As manhãs de domingo são para voltar da balada de ressaca ou para ir à igreja. Mas, para as mulheres drag queens de Londres, é hora de fazer os dois: exibir a maquiagem borrada e ofensiva da volta pra casa aliada às altas performances femininas em sua melhor roupa de domingo.
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Assim me vi num estúdio ao lado de um canal estagnado em Dalston, vendo oito mulheres se tornarem drag queens: muita pele falsa, barba de glitter, perucas pintadas, pó grosso e blush nos peitos. A atmosfera não é decadente – é concentrada. Elas constroem seus delineadores como pedreiras.
O que isso diz sobre a nossa ideia de feminilidade: mulheres de peruca, espartilho, salto alto e 200 gramas de maquiagem que podem cantar, tirar a roupa, serem apalpadas e balançarem para o público em nome da liberdade de gênero? Podemos aprender mais sobre o que é ser mulher disfarçando o gênero através de uma persona construída além de sua identidade sexual?
Victoria Sin aparece de moletom, sem maquiagem, carregando uma sacola plástica cheia de roupas e explicando que “nunca tentou se maquiar numa manhã de domingo de ressaca”. E, mesmo assim, a lenta aplicação de base branca, sombra azul e blush nos peitos é fascinante. Assisto a tudo como um tarado no metrô. Falamos sobre Judith Butler, fossa de fim de relacionamento e performance de gênero. “Muitas mulheres são drag queens e nem sabem”, elas me contam. “Todas essas mulheres extremamente sensuais, como a Beyoncé, usam um centímetro de maquiagem, perucas e roupas loucas.”
Eppie, uma jovem drag de Newcastle, Inglaterra, criada pelo pai e pelos irmãos, pegou um ônibus de Turnpike Lane usando uma barba feita de glitter. Ela não quer que eu veja sua identidade não drag, não diz seu nome verdadeiro e vai embora com a fantasia completa depois das fotos. E por que não? Nesse projeto, ela é uma Barbie barbada, não uma garota das proximidades de Gateshead. Sua roupa e um vestido de £ 5 [20 reais] da Fonthill Road, em Finsbury Park, representam um mundo de poliéster de feminilidade espremida entre igrejas evangélicas e centros culturais islâmicos. “Tenho a mesma estrutura facial do meu pai”, ela relata, pintando uma linha de cabelo falsa em volta do cabelo natural com tinta dourada. “Gosto de ser confundida com um homem mesmo vestida de mulher.”
A próxima a chegar é Lolo Brow, já totalmente maquiada, linda e eloquente. Dançarina profissional, fechada num espartilho quase impossível, ela exige atenção mesmo enquanto bebe uma lata gigante de energético. Lolo descreve o drag como uma maneira de ser “mais arrogante do que jamais pensei que seria possível” e essa comunidade como um anfiteatro de “mulheres ferozes e poderosas, não de homens vestidos de mulher”.
Rubyyy Jones chega com a namorada, usando tênis, cabelo vermelho, sobrancelhas desenhadas com glitter e uma camiseta preta. Parte da The Familyyy Fierce Collective, juntamente com Lolo Brow e a colega drag queen Lily Snatchdragon, Rubyyy já foi agarrada pelo público, apalpada e cutucada por pessoas que não sabiam se seus peitos eram reais, e ainda assim é intensa e inegavelmente feminina. “Afasto muitas expectativas femininas com o drag, assim como faço no burlesco”, frisa Robby, tirando os tênis e colocando uma meia-calça arrastão. “Não depilo nenhuma parte do corpo, não uso salto geralmente. Drag pode ser outra pressão colocada sobre as mulheres de como elas devem parecer. Mas você não precisa se depilar, usar salto ou ser magra para ser feroz e linda. Não tenho interesse em ser linda. Eu sou linda.”
Quando uma loira baixinha aparece na porta, arrastando uma mala e com o cabelo preso num rabo de cavalo, acho que ela é só uma turista perdida. Mas ela é Lisa Lee (parte dos The Lipsinkers), que faz drag há mais de dez anos. “Vejo isso como explorar o gênero”, ela afirmou, colocando seu macacão prateado e uma peruca surrada no estilo Dolly Parton. “Estamos encorajando o público a pensar no que constitui o feminino e o masculino.”
Miss Terri (a mulher por trás do Madame Jojo’s Kitsch Cabaret) faz drag há mais de 20 anos. Maquiadora e cantora, ela descreve seu visual como “alto glam drag em vez de um drag cômico”. Vê-la engomar e pintar as sobrancelhas e os olhos de pavão é observar uma obra-prima do glamour. Ela entrou na cena por “acidente”, depois de responder um anúncio para cantora no The Stage; ainda assim, o visual dela, para olhos não treinados, é o mais fácil de reconhecer como drag: peruca enorme, plumas e sobrancelha curvada.
Autodenominada um “travesti de boceta”, Holestar é uma pioneira do drag feminino. Ela tinha surgido em todas as conversas que tive antes de embarcar no projeto totalmente maquiada. De uma temporada no exército até seus anos como dominatrix, Holestar está bem familiarizada com a disciplina. Talvez, por isso, tenha sustentado uma carreira de 11 anos de drag agressivo e performático, ao mesmo tempo lutando contra a “vil misoginia” das “más” drags. “Mulheres fazendo drag ainda não é algo mainstream”, ela pontua, balançando a enorme peruca rosa na cabeça de seu cachorro. “Recentemente, fui chamada de vadia e ‘uma mina que acha que é drag queen’ por uma drag que acusei de plágio.”
“Quem disse que drag é propriedade dos homens? Nunca foi. Isso foi uma construção de pantomima e tradição, mas, se você for até os antigos musicais de salão, você encontra muitas performances de gênero feitas tanto por homens como por mulheres.”
Claro, não são só as mulheres drag queens que usam exploração de gênero e performance ao vivo para combater a misoginia casual e a desigualdade política na nossa sociedade. “Estamos agindo como as pessoas que queremos ser, porque a sociedade diz que não podemos ser essas pessoas na vida real”, ratificou o artista drag e apresentador Scottee. “Somos o drag pós-gênero. Não me importo com que gênero uma pessoa nasceu – isso é ilusão de gênero e performance.”
Há uma resistência dentro da comunidade drag masculina? “Tenho medo que as mulheres façam drag? Não. Isso é brilhante”, elogia Scottee. “Há muita misoginia por baixo do drag histórico. Usar a expressão ‘se tornar peixe’ significa se tornar mais feminina – isso veio da percepção dos gays de que a vagina das mulheres cheira a peixe. Não quero ser parte daquele mundo.”
Um mundo onde homens e mulheres, do reduto de Lily Savage aos clubes sociais do norte e às boates sujas dos subúrbios de Londres, podem se vestir, dançar, cantar e se pintar em uma identidade que oscila acima da nossa noção tradicional de sexo e gênero é muito mais legal.
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Tradução: Marina Schnoor