Quer dizer então que os cigarros são a cura para o câncer? Não, cara, claro que não. Mas graças aos desenvolvimentos da engenharia genética, as plantações de tabaco se tornaram um meio inusitado de produzir medicamentos para o tratamento do câncer.
Medicamentos derivados de plantas existem desde sempre, mas até pouco tempo estavam restritos ao que os vegetais produzissem de modo natural. Agora, por meio de evoluídos processos genéticos, os cientistas estão convertendo plantas como a Nicotiana benthamiana e Nicotiana tobaccum em plataformas de fabricação para uma grande variedade de terapias com base em proteínas para tratamento do Ebola, do câncer e do HIV/AIDS.
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A PlantForm, uma empresa de Guelph, com sede em Ontario, no Canadá, é uma entre tantas companhias de biotecnologia pelo mundo que desenvolve remédios produzidos por plantas (PMP, em inglês). Até então, apenas um medicamento chegou ao mercado: o Elelyso (no Brasil, é conhecido como Uplyso e foi aprovado pela Anvisa em 2013), produzido por uma empresa israelense chamada Protalix e usado para tratar um raro distúrbio metabólico, a doença de Gaucher. Há muito mais a caminho, incluindo a versão da PlantForm para o medicamento de combate ao câncer de mama chamado Herceptin, cuja disponibilização está marcada para 2018.
Mesmo que a existência de plantações para esses medicamentos ainda seja pequena, o potencial dessa tecnologia farmacêutica é grande. “É possível produzir praticamente qualquer medicamento”, afirma Don Stewart, presidente e diretor executivo da PlantForm. “As plantas podem fazer muito mais de forma mais rápida e barata do que os métodos tradicionais,” argumenta.
As técnicas de produção de remédios por meio da bioengenharia existem há décadas e muitas delas têm base na fermentação de culturas de células animais em grandes biorreatores. (Uma fonte em comum para essas culturas são os ovários de hamsters chineses.) Mas produzir medicamentos biológicos assim é complexo e muito caro. De acordo com Stewart, o custo de fabricação para uma dose de Herceptin é de US$ 1.000, mas, ao usar o sistema a base de tabaco vivoXpress, a PlantForm consegue produzir o mesmo medicamento por cerca de US$ 100 a dose.
Apesar dos desafios tradicionais de tornar a produção biofármacos mais eficiente, o desejo pelos medicamentos já é grande. Em 2013, o mercado global desses medicamentos foi avaliado em US$ 200 bilhões. O mercado do Herceptin, em particular, está estimado em US$ 6,8 bilhões e a PlantForm estima que o mercado para medicamentos similares – cópias do original que agem da mesma forma – seja de mais de US$ 4 bilhões. O motivo é simples: os biofármacos funcionam extremamente bem porque são capazes de atingir doenças específicas, incluindo diabetes, Alzheimer, fibrose cística, dentre muitas outras, de forma precisa e eficaz.
O potencial de biofármacos se popularizou no ano passado, quando o medicamento experimental ZMApp foi utilizado com sucesso no tratamento do Ebola em dois norte-americanos, um médico e uma missionária, que contraíram a doença enquanto trabalhavam no surto da Libéria. Além do fato de que o medicamento havia sido testado só em macacos, outro fator se sobrepôs: o ZMapp é cultivado em folhas de tabaco.
Os medicamentos biológicos utilizam compostos com base em proteínas que podem ser modificados pela engenharia. As proteínas mais comuns dos biofármacos são os anticorpos que os corpos produzem para combater doenças. Os anticorpos se ligam a determinados antígenos do vírus ou bactéria e avisam o sistema imunológico para se livrar deles. O biofármaco imita esse processo com anticorpos artificiais, que o corpo trata como se fossem naturais.
O Herceptin, por exemplo, é um anticorpo e seu antígeno correspondente se chama HER2, que é encontrado em grandes quantidades em alguns tipos de câncer de mama. Quando o anticorpo Herceptin encontra seu antígeno equivalente HER2, ele ativa o sistema imunológico do corpo para prevenir que mais antígenos sejam produzidos e começa a atacar o câncer.
Quando uma empresa de biofármaco projeta o anticorpo ou outra célula de proteína necessária para combater determinada doença, é preciso produzir mais. O cultivo de células não é um mistério para a ciência, e a fermentação cumpre facilmente seu papel. Com um pouco de luz e água, as plantas podem multiplicar suas células de forma bastante eficiente. Outras colheitas usadas na biofarmácia também incluem milho, alfafa, açafroa e arroz, mas o tabaco é o preferido, já que cresce rapidamente em grandes volumes e permite às empresas obter mais células a um custo mais baixo do que o processo via biorreatores.
Para que a planta produza as células desejadas, os engenheiros introduzem mecanismos de controle genético nas plantas que farão com que gerem o anticorpo desejado. Isso ocorre ao infectar a planta com uma bactéria chamada Agrobacterium, que transporta o material genético.
Na PlantForm, todo o processo leva em torno de oito semanas. Nas seis primeiras, as plantas crescem por si em uma estufa. Em seguida, elas são infectadas com a bactéria e recebem uma semana a mais para gerar o medicamento em um aumento do cultivo controlado. Por fim, os técnicos cortam as plantas do solo e as jogam em um grande misturador. O medicamento é extraído da mistura resultante.
Diferentemente da maioria das técnicas usadas hoje, a primeira leva de empresas de biocultivo do início da década de 2000 tentou cultivar as plantas ao ar livre. Há dois problemas nessa abordagem: um é que as plantas podem ser contaminadas por outros elementos do ambiente; o segundo, e mais importante, e que as plantas modificadas geneticamente podem se cruzar com outras colheitas.
Para evitar essas consequências, a PlantForm e empresas similares, como a canadense Medicago, cultivam suas próprias plantas em ambientes controlados. A PlantForm se associou a uma equipe de pesquisadores da Universidade de Guelph em Ontário que projeta estufas para estações espaciais. “É tão difícil cultivar plantas para a produção de medicamentos quanto cultivar alfaces em uma estação espacial”, afirmou Stewart, da PlantForm. As duas equipes trabalharam juntas a fim de modificar variáveis como pressão do ar, umidade e luz para promover o melhor cultivo possível para as plantas de tabaco produtoras de anticorpos.
Outra grande diferença entre as técnicas atuais e as tentativas malsucedidas anteriores de biocultivo é que as empresas como a PlantForm não modificam as plantas de forma permanente. As características introduzidas por meio do Agrobacterium não são transmitidas de uma geração à seguinte, logo, há menos risco de contaminação com outras plantas.
Como a PlantForm pode produzir os medicamentos proteicos complexos de forma rápida e em grandes quantidades, a empresa atraiu investidores como a Fundação Bill e Melinda Gates para desenvolver um tratamento para o HIV/AIDS que pode ser cultivado na África Subsaariana; outra investidora foi a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa dos EUA (DARPA, sigla em inglês), que busca a produção de vacinas para envenenamento por gás sarin e outras formas de bioterrorismo.
Genti Kostandini, economista agrícola da Universidade da Geórgia, prevê que os biofármacos à base de plantas continuará a se expandir e deve alcançar produção em larga escala nos próximos dez anos. “O potencial de economia é grande, especialmente em mercados que dispõem somente de um ou dois medicamentos”, afirma. A indústria farmacêutica está cercada de monopólios em que os medicamentos biológicos para doenças específicas são produzidos por uma única empresa. Se conseguirem aprovar as patentes, as empresas de biofármacos com medicamentos produzidos por plantas que entrarem nesses mercados podem conseguir grandes lucros. São ótimas notícias para empresas como a PlantForm, e ainda melhores para os futuros pacientes, que não precisarão mais escolher um tratamento para salvar suas vidas em troca de uma dívida exorbitante.
Tradução: Amanda Guizzo Zampieri