“É impossível fazer fotojornalismo sem caráter” é uma afirmação conhecida do fotógrafo e editor João Bittar, que, aos 15 anos, foi pedir emprego na Editora Abril porque queria ser jornalista. Na ocasião, conseguiu uma vaga de office boy e foi parar no setor de fotografia, onde, no laboratório, passou por todas as fases do processo, além de ter contato com o trabalho de fotógrafos do mundo todo. Assim, aos 17 anos, teve sua primeira câmera.
Bittar passou pelas principais publicações do país, como Folha de S.Paulo, Diário de S. Paulo, Veja, Exame, Gazeta Mercantil, Época, IstoÉ, entre outras. Na Folha, foi o responsável por implantar o processo de digitalização fotográfica. No final de 1982, fundou a agência Angular junto com Marisa Carrião, José Luiz Bittar, Cristina Villares, Marcos Rosa e Wagner Avancini, cujos fundamentos baseavam-se em agências pioneiras do exterior, como a Magnum. A Angular defendia o direito autoral do fotógrafo e eram os próprios fotógrafos que pautavam seus trabalhos e vendiam o material para jornais e revistas, e todos ganhavam igual.
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Dono de imagens históricas, Bittar, que faleceu em 2011, era querido e respeitado no meio e considerado um profissional gentil pelos colegas de profissão. A fotojornalista Eliária Andrade, que trabalhou com Bittar no Diário de S. Paulo quando este era editor de fotografia do jornal, fala do fotógrafo com admiração: “Era um editor sensível e tranquilo de trabalhar. João produziu um material extraordinário, dentre ele, a famosa foto do Lula mostrando o umbigo”, referindo-se à icônica e nada convencional fotografia do ex-presidente em uma convenção nacional de metalúrgicos, em abril de 1979. Nessa foto, Lula desafiou o fotógrafo, levantou a camiseta e, quando pediu para fotografá-lo, Bittar já havia clicado.
João, que também ministrou cursos de fotojornalismo na Imã Foto Galeria entre 2002 e 2011, é lembrado pelo fotógrafo Apu Gomes, que foi seu aluno, como uma pessoa aberta, de muita cultura e que gostava de ajudar as pessoas. Em relação a este período, Apu relembra: “Íamos para o curso cheios de dúvidas e ele discutia nossas questões de maneira que saíamos de lá sem saber o que fazer, diante das inúmeras possibilidades que ele nos fazia enxergar.”
Apu ressalta, também, a falta que Bittar faz no cenário atual da fotografia: “Deixou um vazio muito grande, principalmente neste momento em que muitos se autointitulam fotógrafos, editores, curadores e críticos. Falta cultura e bagagem para as pessoas. João deixou saudades.”
Fernando Costa Netto, atualmente sócio da DOC Galeria, lembra que os dois conversavam muito no período em que João era editor de fotografia da Folha enquanto ele dirigia o extinto jornal Notícias Populares. “João era um entusiasta do NP, que tinha uma estética própria e diferente do que se fazia na época. Era um cara maravilhoso, um professor crítico e positivo”, afirma.
Na intenção de preservar o trabalho e a memória de João Bittar, a fotógrafa Thays Bittar, sua filha, criou uma página no Instagram com o nome De Pai pra Filha, na qual tem publicado o trabalho do pai como forma de organizar seu acervo e divulgá-lo para uma geração que não conheceu sua produção. “Segundo diversas entrevistas que meu pai deu, a foto mais importante que ele fez na vida foi a do ex-presidente Lula mostrando o umbigo, que ele só divulgou 25 anos depois, em 2004, quando era editor da Época.”
Na página, Thays procura contextualizar as imagens com o atual momento político, mas conta que pretende publicar também fotos de músicos como Cartola e Adoniran Barbosa, entre outros tesouros escondidos, pois menciona tem muita coisa produzida e que precisa ser divulgada. “O trabalho dele conta a história do nosso país, algumas vezes esquecida. Além disso, meu pai era muito a favor da tecnologia e do conhecimento acessível, assim, vi nessa plataforma uma maneira de manter o legado dele vivo”, completa.
A intenção da fotógrafa é que, em algum momento, possa se inscrever em algum edital com a finalidade de organizar esse acervo, para que seja preservado em suas devidas condições. “O acervo do meu pai nunca foi organizado, catalogado e tampouco mantido em lugares adequados. Poucas foram as fotos que ele escaneou de seus negativos ao longo dos anos”, explica Thays.
Sempre que pode, ela expõe o trabalho do pai em feiras de fotografia, livros, exposições coletivas e matérias. Logo após a morte de João, a filha realizou, com o fotógrafo Egberto Nogueira, uma exposição na Imã Foto Galeria, com os últimos trabalhos de rua que ele postava no Facebook, mas tem o desejo de expor muitos outros e, para tal, espera oportunidades e parcerias que possam fazer isso acontecer.
“Meu pai sempre dizia que a fotografia era profética, pois, com o tempo, as imagens podem ter ainda mais força”, afirma Thays, que tem no pai uma inspiração constante.
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