Holger. Foto por Henrique Tarricone
Foto por Henrique Tarricone

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A discografia de verão do Holger acabou

Em 'Relações Premiadas', o quinteto paulistano mostra que sua juventude e a ideia de um país em pleno progresso acabaram.

Lá pra 2010, com o lançamento do álbum Sunga, o Holger parecia catalisar toda a vigorosa juventude de uma geração de paulistanos com seus indie-rocks ensolarados, cantados em língua inglesa. Uma juventude, afinal, que não tinha muito com o que se preocupar: antes do caos político brasileiro, restava ao quinteto falar sobre suas aflições e conflitos pessoais e, ainda assim, com uma dose de otimismo.

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Mas a situação do Brasil foi ficando mais nebulosa a cada ano que se passava (o que já havia sido sentido pelo Holger no EP Sexualidade e Repressão, de 2016). A juventude dos membros da banda também foi batendo na porta com o tempo, e os filhos, contas e responsabilidades foram tomando o lugar dos romances adolescentes. Tudo isso se mostra no novo trabalho da banda, Relações Premiadas, lançado pela Balaclava Records na última sexta (9).

Além de tratar de temas mais complexos, Relações também é um retorno à forma pro Holger: abandonando as firulas, o grupo parte pro indie rock reduzido aos seus elementos essenciais e segura a mão nos efeitos, produção e participações. O resultado é um trabalho que se comunica de forma mais direta e madura.

Conversei por e-mail com Marcelo Altenfelder, o Pata, e Pedro Bruno, o Pepe, sobre as novas direções da banda e o conservadorismo do rock nos últimos anos. Leia e escute Relações Premiadas abaixo:

Noisey: Relações Premiadas é o disco mais curto do Holger. Havia pouco a dizer ou as mensagens eram mais simples?
Pepe: Apesar de mais curto, esse é o disco que mais tinha o que dizer, e as mensagens eram muito mais complexas e preocupantes do que os anteriores. Nós vivemos anos de sonho e alegria e de passos importantes para a construção de um país e mundo melhor. Tudo isso refletiu na discografia de verão, como dizem. Hoje a festa é vigiada, acabou o verão e temos que subir a serra a pé, passo a passo.

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Pata: Todo esse disco, da composição à finalização, aconteceu de forma bastante natural. Neste intervalo entre discos muita coisa no mundo e na maneira de vivenciar a vida e sociedade mudou. De repente bateu um senso de urgência, qualquer coisa que fosse a mais pareceu supérflua. Chegamos a descartar quatro músicas do disco, julgamos ser necessário uma mensagem concisa, simples e rápida.

"Não Posso Aceitar", "Preciso Dormir" e "Não Vou Me Distrair"; o Holger parece estar tentando convencer a si mesmo de diversas coisas. Tem sido difícil focar?
Pepe: Tem sido difícil aceitar, dormir e focar. Tem sido mais difícil pra cada um na banda e na vida. Mais idade, mais responsabilidade, mais trabalho, mais filhos, mais preocupações com o futuro. Acho que se convencer disso é um bom caminho para tentarmos estar mais juntos nos momentos de união, na banda e na vida.

Pata: Sim, é importante aceitar finais de ciclos e estar atento, pronto para o que vem pela frente. No caso, essas três músicas funcionam como lembretes da necessidade de estar atento e desperto.

Apesar das guitarradas, Relações Premiadas para seguir uma forma um pouco mais minimalista que os trabalhos anteriores da banda. Como isso rolou?
Pepe: O processo foi simples: falta de tempo. Precisávamos bolar uma maneira de gravar o disco o mais rápido e prático possível. As músicas já estavam prontas, sendo tocadas em ensaios e shows, então resolvemos que gravar ao vivo era o único caminho possível. Isso levou o disco a ter essa cara mais banda crua, tocando junto. No final era o que as músicas pediam mesmo, uma roupagem mais clara e direta.

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Pata: Queríamos muito fazer um disco fácil e rápido, nossos últimos discos sempre tiveram mil canais, muitos produtores, convidados. Chegávamos a gravar mais de 20 guitarras por música no Ilhabela. Queríamos voltar ao simples tanto para tocar quanto para ouvir. O disco foi gravado ao vivo em um feriado, fizemos questão de gravar só o mínimo necessário.

Quão diferente é o processo criativo de um álbum hoje para o Holger do que era há 10 anos, logo após a formação da banda?
Pepe: Nos discos anteriores, a gente fazia tudo junto. Música, letra, arranjo, etc. Esse foi mais focado em composições individuais. Acho que funcionou bem para que as mensagens fossem mais claras e concisas.

Pata: Acho tão diferente quanto próximo; se por um lado amadurecemos, [também] vivemos intensamente esses anos, tanto pessoalmente quanto como uma banda, e isso tudo obviamente reflete no som. Hoje, cantamos exclusivamente em português. A temática que nos envolve também mudou muito, acompanhou a vida pessoal. Apesar dessas mudanças, retomamos uma leveza que tínhamos antes e também sentimos poder assumir o que somos, com todos os nossos defeitos e imperfeições.

Sei que Charles Tixier participou da produção dos dois álbuns da Luiza Lian. Os outros membros do grupo também participaram de outros projetos desde o último álbum da banda? Se sim, como foi juntar todas essas novas experiências num novo disco?
Pepe: O Charles é um gênio, um músico incrível, um produtor de mão cheia, um fofo, uma pessoa extremamente amável e inacreditavelmente modesto. As vezes a gente se assusta com a quantidade e qualidade de conteúdo que ele domina. De música e de tudo. Ele foi muito importante na produção do disco novo, junto com o sexto Holger Gui Jesus. De outros projetos acho que só o Tché, que está com o Paradas, banda só de monstro sagrado: Tché, Rubens Adati e a lenda Sérgio Ugeda.

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Pata: Charles é o único da banda que é exclusivamente músico e acaba, também por tudo isso, ventilando muito a banda. O intercâmbio dessas experiências musicais e também vindas das demais áreas e experiências nos ajuda muito. O inverso também é verdadeiro; ser Holger nos ajuda também nos demais papéis da vida.

A necessidade de falar de política vem da responsabilidade ou de precisar de um expurgo emocional?
Pepe: A necessidade de se falar de política nunca esteve tão presente. É preciso debater, rebater e estar muito atento ao que aconteceu, acontece e pode acontecer. O Holger acredita num mundo mais igual, livre e pacífico. Não aceitamos qualquer perseguição a minorias de qualquer tipo. Não podemos aceitar o descaso social, cultural e ideológico que está surgindo.

Pata: Escrevemos sobre os temas que nos chamam a atenção, os temas que dominam nosso afeto. Desde 2013 julgo ser impossível se alienar da vida política. Não foi algo proposital, mas consequência de como vivemos e vemos o mundo. Acaba sendo uma espécie de expurgo emocional, sim. Bandas não precisam compor músicas políticas, isso me parece claro. No entanto, deixar de se posicionar neste momento me parece umbiguismo demais.

O rock (mainstream) vem sendo pano de fundo para diversos embates ao longo dos últimos anos, e se tornou mais do que nunca uma trilha sonora conservadora. Como é tentar escapar desse rótulo? Quem hoje em dia, pra vocês, também faz isso?
Pepe: O conservadorismo no rock vem se desenhando como um papagaio, ele escuta e repete. Não se da o trabalho de escutar, pensar, escutar de novo, refletir e discutir. A música, como qualquer forma de expressão artística, é uma plataforma para exteriorizar questões pessoais. Se alguém sobe num palco e canta para milhares, ou lança um disco que pode ser ouvido por qualquer pessoa no mundo, provavelmente ele tem algo a dizer, algo para ser refletido. Não acho que seja um uma questão única do rock. É um descaso geral com cultura e educação que aponta para esse futuro: uma população incapaz de entender o que está cantando enquanto filma o show inteiro para as redes sociais.

Pata: Não me importo muito com a pecha de rock. Talvez sejamos isso também, não há como escapar ou por que se enquadrar. Não tanto em relação ao estilo mas a maneira que a banda é levada, como se posiciona e se mostra, nos coloca muito mais interessados por bandas como Lupe de Lupe, Luiza Lian, Garotas Suecas, Francisco El Hombre, Polara, Letrux, Carne Doce, Raça, Terno Rei, Negro Leo entre tantos outros que por regra com certeza esquecerei de citar.

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