Benfica e Rui Pinto. A detenção do alegado “Bin Laden informático” do clube da Luz tornou-se pífia?

o hacker Rui Pinto

A cadência de notícias à volta do assalto aos e-mails do Benfica ganhou impulso, na última semana, com a detenção do hacker Rui Pinto em Budapeste. Quando na quarta-feira, 16 de Janeiro, foi noticiado que o jovem de Gaia tinha sido “apanhado“, parecia que estávamos nos Estados Unidos no dia em que Osama Bin Laden tinha sido morto pelas operações especiais no Paquistão.

A euforia tomou conta da comunidade benfiquista e alguma comunicação social reflectia esse sentimento de felicidade com parangonas nos sites da imprensa, nos canais televisivos e debates sobre o sucedido. O dia era de total contentamento, como se o início do fim do “mal” que afecta os encarnados há ano e meio tivesse sido, finalmente, “abatido”. Puro exagero. A novela à volta do suposto pirata dos e-mails das “águias”, ainda tem muitos episódios pela frente.

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Vê o primeiro episódio de “Cyberwar”


Fora dos relvados, o futebol português tem estado atolado de casos. Ao olharmos para o que se passou (e passa) com as três maiores instituições, é com enorme tristeza que nos deparamos com situações inóspitas que atingem o coração da verdade desportiva. Um mundo (ou submundo, para os pessimistas) que contribui para que não haja um ambiente saudável e transparente na modalidade, nomeadamente na principal Liga. Para ganhar a qualquer custo, são aparentemente utilizadas formas ardilosas para atingir os três objectivos centrais: ser campeão (ou, no mínimo, ficar em segundo), ter acesso à mina de ouro da Champions e enfraquecer os rivais.

Os processos que “Doyen” aos adeptos encarnados e os advogados de peso que defendem o hacker do Football Leaks

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Enquanto ninguém avança com um filme sobre os e-mails do Benfica, nunca é demais rever a “caçada” a Bin Laden em “Zero Dark Thirty”, lançado em 2012, com realização de Kathryn Bigelow e com a actriz Jessica Chastain no principal papel. (Foto cortesia Columbia Pictures)

Desde o final do semestre de 2017, é o clube da Luz que tem estado sob fogo cerrado. Com a divulgação da sua correspondência electrónica (onde fica no ar um eventual benefício para conseguir os resultados vitoriosos durante o tetra), as campainhas soaram e as autoridades começaram a averiguar.

Os processos nasceram (“Emails“, “Mala Ciao” ou o caso de branqueamento e fraude fiscal) e, no E-Toupeira, confirmou-se a ida a julgamento do antigo assessor jurídico, Paulo Gonçalves, pelos crimes de corrupção, violação do segredo de justiça, peculato e acesso indevido de informação. A SAD, para já, está fora de perigo – fica pendente do resultado do recurso do Ministério Público.

É por este conjunto de nódoas na história recente do SLB, que se instalou no seio benfiquista a sensação de que o prioritário é descobrir quem é o pirata informático que roubou as milhares de mensagens privadas (fala-se de mais de dez anos de informação confidencial oriundo de diversos profissionais) e afastar o foco do conteúdo nelas inscritas. Basicamente, o que se pretende é chegar à cúpula azul e branca (que, diga-se, está longe de ser composta por anjinhos). Como foi o Porto Canal a divulgar a matéria sensível incluída nos e-mails, as “águias” concluem que os portistas pagaram por esse dados.

Fortalecendo esta teoria da conspiração, transpirou nos media que o Benfica estaria disposto a conceder um “perdão parcial” se Rui Pinto identificasse quem lhe pagou para entrar nos seus servidores. Já sabia que estava perante o maior clube português, mas fico atónito ao ver que também se sente como um órgão de soberania do Estado (eu e a jornalista Fernanda Câncio que no twitter escreveu “não sabia q o Benfica decidia estas cenas”). E ainda não há ninguém acusado, muito menos condenado, como sendo o pirata de serviço…

Nos dias que se seguiram à detenção de Rui Pinto – que se diz ter sido acelerada depois de ter protagonizado o pretenso ataque à sociedade PLMJ advogados, que defendeu o Benfica no E-Toupeira -, a alegria da equipa liderada por Luís Filipe Vieira esfumou-se. Por aquilo que se foi vendo e lendo, a captura é efectuada por causa de um mandato europeu associado a uma denúncia da Doyen Sports (o hacker teve acesso ilegítimo a contratos de jogadores agenciados pelo fundo de investimentos e, presumivelmente, terá exigido dinheiro para não os mostrar em praça pública). Antes de uma possível extradição para Portugal – que pode acontecer nas próximas semanas -, a juíza húngara decidiu que ficasse em prisão domiciliária.

Os advogados de Rui Pinto (onde se destaca o francês William Bourdon, que já defendeu Snowden e Julian Assange) tentam evitar que o seu cliente seja extraditado. Negam que tenha havido extorsão e, sobretudo, por ser uma peça central do Football Leaks em que somos confrontados com as fugas aos impostos de atletas e outros esquemas perversos nos bastidores do futebol internacional.

Além disso, de acordo com a CMTV, o gaiense não pretende que a polícia judiciária aceda ao seu computador e vários discos rígidos – o que pode dar azo a pensarmos que esconde algo relacionado com um grande de Lisboa. Em complemento, a defesa que está a ser paga pela fundação franco-americana Signals Network (dedicada a apoiar os denunciantes que correm risco de expor informações de interesse público), fez saber que o hacker português tem estado a colaborar com as autoridades francesa e suíça em assuntos relacionados com crimes económicos. Segundo a imprensa detida pelo grupo Cofina, a cooperação também passa por ser uma fonte essencial para a polícia de Las Vegas deslindar o caso Ronaldo versus Mayorga.

Como deu a conhecer tantas caldeiradas, Rui Pinto pode passar longos anos entre os tribunais justificando as “boas intenções” em revelar a podridão existente no desporto-rei (a eurodeputada Ana Gomes é um dos rostos que está do seu lado por expor a “corrupção bem entricheirada“). Muitos agradecem e pedem a sua libertação – como aconteceu, neste passado fim-de-semana, com a claque do Estugarda -, outros acham que o cibercrime deve ser severamente castigado por fanar informação privada.

Uma certeza: o “argumento cinematográfico” desejado por parte da falange que apoia o clube da Luz, deverá continuar na gaveta. O “seu Bin Laden informático” parece estar muito bem protegido.


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