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Politică

Como um partido nanico foi colonizado pela extrema-direita brasileira

A história do PSL é o resumo da política nacional.
Foto: Flickr

A ascensão de Jair Bolsonaro resultou no nascimento de uma nova força partidária no Brasil. Impulsionado pelos votos do capitão presidenciável, o outrora nanico PSL terá a partir de janeiro a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, com 52 parlamentares, apenas cinco a menos que o PT. E será fundamental na próxima legislatura: ou dará suporte a um governo Bolsonaro, ou comandará a oposição num governo Haddad.

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Uma história improvável se voltarmos ao começo de 2018. O PSL nunca havia conseguido eleger mais de um deputado em todas as eleições anteriores que disputou, desde 1998. Em 2006, sua única tentativa anterior de chegar à presidência resultou numa campanha inexpressiva do pernambucano Luciano Bivar, que acabou em último lugar, com apenas 62.064 votos, ou 0,06% dos votos válidos.

A história do PSL começou a mudar no dia 6 de janeiro deste ano, quando o partido anunciou a filiação de Bolsonaro, que até então estava no PSC e negociava com outras legendas, como o PR, do seu aliado Magno Malta, e o Patriotas, que lançou a candidatura do Cabo Daciolo. Um negócio típico do descentralizado e pouco politizado sistema eleitoral brasileiro, com quase 40 partidos e ideologia ao gosto do freguês.

“O PSL era um partido do rol dos chamados nanicos, que tradicionalmente negociam a venda de seus espaços nos horários de rádio e TV, e foi literalmente colonizado por Bolsonaro, seus filhos e apoiadores, que precisavam de um partido para chamar de seu e sustentar a candidatura. Esses partidos aliam-se a quem fizer a melhor oferta. O PSL estava disponível, no `mercado´. Foi uma negociação, que o nosso sistema partidário permite”, avalia o jornalista João José de Oliveira Negrão, professor universitário e doutor em Ciências Sociais pela PUC.

Não foi uma negociação tranquila: meses antes, o PSL havia recebido em massa a filiação de adeptos do movimento Livres, que defende o liberalismo de forma radical, tanto na economia, com a redução ao máximo do intervencionismo do Estado, como nos costumes, com a liberação da maconha e do casamento gay, entre outras pautas relacionadas às liberdades individuais.

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Com a entrada de Bolsonaro, que já chegou com seu slogan “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”, o grupo deixou a legenda e preferiu se estabelecer como um grupo apartidário. Nesta semana, emitiu comunicado dizendo que não apoia o capitão, tampouco Haddad, e que está pronto para fazer oposição ao próximo governo. Entre as lideranças do grupo está Sérgio Bivar, filho de Luciano, o presidente afastado da legenda – ele ainda aparece, contudo, como membro do diretório nacional do PSL.

Partido de um homem só

Até abril deste ano, o PSL era basicamente o partido de Luciano Caldas Bivar, que na campanha presidencial de 2006 ganhou certa fama por aparecer no Jornal Nacional todos os dias em suas atividades de campanha, um acordo que fez com a TV Globo para abrir mão do direito de participar do debate entre os candidatos. Empresário, Bivar também tem seu nome ligado ao Sport Recife, clube do qual foi presidente em três ocasiões. Na última delas, em 2013, causou certa celeuma ao dizer que, numa passagem anterior, em 2000, pagara uma comissão para que o técnico Emerson Leão convocasse o volante Leomar para defender a equipe nacional. O político não disse que foi o destinatário da propina; Leão negou ter recebido qualquer coisa; e a história morreu sem maiores consequências.

Luciano Bivar foi o presidente do partido desde 1998, quando a legenda foi registrada pelo TSE, até 2018, quando se licenciou e entregou o posto a Gustavo Bebiano, aliado de Bolsonaro e um dos principais articuladores da campanha presidencial. Bivar candidatou-se a deputado federal e elegeu-se como o sétimo mais votado do Estado, com 127.943 votos. Sua campanha foi praticamente toda bancada com verba do PSL extraída do fundo partidário: R$ 1.800.000 dos R$ 1.942.000 recebidos pelo futuro parlamentar. Para se ter uma comparação, o deputado mais votado do país, Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável, recebeu exatos R$ 198.541,27 em doações, sendo apenas R$ 60 mil do diretório regional do PSL. Eleito por São Paulo, Eduardo teve o recorde nacional de 1.843.735 votos para a Câmara.

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Luciano Bivar, ao centro, faz campanha para Bolsonaro; seu filho Luciano e parte dos antigos membros do PSL deixaram a sigla. Foto: Facebook/ Reprodução

A entrada do capitão e de seu grupo (que conta com, além dos três filhos de Bolsonaro, Janaína Paschoal, Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Major Olímpio) acabaram com a ideologia liberal que até então dava nome ao partido. O partido segue pregando em sua página na internet o liberalismo econômico, dizendo que “o Estado deve se intrometer o mínimo possível na vida econômica do país”, mas, ao contrário de antes, defende o conservadorismo, para preservar os costumes e as instituições.

“Praticamente não há mais partidos liberais clássicos, ainda mais no hemisfério sul”, explica o professor João Negrão. “Todos eles foram colonizados pelo neoliberalismo, uma mistura tóxica de desregulação econômica (o ‘livre mercado’ sem peias) com um conservadorismo comportamental acentuado e uma certa desimportância para os valores democráticos de direitos civis e sociais”, completa.

Menos o partido, mais a pessoa

Para o cientista político, a ascensão de Bolsonaro cristaliza o fenômeno brasileiro de que a política está centrada nas pessoas, especialmente nas figuras mais carismáticas, e não nos partidos ou nas questões ideológicas. “Nossos partidos ainda dependem de suas principais lideranças”, diz. “Dá pra dizer que, na história recente, pós redemocratização, PT e PSDB vinham construindo outra lógica. Mas a dinâmica do cenário elevou a centralidade de Lula no PT e o PSDB após a eleição entrou numa crise que pode levar à dissolução ou a um racha bastante importante no partido.”

Seja qual foi o resultado da eleição, o professor Negrão prevê dificuldades na lida do presidente com o Congresso, “se mantidas as regras democráticas, frise-se”, por causa do aumento da pulverização, já que a Câmara terá nada menos de 30 partidos representados, além de um outro problema. “Nosso Congresso tem uma confusão extra que são as bancadas corporativas: da bala, da Bíblia, do boi. Elas perpassam os partidos, por isso será necessária habilidade política e mobilização popular, especialmente no caso de vitória de Haddad. Já Bolsonaro pode contar com parcelas expressivas das corporações do Estado”, explica.

Para o especialista, só uma reforma política que reduza a quantidade de legendas pode mudar essa situação. “O mecanismo para termos partidos de perfil mais claro passa pela cláusula de barreira e por alterações no sistema eleitoral que tornem o partido mais importante que os indivíduos, como ator coletivo central das democracias contemporâneas”, explica. A cláusula de barreira já está em vigor nesta eleição, mas não proíbe a atuação dos partidos, embora imponha limitações a sua atuação, como o não recebimento de verbas do fundo partidário e a ausência no horário eleitoral. Entre os 14 partidos reprovados no quesito estão a Rede, de Marina Silva, e as legendas dos dois candidatos a vice que estão no segundo turno: o PC do B de Manuela D’Ávila e o PRTB do general Hamilton Mourão.

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