A Roberta Estrela D’Alva tem um papo pra te dar

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A Roberta Estrela D’Alva tem um papo pra te dar

Incansável, ela é apresentadora, atriz-MC, professora, curadora, escritora, pesquisadora, ativista e, acima de tudo, dona de um discurso cabuloso sobre a pluralidade feminina.

Como uma metralhadora, ela dispara palavras. "Se tentarem te derrubar não deixa. Não deixa. Deixou, deu com a cara no muro. E ginga e mexe os pauzinhos e dá o seus pulos. Se a chave não tá no chaveiro arromba o portão e cerra as barras dessa cela feita de dor, escuridão. No desamparo, amperagem da revolta é mil volts, temperatura do sangue bombando é mil grau. E suportar a pressão é trabalho de herói, mas se Zumbi somos nós não é mais pessoal. Então, falar é fácil, eu sei, isso não é sermão".

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Dispara também talentos e profissões: aos 38 anos é slammer, atriz-MC, ativista, apresentadora, pesquisadora, escritora, curadora, professora, está fazendo um filme. É formada em Artes Cênicas, tem mestrado, está cursando o doutorado. Tem profundo conhecimento sobre educação somática feldenkrais. É preta, é de rua. É altamente da pesada. Ela tenta explicar seu corre. "Eu sou meio cara de pau, acho que é do signo também, eu sou aquariana. Você vai indo, indo, indo."

E ela continua na caminhada. Nascida em Diadema, mas criada em São Bernardo do Campo, é filha de um nordestino negro com uma paulistana branca.Talvez os dois melhores exemplos de sua essência. Do pai, comenta dos sonhos. "Ele fez até a quinta série, veio do nordeste. Começou a trabalhar com cinco anos de idade e foi indo, indo, indo. Hoje ele é o mais velho brasileiro a dar a volta ao mundo num veleiro, aos 64 anos. Está escrevendo um livro chamado A volta ao mundo do marinheiro Raimundo. Da matriarca se recorda do rigor. "Minha mãe era brava. Não me deixou usar maquiagem com 12, 13 anos. Ela esperava a idade certa e na época eu achava um absurdo. Tinha um conjunto que se chamava Realce, todas as meninas compravam e eu queria tanto ter aquilo. Ela não deixava de jeito nenhum, mas isso foi bom. Cada mulher sabe como administrar suas crias. Talvez tivesse estragado um pouco, porque eu era doidinha desde pequena. Pra mim foi importante ter o tempo certo pra sair."

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Começou, bem nova, a atuar na escola. E no palco fritou os miolos com um autor, Bertolt Brecht. "Ele racha sua cabeça quando você o conhece. Com 12, 13 anos eu tava entendendo já qual era o papel social do ator, fazendo teatro épico". Logo depois encontrou outro rolê, o teatro hip-hop. Ela define o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos assim. "A gente era muito hip-hop pro pessoal do teatro e muito teatro pro pessoal do hip-hop", mas achou ali o seu caminho, o porto seguro. "A minha veia, a minha via com o hip-hop é via teatro hip-hop, que é meu livro, a minha pesquisa há 16 anos no Bartolomeu. É lá que a gente estudou, ouviu as coisas, leu o que tinha de ler, viu os filmes que tinha que ver, lá que a gente viu DJ virando ator, ator virando DJ, MC virando ator, ator virando MC. É uma pesquisa sobre o hip-hop".

A estrada que liga sua vida ao hip-hop é larga e parece não ter fim. Sua tese de doutorado virou o livro Teatro Hip Hop - A Performance Poética do Ator-MC, ela é responsável por trazer o poetry slam ao Brasil. O slam é um campeonato de spoken words (espécie de rimas próximas à linguagem do rap, mas sem apoio musical. É uma espécie de recital, mas mais de rua) e Estrela D'Alva explica as regras. "Poemas próprios, de no máximo três minutos, sem acompanhamento musical. Júri escolhido na hora". Ela conheceu a arte de rimar num flow sem beat para uma apresentação e pirou na ideia. Foi para Nova York, o berço do slam, para sacar ainda mais e quando voltou para casa não achou nada. "Cheguei ao Brasil e falei. 'Eu quero ir num slam'. E aí. 'Pô, não tem slam? Como assim?' Vamo fazer o primeiro slam do Brasil". Foi assim que ela criou o ZAP (Zona Autônoma da Palavra). "Em 2008 só tinha o Zap, em 2009 tinham dois. Hoje tem mais de 30 slams em cinco estados". Ela fala sobre os versos. "A gente precisa de poesia para conseguir imaginar outro mundo possível. Você consegue imaginar o mundo sem racismo? O mundo sem machismo? Como seria? É isso que tão minando da gente, a nossa capacidade de imaginar. É o nosso imaginário que está em disputa. Então por isso que a gente tem que povoar o imaginário."

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Para estreitar ainda mais a relação com o rap, em junho deste ano ela se tornou apresentadora do Manos e Minas, programa da TV Cultura de extrema importância para o rap brasileiro. "Só me interessou fazer esse trabalho, porque eu tenho voz para sugerir pauta e minha prioridade é mulher preta. Mulher e mulher negra". Ela ainda acrescenta. "A gente tá num momento em que a discussão racial e a discussão de gênero estão na urgência do dia. Não por uma questão de moda, mas por uma questão política. Num país em que mulheres são assassinadas todos os dias, gays e negros também são assassinados rotineramente passa um pouco do limite. Não é que é hype falar disso, a discussão urge. Quem não tiver mulher apresentando, pautando. Quem não tiver mulheres atuantes em seus veículos estará atrasado."

Roberta fala bastante, mas ela tem muito o que falar, muito o que acrescentar na vida de quem está ao seu redor. Seja na televisão, no palco, na rua, sua voz ecoa e seu discurso bate direto, às vezes no peito, outras na cara. Ela é plural, é rica em conhecimento e em postura. Pessoa rara. Sua natureza é a batalha, a luta contra os preconceitos, a luta contra a opressão. Ela elenca suas prioridades. "Antes de ser ativista racial eu sou feminista. Antes de ser feminista eu sou humanista. Antes de ser humanista eu sou espiritualista" e fala do que para ela é a essência feminina: o compartilhamento. "A mulher entende a coisa da fraternidade, do dividir desde muito cedo. Se você pensar, o leite que uma mulher amamenta seu filho é o sangue dela transformado. Ela dá células dela, ela divide o corpo dela com outro ser."

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