, Chapo disse no único momento em que teve permissão de se dirigir ao tribunal durante o julgamento.
“Reservar?”, Cogan perguntou. “Sim, não vou testemunhar”, respondeu Chapo.
Um veredito de culpado, que pode significar uma sentença de prisão perpétua obrigatória no caso de Chapo, parece certo. O governo obliterou metodicamente qualquer dúvida razoável sobre o status dele como um líder implacável de um “empreendimento criminoso” conhecido como Cartel de Sinaloa.
Chapo pode ter recusado sua chance de ter a última palavra, mas mesmo sem o testemunho dele, o julgamento já foi praticamente um drama shakespeariano. Cada dia trazia novos contos insanos de subornos, assassinatos e traições. Teve um nível de melodrama de novela mexicana, como quando Chapo e a esposa usaram blazers de veludo vermelho combinando para mostrar solidariedade contra a amante dele, que ficou sentada no banco das testemunhas enquanto os promotores liam em voz alta as mensagens de texto picantes do chefe do tráfico para o júri.
E teve até comédia, como quando a luz acabou brevemente no tribunal, criando alguns segundos tensos na escuridão. Quando as luzes voltaram, um repórter veterano do tribunal de Nova York soltou “Ele sumiu!” pra todo mundo ouvir. Chapo, conhecido por suas fugas mirabolantes, continuava sentado na mesa da defesa, fazendo todo mundo presente rir, menos os guardas do tribunal, que olharam preocupados para a mesa e, sem dúvida, suspiraram aliviados depois.
O espetáculo real, claro, foi das testemunhas, particularmente de 13 “testemunhas cooperantes” que fizeram parte da organização de Chapo, mas mudaram de lado em troca de leniência (um acordo com benefícios para a pena) em seus próprios casos. Aqui vão as 10 histórias mais bizarras do julgamento.
10) A Arepa Envenenada
Antes de ser um dos principais fornecedores de cocaína para El Chapo, o traficante Jorge Cifuentes era só um moleque punk trancado numa prisão colombiana. Ele queria ascender nos escalões do Cartel de Medellín, então concordou em assassinar outro detento que tinha uma rusga com o sócio de Pablo Escobar José Gonzalo Rodríguez Gancha, aka El Mexicano.
Segundo Cifuentes, o cartel deu a ele três métodos para realizar o ataque: uma faca, uma granada e cianureto. Ele escolheu colocar o veneno numa arepa na cozinha da prisão que chegou até o prato do alvo. O plano deu errado quando o cara perdeu o apetite. Cifuentes mais tarde desistiu depois de tentar com a granada (ele nunca usou a faca). Apesar de seu fracasso como assassino, Cifuentes mais tarde enviou centenas de toneladas de cocaína para os EUA através do México.
9) A Caixa de Viagra
Num esforço para corroborar testemunhos entre os cooperadores, a promotoria pediu a várias testemunhas para descrever seu primeiro encontro com El Chapo. A maioria começava do mesmo jeito: o convidado embarcava num velho Cessna de Culiacán, Sinaloa, para um esconderijo nas montanhas. Eles aterrissavam numa pista clandestina, que era bastante inclinada para desacelerar o avião. Parece uma experiência aflitiva, mas para Pedro Flores, o que aconteceu a seguir foi mais assustador.
Flores e seu irmão gêmeo, Margarito, de Chicago, eram dois dos principais distribuidores de Chapo nos EUA. No caminho para sua primeira reunião de negócios com Chapo, Pedro disse que passou por um homem nu e acorrentado num poste, provavelmente como tortura por ter irritado Chapo de alguma maneira. Pedro estava vestido como um gringo – usando um shorts jeans – e lembra que Chapo o recebeu com uma piada, perguntando por que “eu não tinha conseguido comprar o resto da calça”. Em uma visita subsequente de Chapo, Pedro comprou um presente de brincadeira: “um shorts jeans e uma grande caixa de Viagra”. Flores riu por último de novo quando se tornou informante do DEA e gravou Chapo discutindo uma compra de heroína.
8) O Acidente de Helicóptero na Fazenda de Avestruz
Jorge Cifuentes ficou tão abalado depois de seu voo no Cessna para as montanhas que disse a Chapo que ia comprar um helicóptero novo para ele, “para que ele pudesse voar de um jeito mais civilizado”. Cifuentes cumpriu sua promessa, dando ao sócio um helicóptero de $1 milhão próprio para manobras em espaços estreitos. O irmão de Cifuentes, Alex, encorajou Chapo a fazer aulas de pilotagem para poder fugir voando no caso de um ataque surpresa.
Chapo nunca aprender a pilotar, mas talvez devesse: um dos pilotos do cartel caiu com o helicóptero ao tentar voar dentro de um hangar numa fazenda de avestruzes nos arredores de Culiacán (não ficou claro se algum avestruz se feriu no acidente). Cifuentes e Chapo mais tarde conspiraram para jogar o helicóptero de um penhasco como parte de uma fraude de seguro.
7) O Hacker Que Ajudou Chapo a Espionar a Esposa e as Amantes
Christian Rodriguez tinha só 21 anos quando foi contratado para ser o cara do TI do Cartel de Sinaloa. Na época, segundo a defesa, Rodriguez já usava suas habilidades de hacker para “invadir a rede de energia elétrica dos EUA, por diversão”. Ele criou uma rede criptografada de celulares para o cartel, depois se tornou informante do FBI, permitindo que os federais acessassem centenas de chamadas incriminatórias.
Rodriguez apresentou o spyware para Chapo, que ele instalou nos celulares da esposa e amantes do chefão. Ele usava a tecnologia para rastrear os movimentos delas, ler suas mensagens e ativar o microfone remotamente para ouvir suas conversas. Rodriguez tinha seus próprios problemas de relacionamento na época, que junto com o stress de seu trabalho como informante provocaram um colapso nervoso. Ele passou por “eletroconvulsoterapia”, que causou perda de memória de curto prazo, mas isso não prejudicou suas memórias o suficiente para impedi-lo de testemunhar no tribunal.
6) As 20 Toneladas de Cocaína Afundadas
Juan Carlos Ramírez Abadía – mais conhecido como Chupeta – foi uma testemunha inesquecível. Líder do Cartel Norte del Valle da Colômbia, Chupeta fez tantas cirurgias plásticas durante seu tempo como fugitivo que agora parece um Nosferatu narco. Apesar de sua aparência medonha, ele foi um narrador incrível, particularmente quando chegou a hora de recontar o que aconteceu com 20 toneladas de cocaína que afundaram na costa mexicana.
Chupeta disse que o capitão mexicano do navio experimentou demais da carga e “começou a ver fantasmas” que lembravam navios da Guarda Costeira americana, e acabou afundando o barco com todas as drogas a bordo. Ele teve a noção de anotar as coordenadas do naufrágio, mas quando Chupeta e um dos sócios do Cartel de Sinaloa sobrevoaram o local, eles encontraram “nada além de mar – só mar”. Mergulhadores do cartel encontraram o tesouro afundado depois de mais de um ano procurando, e Chupeta mandou um químico colombiano para salvar a cocaína ensopada. Chupeta nunca mencionou o que aconteceu com o capitão, mas ele provavelmente acabou dormindo com os peixes.
5) Um Punhado de Terra
Miguel Angel Martinez foi o braço-direito de Chapo do final dos anos 80 até o meio dos 90, e testemunhou sobre os dias de glória quando Chapo tinha uma frota de jatinhos particulares, casas na praia por todo México, e até um zoológico particular com um trem que levava os convidados para ver tigres, leões, panteras e veados. Mas Martinez – conhecido como El Gordo – acabou preso e Chapo suspeitava que ele tivesse virado um informante, e a amizade deles acabou de um jeito dramático.
Depois de três tentativas de esfaqueamento, Martinez ficou sob custódia protetora numa prisão da Cidade do México. Numa manhã, ele ouviu uma banda marcial tocando a música “Un Puño de Tierra” sem parar. O narcocorrido basicamente diz ao ouvinte para aproveitar a vida porque você não pode levar nada consigo quando morrer, nem um punhado de terra. Aparentemente, essa era uma das músicas favoritas de Chapo, e ele a usava para mandar uma mensagem. Quando a banda parou de tocar, um assassino jogou uma granada na cela de Martinez. Ele se protegeu da explosão se escondendo atrás da privada. O advogado de Chapo mais tarde foi repreendido pelo juiz por tuitar um link para a música no YouTube depois que Martinez terminou seu testemunho.
4) O Suborno de $100 milhões
Alex Cifuentes tinha muitas histórias loucas de seu tempo como secretário pessoal de Chapo que morou com ele nas montanhas, como o plano de mandar os Hell’s Angels assassinarem alguém no Canadá, ou a vez que Chapo disse a um produtor de cinema que o exército mexicano tinha pendurado ele de cabeça para baixo de um helicóptero. Mas a grande bomba foi a alegação de que Chapo pagou um suborno de $100 milhões para o ex-presidente mexicano Enrique Peña Nieto em 2012.
Cifuentes testemunhou sobre ver fotos de “maletas cheias de dinheiro” num avião que pertencia a um consultor político que trabalhou na campanha de 2012 de Peña Nieto. Ele também disse que o presidente inicialmente pediu $250 milhões de Chapo. (Um porta-voz do ex-presidente negou as alegações.) Cifuentes também acusou o ex-presidente Felipe Calderon de estar na folha de pagamento de um cartel rival, e o atual presidente Andrés Manuel López Obrador foi implicado quando documentos do tribunal revelaram a alegação de que um oficial de sua campanha fracassada de 2006 recebeu pagamentos de um cartel.
3) O Túnel de Fuga de 1,6 Quilômetro com uma Moto Dentro
A fuga de Chapo de uma prisão de segurança máxima perto da Cidade do México já era lendária antes do julgamento, mas a testemunha Dámaso Lópex ofereceu novos detalhes que a tornam ainda mais espetacular. Segundo López, o braço-direito de Chapo nos anos 2000, o túnel foi pensado pelos filhos de Chapo – com ajuda-chave de sua esposa Emma Coronel. Ela supostamente passava mensagens de Chapo depois de visitá-lo na prisão, e pode ter contrabandeado um relógio com GPS, que López diz ter sido usado para traçar o caminho do túnel de 1.400 metros ligando um barraco fora da prisão até o ralo do banheiro da cela de Chapo.
Quando chegou a hora de escapar, por volta das 21h30 de 11 de julho de 2015, Chapo entrou no buraco e encontrou seu cunhado esperando com uma moto, que estava montada em trilhos. Chapo foi transportado para um armazém próximo, onde um piloto estava esperando para voar com ele até as montanhas. Ele estava de volta em sua cidade natal, dando uma festa com a família e sócios, uma semana depois. López disse que depois que Chapo foi recapturado em 2016, ele pagou um suborno de $2 milhões para o chefe do sistema carcerário do México, e estava planejando outro túnel antes de ser extraditado para o julgamento em Nova York.
2) Fugindo Pelado
Uma testemunha disse que El Chapo tinha uma rede de alerta em seus esconderijos nas montanhas de Sinaloa, e supostamente ordenou que seus vigias “ligassem cinco minutos antes do exército se aproximar, e mesmo se eu estiver pelado vou fugir”. E parece que ele não estava brincando, apesar de sua fuga au naturel ter acontecido em uma de suas casas seguras em Culiacán.
A amante de Chapo, uma ex-política de Sinaloa chamada Lucero Sanchez, testemunhou que a porta reforçada deu tempo suficiente a ele, durante uma batida na madrugada do DEA e soldados mexicanos, para ativar um interruptor secreto no banheiro, fazendo pistões hidráulicos levantarem a banheira e revelarem um túnel. Na pressa, segundo Sanchez, Chapo não teve tempo para se vestir. Ele estava completamente nu enquanto fugia pelo túnel, que estava ligado ao sistema de esgoto. Já estive dentro daquele túnel e é bem nojento mesmo se você estiver vestido.
Chapo deixou para trás provas de sua rede de casas seguras, incluindo um lançador de foguetes, uma arma com suas iniciais encrustadas em diamantes na coronha, mais de 2.800 tijolos de metanfetamina, e um monte de bananas de plástico cheias de cocaína. Ele foi capturado alguns dias depois num hotel de praia com a esposa. O agente do DEA que orquestrou a batida não especificou se Chapo foi pego com as calças na mão da segunda vez.
1) A Tortura
A maioria das descrições de assassinato durante os primeiros dois meses e meio do julgamento de El Chapo não mencionavam sangue, mas a promotoria guardou os detalhes mais pesados para o grand finale. Isaias Valdez Rios, um ex-membro das forças especiais que se tornou um sicário de Chapo, foi a última testemunha chamada pelo governo. Valdez, conhecido pelo apelido Memín, descreveu a rotina de um assassino de aluguel, que incluía detalhes fortes sobre como ele viu Chapo pessoalmente torturar e assassinar pelo menos três pessoas.
Memín recontou como uma das vítimas, um membro do rival Cartel Arellano-Felix, foi queimado por todo o corpo com um ferro de passar antes de cair nas mãos de Chapo. Chapo supostamente o manteve preso numa estrutura estilo galinheiro até que o cheiro de pele queimada se tornou insuportável, aí ele ordenou que seus homens cavassem um buraco num cemitério próximo. Memín disse que Chapo começou a interrogar o homem, depois atirou nele com uma pistola calibre 25 e o enterrou enquanto ele ainda “lutava para respirar”.
Num outro incidente, Memín disse que Chapo passou duas ou três horas espancando dois membros capturados do cartel rival Los Zetas com um galho de árvore, até eles “ficarem parecendo bonecas de trapo”. Memín disse que depois Chapo mandou seus homens cavarem um grande buraco e começou uma fogueira. Chapo e outro sicário amarraram os Zetas atrás de quadriciclos, depois os transportaram para a fogueira. Memín lembrou que Chapo “não disse muita coisa”, só carregou seu fuzil e disse “Chinga tu madre” antes de atirar na cabeça dos Zetas. Segundo Mermín, os corpos foram jogados na fogueira e queimados até as cinzas.
Imagem do topo: uma foto sem data de Chapo com um homem não-identificado. (Foto fornecida pela Promotoria dos EUA.)
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