Nossos pitacos sobre o Melhor Filme do Oscar 2018
Cena do filme A Forma da Água. Crédito: divulgação

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Nossos pitacos sobre o Melhor Filme do Oscar 2018

O que os maiores sommeliers do cinema alternativo têm a dizer sobre quem leva a estatueta de Melhor Filme.

Olá, amantes da sétima arte. No próximo domingo (4) teremos nossa noite dominada pela enxurrada de comentários e memes provenientes da maior celebração do cinema mundial, o emperiquitado Oscar. Assim como boa parte dos seres humanos do universo, o time da VICE Brasil adora uma discussão acalorada sobre futebol, política, transas, religião, e, claro, filmes. Não somos um Maurílio Palestrinha, super dotados de conhecimento cinéfilo, mas amamos a sétima arte e, por isso, convidamos alguns dos nossos colaboradores para resenhar os indicados na categoria "Melhor Filme", tida como o ápice da noite. Leia abaixo o que os maiores sommeliers do cinema alternativo têm a dizer sobre os concorrentes.

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CORRA!

Tem esse papo que às vezes a gente mete nas redes de "Estamos em 2018, você pode comprar um iate e animal selvagem online, mas ainda tem gente que…", aí vem o link para alguma notícia de vida de cão, ou um mais uma asneira do Bolsonaro, etc. Corra! é um filme escrito e dirigido por alguém – Peele Jordan, que já arrepia faz tempo no Key & Peele e estreou como diretor neste – que está claramente de saco cheio de ver os mesmos roteiros repetindo as mesmas gags de gênero do mesmo cinema sendo filmado pelos mesmos diretores de sempre escalando os mesmos atores de sempre para repetir o que já fizeram em outros filmes iguais em que eles interpretavam pequenas variações de si mesmo. O filme da geração "woke", que adquiriu consciência e, apesar do terror psicológico e físico exercido por quem detém o poder (aqui, no caso, brancos bem educados do condomínio playba), encontra formas de romper, nem que seja individualmente, esses grilhões.

E o que eu acho excepcional no Corra! é que o Peele conseguiu transformar esse sonho de insurreição e liberdade num filme que efetivamente consegue fazer tudo o que o Tarantino sempre sonhou, mas jamais conseguiu: costurar um filme que vai pra lá e pra cá entre terror/thriller/gore/David Lynch/ficção científica/comédia de maconheiro e sei lá mais o quê sem perder o ritmo do samba; a história é contada da forma que ela precisa ser contada, e, sei lá, para mim cinema é basicamente isso aí, o equilíbrio da forma e do conteúdo, o resto é palestrinha de faculdade. Enfim, a única coisa BOA e JUSTA que o Oscar esse ano pode fazer é dar o prêmio de Melhor Filme e Melhor Diretor aqui, reconhecendo que a nova força criativa do cinemão blockbuster é sim a dos pretos, com Corra!, Moonlight no ano passado, e Pantera Negra correndo por fora no quesito Filmes para Ganhar Milhões de Dólares. A galera acordou e tá arrepiando, fazendo mais e melhor. Quem não reconhece, você sabe, tem um meme…

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– Eduardo Roberto, editor que torce por Corra!

O DESTINO DE UMA NAÇÃO

Gary Oldman está no papel de um personagem real, um dos ingleses mais importantes de todos os tempos, que inspirou toda uma geração, enchia a lata desde o café da manhã até a hora de dormir, fumava que nem um louco, adorava os holofotes, e era visto por muita gente como a pessoa errada pro trabalho. Poderia ser um revival de sua interpretação inesquecível de Sid Vicious dos Sex Pistols em Sid & Nancy, de 1986, mas dessa vez ele interpreta Winston Churchill, assumindo a posição de primeiro ministro, em meio aos ataques relâmpago de Hitler contra a Europa no início da Segunda Guerra Mundial.

O Reino Unido estava sozinho, a situação era desesperadora, eles provavelmente seriam esmagados a qualquer momento e era praticamente consenso entre o comando britânico que uma paz negociada seria a melhor escolha. Churchill pensa diferente e entre um misto de embriaguez, arrogância e orgulho, com um domínio majestoso da retórica, ele inspira uma nação inteira a resistir com discursos memoráveis.

O filme traz uma recriação histórica impecável, uma iluminação sempre em fachos de luz, o visual minimalista, claustrofóbico, combina muito bem com a sensação que o país sente. Gary Oldman é genial e irreconhecível no papel de Churchill. Ele é minha aposta para levar o prêmio de melhor ator, junto com sua equipe de cabelo e maquiagem, mas o de melhor filme, eles não levam.

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– Jean-Louis Manzon, criativo, torcendo por A Forma da Água

DUNKIRK

Enquanto ainda não existiam filmes do Bruce Lee e Velozes e Furiosos, acho que o gênero dickflick era o amálgama de filmes de guerra e Velho Oeste. O John Ford, saca? Tiro pra todo lado, inimigos e mocinhos bem definidos, naturalismo paisagístico cinemático, o tom épico. A Hollywood que os nossos avós compreendiam como sendo O Cinema. Lá se vão uns 60 desde que esse tabu aí foi quebrado, por mil motivos, mas o Nolan está sempre utilizando esse universo do Cinemão Clássico na sua obra, e sempre com muito sucesso. O Dunkirk é o filme dele que mais bebe nessa fonte, e é maravilhoso por isso. Eu não manjo muito dos detalhes históricos da Segunda Guerra e tal, e admito que passei 75% do filme achando que Dunkirk era na França e não entendo direito a enrascada da estratégia militar ali, mas, porra, é impossível você não se emocionar com história de guerra, não se comover com os soldados todos fudidos lá, sem pai nem mãe, encurralados numa praia, abandonados pela frieza logística de uma guerra moderna. E a cena dos aviões é um absurdo, cinematograficamente e emocionalmente falando. Eu acho que vão sobrar uns prêmios técnicos pro Nolan, o mais reaça — e, consequentemente, anacrônico — dos diretores fudidos da nova geração, e realmente num tem muita novidade de linguagem aqui, nem um argumento mais amplo (digo, é um filme de guerra, é tudo meio literal, não?), e tem inevitavelmente aquele cheirinho de VELHO, que eu amo e apoio. É fudido, mas Corra é melhor. – Eduardo Roberto de novo, o cara que torce por Corra!

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A FORMA DA ÁGUA

O mexicano Guillermo del Toro é aquela criança que não fica satisfeita em ganhar um hand spinner. Ele quer o mais topson, o mais foda, o que brilha, que tem laser, led e passa café. Ele precisa esfregar na cara da rua toda que o dele é melhor. A Forma da Água é assim. Uma mistura voluptuosa de pretensão, onirismo, Castelo Rá Tim Bum, Tim Burton, novela de criança, de adulto (tem siririca e coito, aliás) para contar a história da faxineira Eliza Esposito (Sally Hawkins) e seu inusitado amor: uma criatura fantástica que conheceu no enorme laboratório secreto do governo norte-americano em que trabalha. Além de dirigir, del Toro escreveu o roteiro em parceria com Vanessa Taylor (roteirista da segunda e terceira temporada de Game of Thrones) e fez um trabalho impecável, sim, porém, chatérrimo. Apesar da atmosfera singela e das atuações maravilhosas (além da protagonista, Richard Jenkins e Octavia Spencer são um show à parte), A Forma da Água é genial e irritante como essas produções enormes que fazem muito sucesso. Ame ou odeie. Quem dá o play vai, sim, querer ver até o final. Mas a probabilidade de desejar suas duas horas de volta é grande. O lance é que o júri do Oscar adora uma grandiosidade, uma história fantástica, sombria, ou seja, todos os elementos presentes no longa. As 13 indicações de A Forma da Água ao Oscar não são à toa. E é quase certo que o prêmio de Melhor Filme tá no papo (assim como de Melhor Diretor). – Débora Lopes, repórter que daria a estatueta para Me Chame pelo seu Nome

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LADY BIRD – A HORA DE VOAR

Fiquei sabendo da estreia de Lady Bird por um amigo e logo pensei "preguiça", me referindo especificamente aos fãs que certas figuras e filmes cativam. Já me parecia certo o frenesi e já até imaginei stills do filme nas capas de perfis de Facebook.

O filme conta a história de uma adolescente, bem, sendo adolescente. Expectativas, insatisfações, frustrações, conflitos. Esses últimos, os mais interessantes são com sua mãe. A relação entre as duas é o ponto alto.

É um filme que já assistimos muitas outras vezes, mas Greta Gerwig o faz seguindo o passo a passo de uma receita de filme indie difícil de errar. Não economiza em referências e visuais para fisgar a identificação dos que viveram o drama da adolescência nos anos 2000. Tais iscas parecem ter surtido efeito na geração saudosista analógico-digital. Além de, óbvio, ter conquistado também os adolescentes atuais. Adolescente é sempre adolescente. Lady Bird é bom, mas não como andam falando por aí. Um filme feito de maneira bem sucedida para ser xodó de muitos.

– Juliana Lucato, coordenadora de brandsolutions que também torce para Me Chame pelo seu Nome

ME CHAME PELO SEU NOME

É um desses filmes que tocam no fundo d'alma tamanha sensibilidade. Baseado num romance de mesmo nome escrito pelo egípcio André Aciman, o longa foi dirigido por Luca Guadagnino e conta a história de um adolescente de 17 anos, Elio, que mora com a família numa cidadezinha no interior da Itália. Sua mãe é tradutora, seu pai é especialista em cultura greco-romana, e todo ano eles recebem um estudante vibes intercâmbio pra passar o verão com eles. Todo mundo super culto, falando três línguas, lendo clássicos da literatura e ouvindo boas músicas. Aliás, a trilha do filme é maravilhosa também – importante dizer.

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O verão que a gente acompanha na tela do cinema mostra a chegada de Oliver, um inglês de vinte e poucos anos com uma beleza escultural, cuja relação de amizade que vai sendo construída com Elio aos poucos permite que o jovem se descubra e se experimente sexualmente da forma mais livre possível. Como deve ser. E aqui, vale dizer que ao contrário do que muita gente pensa, não se trata de um filme erótico homossexual. Apesar de boas doses de sensualidade explícita entre os dois rapazes que protagonizam a história, tudo leva a crer que ambos são bissexuais (o que é suuuper bacana em termos de representatividade LGBT nas produções cinematográficas, e indicações da Academia, inclusive). Sem contar que além de ter pegação hétero também, em NENHUM momento o foco da narrativa é a orientação sexual dos personagens, e sim o desenrolar de um provável primeiro amor. Com todas as dúvidas, medos, dores e delícias que fazem parte desse pacote. Tem que ver!

– Amanda Teixeira, gerente de projetos e na torcida por Me Chame pelo seu Nome

THE POST - A GUERRA SECRETA

A gente sabe: o jornalismo precisa daquela forcinha. Tá todo mundo fodido, né? Salário ruim, stress, camisas feias, dívidas, ideações de fuga. É algo universal; histórico, até. Nos EUA, os caras sacaram com atraso o tal fake news e, agora, tentam salvar o mundo de novos Trumps. Parte da solução, acreditam, é fazer filmes como The Post. Recuperar o romantismo da profissão. Mostrar a beleza de bater sapato. Aquela coisa bem faculdade. Bem oclinho.

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É bonito, singelo, ok. Mas como jornalista de terceiro mundo, posso afirmar: é difícil transformar o pessoal de repartição dos EUA, de óculos de aro grosso e gravatinha, em heróis globais. Não há carisma, não há cor. Os caras tão lá, com seus tiques e cafés, e são chamados para escrever sobre controverso relatório do governo durante a Guerra do Vietnã. É, sem dúvida, um dos plots mais desanimadores de todos os tempos. Para completar, as ações conseguem ser piores do que filmes de crises financeiras (outra moda da escolinha hollywoodiana): explicações tolas, diálogos de dar sono, personagens inócuos.

A direção do Spielberg até que tenta mandar aquele suspense — ligações demoradas, pausas dramáticas, closes tensos, trilhas progressivas —, mas o filme não passa de retrato bem forçadinho dum grande marco do jornalismo. Tentei curtir, não rolou. Faltou beleza, achei. Seria mais legal ler um livro; ou jornal, sei lá. - Guilherme Pavarin, editor que curtiu bastante Corra!, Lady Bird e Dunkirk

TRAMA FANTASMA

Paul Thomas Anderson retrata a obsessão da maneira mais crua possível. Uma pessoa obcecada é perfeccionista e vive em um mundo paralelo e bem doido. Basicamente, essa é a vida pelo costureiro Reynolds Woodcock, personagem de Daniel-Day Lewis. A trama se passa em 1950 e o protagonista foi inspirado em Charles James e Cristóbal Balenciaga. Como é de se esperar de PTA, o longa que começa como uma história de um costureiro velho e solteirão se transforma em uma coisa muito doida, perfeitamente acompanhada da trilha sonora de Jonny Greenwood. Apesar de ter um coração que mais parece uma pedra de gelo, Woodcock tem seus momentos ruins, e quando eles acabam, ele ressurge como uma fênix, mais forte do que nunca. Alma – papel de Vicky Krieps, que devia ter sido indicada ao prêmio de melhor atriz coadjuvante –, usa isso a seu favor para fazer com que Reynolds a ame, criando assim, um jogo.

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Além de ser uma ótima despedida de Day-Lewis, o filme é praticamente impecável, roteiro, figurino e direção. Pode não levar o prêmio de melhor filme, mas com certeza não será ignorado na premiação.

– Gabriela Ferreira, jornalista no Destak e convidada a participar porque ninguém aqui da VICE Brasil viu esse filme

TRÊS ANÚNCIOS SOBRE UM CRIME

Depois de passar bons anos investindo em suspenses policiais engraçados que envolvem assassinatos e a máfia (Na Mira do Chefe e Sete Psicopatas e um Shih Tzu), o diretor britânico Martin McDonagh dá um salto qualitativo gigantesco com Três Anúncios para um Crime. Estrelado pela brilhante Frances McDormand (com certeza você vai lembrar dela em Fargo), o filme conta a história de uma mãe inconformada com o aparente descaso da polícia local em relação ao brutal assassinato de sua filha. Com doses cavalares de humor e sarcasmo e passando bem longe do pieguismo, o filme tem um roteiro peculiar e consegue transmitir a emoção que um bom drama precisa passar.

Woody Harrelson e especialmente Sam Rockwell - que, assim como McDonagh, mostra uma evolução considerável em Três Anúncios - também têm atuações bem interessantes. A química entre o elenco do filme é louvável. Capitaneados por Frances, Harrelson e Rockwell - que concorrem, juntos, ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante - constroem de maneira bem intensa o universo criado pelo diretor britânico. Três Anúncios é um drama divertido concebido de maneira propositalmente torta. É denso, mas é leve. É leve, mas é denso.

– Anderson Neco, criativo que premiaria Três Anúncios para um Crime mesmo