Saúde

Achar que você é ruim de matemática causa um tipo específico de ansiedade

Muita gente precisa superar o que é conhecido como “trauma matemático”.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
Man signing a check in a restaurant
Westend61 / Getty Images 

Eu ensino pessoas a ensinar matemática, e trabalho nesse campo há 30 anos. Em todas essas décadas, conheci muitas pessoas que experimentam graus variados do que é conhecido como trauma matemático – uma forma de desligamento mental debilitante quando se trata de fazer contas.

Quando as pessoas compartilham suas histórias comigo, alguns temas em comum sempre surgem: alguém dizendo que eles “não eram bons em matemática”, entrar em pânico fazendo provas, ou ficar atolado num tópico e sofrer para superá-lo. Os tópicos variam muito, desde frações até aulas inteiras, como álgebra ou geometria. A noção de quem é – e não é – uma pessoa matemática guia a pesquisa que faço com meus colegas.

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Um dos maiores desafios dos educadores de matemática é ajudar um grande número de professores do ensino fundamental que estão lidando com trauma matemático. Imagine ter que ensinar matemática para crianças quando esse é um dos seus maiores medos pessoais. Trauma matemático se manifesta como ansiedade ou pavor, um medo debilitante de estar errado. Esse medo limita acesso a caminhos da vida para muitas pessoas, incluindo escolhas de escola e carreira.

Enquanto o trauma matemático tem várias fontes, tem algumas onde pais e professores têm o poder de influenciar diretamente: ideias datadas do que significa ser bom em matemática, por exemplo. Isso inclui velocidade e precisão, que eram importantes nas décadas passadas quando humanos precisavam ser os computadores.

Mas pesquisas confirmaram o que muitas pessoas compartilham como exemplo: ligar velocidade com computação debilita os alunos. Pessoas que sofrem para completar uma prova de matemática no tempo certo geralmente experimentam medo, o que acaba desligando sua memória operacional. Isso torna impossível pensar, o que reforça a ideia de que uma pessoa é simplesmente ruim em fazer contas – que ela não é uma “pessoa matemática”.

E tem mais, estudantes que têm sucesso em provas de matemática cronometradas podem acreditar que ser bom em matemática simplesmente é ser rápido e preciso em cálculo. Essa crença leva a uma identidade matemática frágil. Os estudantes têm medo de revelar que não sabem alguma coisa ou que não são tão rápidos assim, o que pode afastá-los de trabalho mais desafiador. Ninguém sai ganhando.

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O mito que lembrar rapidamente fatos matemáticos básicos é bom para o aprendizado tem raízes profundas e perniciosas. Isso vem da melhor das intenções – quem não quer que seus filhos sejam bons de cálculo? Mas pesquisas mostram que essa fluência factual (a habilidade de lembrar facilmente de fatos, como 3 x 5 = 15) – se desenvolve melhor primeiro tirando sentido de operações aritméticas. Em outras palavras, o primeiro passo para construir uma memória matemática é entender como a matemática funciona.

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Pular o passo de tirar sentido da matemática rende uma compreensão frágil e memorização cognitivamente cara. Quando a pessoa apenas memoriza, todo novo fato é como uma ilha em si, e é mais fácil de ser esquecido. Em contraste, entender os padrões nos fatos matemáticos comprime a carga cognitiva exigida para lembrar fatos relacionados. Fazer sentido promove uma compreensão mais profunda, robusta e flexível, permitindo que a pessoa aplique o que sabe a novos problemas. Mas o que pais e professores podem fazer para apoiar essa fluência factual?

Primeiro, encontre a maravilha e o prazer: jogos e quebra-cabeças que fazem as pessoas brincarem com números como Sudoku, KenKen ou certos jogos de cartas criam uma necessidade intelectual de usar fatos matemáticos, o que ajuda as crianças a desenvolver fluência factual. Pedir para as crianças explicarem seu pensamento – usando palavras, imagens e objetos – valida a importância de suas ideias.

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Reenquadre erros como explorações. Não ter uma resposta correta não significa que todo o pensamento estava incorreto. Pedir para as crianças explicarem seu pensamento também ajuda a entender o que elas sabem agora, e o que podem aprender em seguida. Questões sobre como uma criança conseguiu a resposta pode fazer ela pensar sobre o que não funciona exatamente e vale ser revisar. Quando você faz essas perguntas, é bom usar sua melhor cara de pôquer; se transmite que a resposta está errada ou certa, você pode reforçar a crença de que só a resposta certa conta.

Segundo, não prejudique. É importante que os pais evitem passar aos filhos a mensagem de que eles não são pessoas matemáticas. Isso pode ter um impacto negativo nas crenças da criança sobre sua própria habilidade de aprender. Além disso, cuidado com afirmações de que é preciso sofrer para aprender matemática.

Para muitos adultos, as aulas de matemática de hoje são muito diferentes das que eles experimentaram. As escolas americanas se distanciaram da velocidade e precisão – algo às vezes chamado de “drill and kill” – em vez disso visando discussão e tirar sentido da matemática. Educadores de professores de matemática concordam que isso é algo bom. Procure pelo sentido profundo do que seu filho está aprendendo, sabendo que conhecimento profundo vem de conectar várias maneiras de resolver problemas.

Se você reconhece que experimentou trauma matemático, escute: Você não está sozinho, e há jeitos de superar esse trauma – começando com o entendimento que a matemática é ampla e bela. A maioria das pessoas é muito mais matemática do que pensa.

Jennifer Ruef é professora de estudos de educação da Universidade do Oregon. Esta matéria foi publicada num formato editado do The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o original aqui.

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