Nas primeiras horas de uma manhã de domingo ano passado, uma semana antes de seu aniversário de 18 anos, Beth disse ao pai que estava “agonizando”. Ela estava com cólicas tão fortes que desmaiou na faculdade na quarta-feira, mas ela achou que a vontade constante de ir ao banheiro era só um sintoma de síndrome do intestino irritável. Ela tinha feito testes de gravidez algumas semanas antes; o resultado dando sempre negativo, e ela não tinha feito sexo desde então, então quando ela ligou para a emergência e uma enfermeira perguntou se ela estava grávida, ela disse que não. Mas horas depois, Beth chegou ao hospital, onde deu à luz a um bebê: uma menina de 3,4 quilos, que mais tarde foi batizada como Maizie.
Nos meses antes do parto de Maizie, Beth estava fazendo as coisas típicas de adolescente: ficando entediada com sua cidade natal, St-Anne’s-on-the-Sea, estudando, saindo com um cara da faculdade, de quem ela já estava se distanciando mesmo, trabalhando num pub local, fazendo treinamento no exército e bebendo no Blackpool Pleasure Beach com os amigos.
Videos by VICE
Ela me mostrou suas fotos das férias de agosto. Ela está visivelmente magra – 50 quilos, ela me diz – com a barriga chata, e nenhum sinal de que estava grávida de sete meses na época. Nesse ponto da gravidez, a maioria das mulheres têm um barrigão visível, e já conseguem sentir seu bebê do tamanho de um repolho se mexendo há quase dois meses. Mas Beth não passou por nada disso.
Ela teve uma gravidez silenciosa – uma gravidez que passa despercebida em testes de farmácia, não gera uma barriga e vem com sintomas mínimos (e esses sintomas podem facilmente ser confundidos com qualquer outra condição). Números atuais dizem que isso acontece em aproximadamente uma em cada 475 gravidezes no Reino Unido. Algumas mulheres descobrem que têm uma gravidez silenciosa com sete ou oito meses, mas outras, como Beth, descobrem literalmente assim que começam a dar à luz.
Há várias razões para a ocorrência de uma gravidez silenciosa, que incluem: ter dois úteros, então o bebê se forma no que está mais próximo da coluna e não gera barriga; ter útero retrovertido; ou produzir níveis baixos de hCG (o hormônio indicado pelos testes de gravidez de farmácia). Esses problemas podem não aparecer no radar porque não há como saber quantos úteros você tem, a maioria das pessoas não faz ultrassons normalmente, e você só vai verificar seus níveis de hCG quando já sabe que está grávida.
Vez por outra uma nova história de gravidez silenciosa aparece na mídia. Por exemplo, a “ Adolescente de Oldham em coma que acordou com um bebê ‘surpresa‘” ou “ Mulher de 22 anos que só percebeu que estava grávida quando deu à luz”. Essas histórias são chocantes, e no primeiro caso rendeu um processo criminal, e não explicam muito da experiência de uma gravidez silenciosa e o que acontece com essas mulheres depois. Então rastreei a história de três mães – Beth, Klara e Lily – para descobrir o que acontece quando você dá à luz inesperadamente. Como você aceita essa maternidade “surpresa”? Como você lida com o julgamento das pessoas que vem depois?
“Fomos para a emergência porque comecei a sangrar e a enfermeira disse ‘Bom, acho que você está grávida e prestes a ter um bebê’”, diz Beth, enquanto balança Maizie, de seis meses, nos joelhos. “Então me deram um tanque de gás e oxigênio, e se apressaram para fazer o parto. Eu estava com 9 centímetros de dilatação, e você tem que ter pelo menos 10 centímetros para começar a empurrar. Então, umas duas horas depois, ela saiu.” Ela sentiu medo? “Eu não estava pensando muito na hora”, ela diz. “Eu estava mais preocupada em acabar com aquela dor, honestamente.”
Para Klara, que teve uma gravidez silenciosa em 2016, com 22 anos, o medo que ela sentiu foi de estar sofrendo um aborto. “Eu estava pensando ‘talvez seja um aborto?’”, ela diz. “Mas se fosse um aborto, eu estaria grávida de nove meses, porque tinha sido a última vez que fiz sexo.” Ela lembra como sua vizinha veio ajudar quando ouviu ela gritando – “Eu disse a ela que estava sofrendo um aborto e precisava de uma ambulância.”
Klara acordou na manhã de seu primeiro dia num novo emprego com “uma cólica horrível, que achei que era menstrual”, e sua mãe a encorajou a tomar analgésicos e seguir com o dia normalmente. A dor se tornou muito intensa e ela saiu do trabalho mais cedo, chegando em casa apenas horas antes de dar à luz a Amelia – hoje com três anos – enquanto estava no banheiro. “Eu estava sentada na privada e meu corpo simplesmente se levantou sozinho”, Klara me conta, levantando do sofá e agachando para demonstrar. “Meu cérvix virou e peguei a Amelia logo antes dela cair na privada”, ela diz, colocando as mãos entre as pernas.
“Tinha quatro paramédicos enfiados no meu banheiro, que é muito pequeno”, ela continua. “Felizmente, um deles era um tipo muito maternal e ela me abraçou enquanto eu chorava e chorava. Estava tudo confuso. Não sei se reprimi isso, é um ponto tão estressante, perceber que tudo está prestes a mudar. Eu só conseguia pensar ‘Preciso de ajuda para limpar a privada, o que minha mãe vai pensar quando chegar em casa e ver esse banho de sangue no banheiro?’ Então um dos paramédicos deu uma limpadinha.”
Muitas vezes, quando essas histórias surgem, as pessoas se perguntam como é possível não perceber. “As vezes eu cruzava a sala nua e minha mãe não via nada que indicasse que eu estava grávida, foi ela que ficou mais chocada”, diz Beth. O corpo de Klara também não mudou muito durante a gravidez. “Eu estava seis quilos mais magra que agora”, ela diz. E as menstruações também não eram um indicador para ela, que estava usando pílula direto por seis meses antes. “Não menstruei por cinco daqueles meses. Às vezes saía um pouco de sangue, mas não era como uma menstruação total, então eu pensava ‘Isso é uma menstruação, então estou bem’.”
Lily também estava tomando pílula quando passou por uma gravidez silenciosa aos 18 anos. Ela descobriu dois meses antes que estava para dar à luz a seu filho de um ano, Archie. Ela morava com o namorado de um ano e a família dele, trabalhando 50 horas por semana como gerente e garçonete num restaurante. “As pessoas diziam que eu estava com o corpo bonito e a pele brilhando”, ela diz, “mas eu estava comendo muito mais e tinha engordado por igual. Eu não tinha barriga. Fiz dois testes de gravidez, os dois deram negativo, então claro que pensei ‘Sou estou engordando um pouco, não estou grávida’.”
Mas alguns meses depois, Lily começou a sentir chutes, então fez um terceiro teste de gravidez. “Deu positivo, e me levaram correndo para o hospital para um ultrassom de emergência, onde confirmaram que eu estava grávida de 30 semanas.”
Além da experiência de dar à luz sem nenhum ou com pouco aviso, ter uma gravidez silenciosa significa que a mulher não tem acesso ao pré-natal; é um mundo sem consultas ou aulas de parto. Felizmente, as crianças nesses três casos nasceram completamente saudáveis e sem complicações, mas Beth, Klara e Lily compartilharam o medo de que não saber que estavam grávidas pudesse colocar a vida dos filhos em risco. “Eu bebia, eu fumava todo domingo e trabalhava num bar, pelo amor de Deus”, diz Klara. “Eu trabalhava 12 horas por dia e carregava barris de cerveja, grávida de oito meses.” Lily tinha pesadelos frequentes sobre a saúde de Archie antes dele nascer. “Se ele fosse nascer com deficiências, seria tudo culpa minha”, ela diz. “Claro, parei de beber e usar drogas assim que descobri.”
Quem já teve uma enxaqueca que não passa, ou uma tosse que dura semanas, geralmente evita procurar um médico. Não só você precisa faltar ao trabalho, mas também leva umas três semanas para marcar uma consulta de qualquer maneira, e você fica achando que a dor ou o desconforto terá passado até lá. Klara disse que deveria ter consultado um clínico geral, mas estava com medo. “Literalmente duas semanas antes, a parte de cima da minha barriga estava muito dura e eu não sabia o que era”, ela diz. “Eu devia ter procurado um médico para ver o que estava errado, mas eu ainda era muito nova e boba, então enfiei a cabeça na areia.”
Lily também não procurou ajuda médica quando experimentou cólicas abdominais. “Lembro de dizer pra uma amiga ‘Estou sentindo isso e isso’”, Lily diz, “e minha amiga disse ‘ah, eu também’, e como ela estava usando a mesma pílula, achei que era normal”. Além disso, muitos médicos desconsideram preocupações de saúde de mulheres, com estudos descobrindo que a dor das mulheres é levada menos a sério que a dos homens, então dá pra entender porque elas não procuraram ajuda.
Além de tudo isso, os médicos muitas vezes duvidam quando mulheres acham que estão tendo uma gravidez silenciosa, e Beth acha que sua idade foi a principal razão para os assistentes sociais do hospital terem ficado céticos com a dela. Eles decidiram que era uma “gravidez escondida” – onde a mulher não conta a ninguém que está grávida e portanto não faz o pré-natal. Então eles a deixaram internada por cinco dias, depois a procuraram em casa. “A assistente social me disse ‘se você tivesse ficado sabendo uma semana antes, você teria saído direto’. Isso me ofendeu, porque ela disse de um jeito malicioso, como se tivesse sido algo bom eles terem me pegado.” Quando as pessoas da faculdade descobriram que Beth teve um filho, as fofocas começaram. “Disseram que ela não era minha, que eu tinha adotado, ou que ela era filha do meu pai”, Beth diz. “Alguns disseram que eu sabia, mas não sou uma pessoa horrível – eu nunca colocaria um bebê em perigo.”
Quando a história de Klara saiu no Daily Mail, ela recebeu uma série de comentários a chamando de idiota por não perceber que estava grávida. “Eu não tinha nenhuma experiência com isso”, ela diz, “então eu disse tanto faz e não pensei nas consequências ou em como o jornalista ia escrever a história. Recebi muitas reações negativas.” Beth ouviu falar sobre gravidez silenciosa pela primeira vez numa novela. “Era Eastenders, e a Sonia – que por acaso também é meu nome do meio – teve uma. É estranho porque o episódio passou pela primeira vez no ano em que nasci.” Só depois ela descobriu que a mãe de sua melhor amiga também tinha experimentado uma gravidez silenciosa.
As três ficaram surpresas com como aceitaram bem se tornar mães, parando choros, limpando bocas sujas e cuidando de pequenos tombos enquanto eu as entrevistava, apesar de antes não querer ter filhos e estarem usando anticoncepcional para evitar exatamente isso. Elas dizem que as coisas teriam sido diferentes se elas tivessem detectado a gravidez. “Sinceramente, eu teria abortado”, diz Beth. “Mas hoje não consigo nem imaginar isso.”
Os médicos disseram a elas que é muito improvável gravidez silenciosa acontecer mais de uma vez com a mesma pessoa, mas ainda há um certo medo de voltar a fazer sexo. “Fico muito paranóica com a ideia de fazer sexo. Não que nunca mais vou fazer, só penso muito mais antes de fazer”, diz Beth. Lily concorda. “Sinto que você pode fazer de tudo para impedir e isso ainda pode acontecer. Isso mudou o jeito como enxergo o sexo. Acho que tenho transtorno de estresse pós-traumático por causa da experiência.”
Beth está criando a filha como mãe solteira, já que o pai de Maizie decidiu não ser parte da vida dela, mas seus amigos e família, especialmente o pai, a apoiam muito. “É só alegria.” Beth diz sorrindo, enquanto olha para Maizie e faz carinho no queixo dela: “Todo mundo te ama, né?”
Apesar de ter lidado com ansiedade e depressão pós-parto, Lily tem muita esperança para o futuro – “Estou feliz só com o Archie por enquanto, mas quero ter mais filhos”, ela diz. Klara acredita que a maternidade veio na hora certa pra ela. “Antes da Amelia nascer, eu só estava flutuando por aí e não tinha um propósito. Eu ficava imaginando ‘O que vou fazer da minha vida?’ Eu era formada em direito e não estava fazendo nada na área na época. Mas agora encontrei meu chamado.”
Beth também diz que o nascimento de Maizie a ajudou a seguir em frente. “Muita gente diz que você está ferrada porque não pode viver sua vida”, ela diz. “Mas eu posso.” Ela vai voltar para a faculdade em setembro, e planeja frequentar uma universidade ano que vem para estudar Esporte e Políticas Públicas antes de se juntar ao Controle de Fronteiras. “O que ela fez foi tornar a vida de todo mundo melhor”, diz Beth.
@nanasbaah / @bekkylonsdalephoto
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.