"Achar Bolsonaro daora é inadmissível", dispara Rodrigo Lima, do Dead Fish
Foto: Victor Balde/Snapic

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Noisey

"Achar Bolsonaro daora é inadmissível", dispara Rodrigo Lima, do Dead Fish

Com 27 anos completos neste fim de semana e um documentário nos cinemas, a banda de hardcore anda cuspindo fogo enquanto planeja seu oitavo álbum.

Domingo agora, 11 de março, o Dead Fish completa 27 anos de hardcore. Eu acho foda quando bandas de punk/HC envelhecem com dignidade, e este é o caso. Alguns vão apontar o dedo e querer escavar alguma contradição dos caras. Mas, até em seus momentos de discordância, a banda saída de Vitória, Espírito Santo, encravou seu nome na história do som punk BR com uma sólida discografia e uma firme personalidade. Houve um tempo em que eles estiveram com um pé no mainstream, e se pá só não foram completamente deglutidos pelo mercado em face de sua impiedosa crítica social.

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Quando o pai do vocalista Rodrigo Lima o instruiu a ler O Capital já na infância, obviamente que ele não entendeu nada, mas ao mesmo tempo captou alguma essência. Tanto que cresceu com uma sanha de justiça e sempre defendeu os ideais libertários em suas letras e falas, ainda que isso lhe tenha custado alguns enfrentamentos nos shows, na mídia e nas situações cotidianas.

Num momento sintomático da política brasileira, o Rodrigo me contou nesta entrevista que está sentindo pela direita a mesma raiva sentida por ele. E que o próximo álbum será um reflexo disso. Ele também falou do DVD ao vivo lançado há pouco via HBB, do documentário que está pelos cinemas, de sua opção pelo veganismo e curtir hardcore na meia idade.

Noisey: E aí, mano, tudo na paz? Recebi o DVD ao vivo de vocês, a HBB enviou…
Rodrigo Lima: O DVD que saiu nós gravamos no ano retrasado, pra marcar os 25 anos de banda. A gente faz 27 anos agora, dia 11 de março.

Como é ser um hardcoreano da geração X nos dias de hoje?
[risos] Eu li a matéria da VICE sobre o hardcoreano maduro, é bem engraçada! Tem um humor meio cínico, que às vezes nem me agrada tanto, mas esse me agradou. É bem VICE, e tem muito de coisa ali que reflete a dureza do estilo. A ideia é de liberdade, mas o estilo é durão, é sempre muito paradoxal. Aprendi a conviver com isso, cara. Porque acabou que eu me tornei um músico. Me tornei vocalista, então me encaixei naquilo que eu achava que rolava, que fazia alguma diferença.

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Mas você acha que é comum no hardcore a galera passar pelo ciclo da fase punk rebelde, depois niilista, até chegar no figurão de meia idade caricato?
Como é que fala na matéria? “O cervejeiro artesanal” [risos] Eu tenho uma crítica muito profunda hoje ao estilo [HC] porque, além de ele ter se segmentado, acabou se tornando muito uma coisa de moleque branco de classe média, principalmente em São Paulo, e aí vieram todas essas ideias dos caras de classe média. O lance do hardcore ter aberto espaço pra ideias conservadoras, militaristas, essa coisa cross fiteira autoajuda, me incomoda. Não chega a me irritar, mas é uma coisa que eu penso assim: “Que saco!” [risos]

O que era uma contracultura se tornou um negócio movido pelo visual, você diria?
Na verdade, desde o começo tinha essa coisa da raiz visual, sempre teve. Eu vi um documentário inglês sobre hooliganismo e a coisa de eles terem deixado de ser skinhead pra virar casuals, sabe? Começaram a usar roupa da Fila, Adidas, tênis de correr ao invés de coturno, mas no final você vê que existem dogmas muito rígidos que acabaram prejudicando. E, ao mesmo tempo, esses dogmas rígidos também mantiveram alguma essência. É muito difícil situar e dar uma pureza pra coisa, porque já tem muito tempo, né. Mas eu não acredito que o hardcore tenha se tornado só uma tribo urbana e uma coisa estética. Acredito muito ainda que seja uma coisa de contestação mesmo. E continuo me vestindo do mesmo jeito há 30 anos [risos]. Talvez eu também seja um estereótipo ambulante [risos]. Igual o cara da matéria lá! Pô, eu não sabia disso, vou até pedir emprego pra vocês, o cara vai de bermuda tactel pra VICE!? É, no final das contas os estereótipos todos despontam. Não sei o que é não ser um típico cara saído do hardcore do Espírito Santo.

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O que é intolerável pra você, hoje, na condição de punk velho?
Muitas coisas. Com algumas, aprendi a conviver, aceitar. Por exemplo, discurso de neofascista e violência pela violência, é um negócio que não desce. Mas outras coisas são de boa. Eu adoro música bubblegum, por exemplo, tem um cenário no mundo inteiro que é divertidíssimo e ao mesmo tempo é engajado. Vai de cada um, tem aquele que vai querer estar nas gangues das ruas, aquele que vai querer ficar dentro de estúdio fritando e requentando uma estética, ou tentando reinventar. Inadmissível, pra mim, é não ter uma postura, não se assumir.

Aquela última matéria que fiz contigo, em que você falava contra a direita hardcoreana, deu uma boa audiência. Pena que as pessoas continuaram não sacando que vocês são uma banda libertária. Como alguém escuta a letra de “Sonho Médio” e não entende?
As pessoas não entenderam. Tem uma página no Facebook que é tipo assim, “Todo dia um comentário escroto de um fã do Dead Fish”. Você já viu isso? [risos] Cara, se eu tivesse Facebook, essa é uma página que eu seguiria, porque é bizarro. [A página estava fora do ar no momento em que publicamos essa matéria.]

O pessoal que te ataca na internet também vai lá no show torrar o saco?
A gente já passou por algumas coisas. Me apontaram o dedo, me acusando de hiper sexualização da mulher negra e de racista, o que é uma coisa extremamente inadmissível, e que eu, sinceramente, não vou esquecer. Mas a minha postura é muito firme, tenho uma autoestima muito alta [risos]. E é isso desde o primeiro dia, não sei se tem que ser diferente. Sentimos que em alguns lugares do Brasil o público deu uma mudada. Alguns lugares do Sul deram uma mudada, Espírito Santo, Rio. É bizarro, como todo mundo sabe que achamos esses carinhas de direita pessoas abjetas, esse pessoal sumiu dos shows.

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Você curte carnaval? O que achou do desfile da Beija-Flor este ano, que fez um protesto lá?
Os caras do carnaval desse ano foram mais punks do que muita gente, foi muito inesperado pra mim, e torço para que a molecada que está vendo o carnaval de hoje entenda como uma coisa contestadora e ao mesmo tempo punk. O que aquela escola de samba fez na cara da Globo eu sonhei em fazer a minha vida inteira!

Quem é o maior tirano da sociedade, em sua opinião?
Eu tô lendo uma coisa sobre o Deus Mercado. É bizarramente vexatório uma pessoa que não tem saúde, educação, investimento de curto e médio prazo em commodities, achar que se o mercado está bem, as coisas estão bem. Não. Empurrar isso pra uma classe que nunca teve nada?! E o maior criminoso não é o pentecostal, não são as famílias da mídia, eles são criminosos bizarros e tal, mas eles têm uma visão jagunça da coisa. O mais criminoso é o da bolsa, que mantém o mercado “bem”. O banco, o especulador, enquanto ele estiver ganhando dinheiro, não importa se tá todo mundo morrendo, se as liberdades estão desaparecendo e as pessoas estão ficando sem educação. O que importa é ganhar o dinheiro e foda-se.

Considerando a sua militância, não aparecem uns caras de direita querendo levar uma?
Tenho uma postura muito forte e as pessoas sabem, as pessoas não abrem mais tanto a boca na minha presença. Sabe quando rola aquele clima de merda? Aquele clima: “Vamos falar sobre o quê?”. “Nossa, a comida está ótima!” É importante que as esquerdas se esforcem para chegar a uma unicidade. As esquerdas não precisam se amar, é igual no hardcore: você não precisa amar aquele cara, aquela coisa “a nossa crew”, da união e tal. A gente não precisa se amar mais, mas precisa de pautas unificadas, cara. Precisa estar na base, ter uma bandeira em conjunto, se não, virá um rolo compressor que vai ser foda.

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O que pensa dos caras que acham Bolsonaro daora?
Achar Bolsonaro uma parada daora é inadmissível. Aí que a coisa azeda. Esses caras têm um plano muito bem arquitetado, que atinge desde a minha filha até o tiozinho que vai se aposentar. Eu entro nessa neura da conspiração.

São tantos anos berrando, isso não deu uma zoada na sua voz? Ou você tem uma técnica?
Eu fui obrigado a me tratar, né. Porque quando foi fazer o Zero e Um eu já tinha fenda glótica, calo e edema [risos]. Decidi não me operar, pois tenho horror a médico. Aí com o tempo, fazendo fono, foi melhorando. Os caras falavam: “Você é do hardcore melódico, mas seu vocal é ridículo, desafinado.” Aquilo me afetou profundamente. Aí procurei aulas e fiquei um tempo. Nunca fico muito tempo, sei lá porque. Mas acho que minha voz é melhor hoje, mesmo um pouco mais gasta. Ainda tenho esses problemas, o edema desapareceu, e a fenda glótica está sob controle porque eu faço exercício vocal. Mas o calo aumenta e diminui. E eu não canto tanto com a técnica, né. Até tento. É que, no hardcore, se você cantar com técnica vira o super afinadinho, o André Matos da parada [risos]. Não é o que eu quero, definitivamente. Meus pontos de referência são uns caras ogros, Henry Rollins, sacou? Pessoas que não são cantores.

O que dá pra fazer pra manter a potência vocal nos shows?
Nunca enchi o caneco antes ou depois de show, só em fim de turnê, aí sim eu falo que vou estragar tudo, encho a cara, arrumo briga, quebro coisa, choro, rolo no chão. Sou aquele babaca clássico! [risos]. Mas, durante as turnês, não. Procuro não enfiar o pé na jaca, não sou um cara de drogas, então não sei o que é maconha ou pó pra voz. Cana, sempre fui disciplinado, pó e maconha, nunca fui um usuário rotineiro. E outra coisa: sou vegetariano vai fazer 30 anos. Parabéns pra nóis nessa porra!

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Trinta anos? O que acha de quem fica vegetariano uns tempos e depois volta a comer carne?
Eu não respeito, não, cara. Cumprimento, mas penso, “Puts, o cara regrediu.” Retroceder nesse nível, pra mim, realmente não dá… Agora eu sou vegan, né, já há três anos e meio.

Eu sou new school perto de você, não como carne só há 22 anos. Parei em 96.
Céloko! Foi guerreiro também [risos]. Em 96 era só milk soy, Edu!

Só tinha Muppy e leite de arroz do Emerson Fittipaldi, mallander, era tenso! [risos]
Hoje em dia a gente tem tudo. Eu me tornei vegan gourmet [risos], tiro até foto! Mas nas antigas era muito estranho, eu me lembro do Juninho, do Ratos, me contando as histórias, de quando eles chegavam, assim, na Espanha, e era batata com manteiga, morcilla, ramón e coisa de queijo. Ele conseguia, às vezes, um arroz, um biscoito. Aí eu perguntava como ele conseguia se aguentar, e ele dizia: “Brother, é do sangue.” Isso em 96.

Tá rolando um documentário do Dead Fish nos cinemas. Como é essa história?
O documentário não foi lançado fisicamente nem no YouTube, essas coisas, porque os diretores quiseram exibir nos cinemas, naquela coisa por demanda. Tentamos oito cidades do Brasil e conseguimos quatro. Em São Paulo, a gente fechou o Itaú Cultural lá da Augusta numa segunda-feira. Mas, enfim, estamos segurando pras pessoas saírem de casa, não ficarem vendo nos seus telefones e laptops. O documentário é bem honesto, e juntando com essa coisa de botar nos cinemas, eu achei genial.

A banda continua compondo? O que vem pela frente?
Estamos fazendo um disco novo, em 2018, o ano do Apocalipse. Estou compondo já desde o ano passado, e estou sentindo a mesma raiva que a direita sente de mim. Estou procurando temperar isso com alguma coisa, sei lá se vou conseguir. Tem umas bases prontas também. Eu pedi que o disco fosse bem melódico, mas não sei se vai ser possível com um baterista como o Marcão [risos]. E o Rick também não é muito ligado àquelas bases oitavadas, é um cara mais guitar hero, assim. E isso é uma crítica, não um elogio [risos]. A gente que é velho, se digladia muito menos do que anteriormente. O Vitória foi um disco que, apesar da depressão do Negão, foi feito com muita calma. Hoje em dia preferimos fazer as coisas assim. É melhor surfar uma onda por mais tempo do que tomar caldo de primeira. Vamos gravar uma demo aí, vai sair umas quatro faixas, pelo menos. Mas a gente quer lançar o álbum. Não dá pra ser millennial nesse nível, de ficar lançando faixas avulsas.

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