Como ser mulher, segundo as revistas femininas dos anos 1960
Colagem por Lia Kantrowitz.

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Feminismo

Como ser mulher, segundo as revistas femininas dos anos 1960

Lave bem sua vagina, faça um curso de massagem para agradar seu marido e não file os cigarros dele, ok?
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez

Como regra, não curto desconsiderar revistas femininas como um lixo raso e descartável. A sociedade gosta de torcer o nariz para coisas vendidas para e apreciadas por mulheres, o que, sim, é uma baita hipocrisia injusta. Ninguém deveria ter vergonha de ler a Cosmopolitan ou algo do tipo. Dito isso, volte um pouco no tempo e você vai achar boas razões para criticar revistas femininas, razões que não envolvem cagar na cabeça de quem gosta de moda, maquiagem ou decoração. Como aprendi no final de semana, depois de só ler revistas femininas dos anos 50, 60 e 70, tem muitas coisas bizarras enterradas nas páginas empoeiradas dessas publicações. Então vem comigo na máquina do tempo para ver como as mulheres eram ensinadas a ser mulheres no passado. Depois procure sua vó e dê um belo abraço nela.

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Não fale sobre sexo em encontros… Não beije no primeiro encontro… Não se vista para acentuar sua sexualidade

A edição de janeiro de 1957 da Ladies' Home Journal aborda uma questão que está na mente de toda mãe: o potencial para o casamento da sua filha adolescente. Num teste da revista, uma mulher podia saber se sua preciosa bebezinha um dia seria adequada para casamento, respondendo uma série de perguntas sobre a filha. Ela já esteve em encontros às escuras? Ela “se acaricia quando está parada”? Ela “se recusa a ir à igreja regularmente”? Bom, como você pode ter imaginando, esses não são bons sinais.

Na verdade, se sua filha se envolve em 10 ou mais práticas mencionadas no teste (perde a calma facilmente com membros da família, vai a festas… ocasionalmente), a revista alerta: “ela pode ter dificuldade para fazer um casamento de sucesso”. Mas o problema não acaba aí. “Por outro lado, se sua filha é muito pudica, não é muito espontânea e está sempre em estado de conflito, ela também pode não conseguir ter um casamento feliz. Em qualquer extremo, ela precisa de mais compreensão e orientação do que você está dando a ela agora.”

Faça sempre a ducha

Toda edição de Seventeen, Cosmo e Ladies' Home Journal que folheei apresentava duas ou mais propagandas de duchas íntima. Parece que os editores das revistas femininas estavam obcecados com esse negócio. Ou viciados no dinheiro que essa publicidade trazia. De qualquer forma, a mensagem era clara: vaginas são estranhas e devem ser tratadas como um problema a ser resolvido. Claro, agora sabemos que a prática não é recomendada pelos médicos, e pode levar a infecções por fungos, vaginose bacteriana e, em alguns casos, infecções de ovário e útero.

Uma propaganda da ducha Gentle Spring, à esquerda, de 1978. Uma propaganda da ducha Demure de 1969 à direita.

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Mas além da eficácia questionável do produto, temos a maneira como ele era vendido nessas publicações – eles deixavam bem claro que você não podia ser realmente bonita ou manter seu marido se não usasse duchas. “Mesmo os perfumes mais caros do mundo são inúteis se você não estiver segura da sua própria fragrância natural.” Coisas bem escrotas e manipuladoras desse tipo. Mas pelo menos as mulheres daquela época não eram encorajadas a usar desinfetante para higiene íntima. Opa, espera aí.

Aprenda onde fumar

Segundo Peg Bracken, autora de I Try to Behave Myself [Tento me comportar, em tradução livre] um guia de etiqueta para “jovens liberadas” citado numa edição de janeiro de 1964 de Ladies' Home Journal, quando uma dama começa o hábito saudável de fumar, é importante que ela saiba quando e onde é apropriado acender seu cigarro. Bracken, de maneira razoável, sugere que as mulheres não devem fumar em elevadores. Mas também sugere não fumar na rua. Tal ato, ela escreve, “pode dar a ela um ar de Sadie Thompson, beatnick ou lavadeira, dependendo de sua idade e constituição física”.

Além disso, escreve Bracken, uma mulher que fuma deve sempre carregar seus próprios cigarros. “Nenhum homem vai casar com uma mulher que está sempre filando os cigarros dele.”

Mime seu homem

Numa matéria da edição de agosto de 1965 da Cosmopolitan, intitulada “38 Jeitos de Mimar um Homem”, temos um exemplo primordial da longa tradição de listas do tipo nas páginas das revistas femininas. E algumas das sugestões são meio estranhas. Os destaques incluem:

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Não o acorde no meio da noite para dizer que está se sentindo solitária e insegura. Se ele tem um dia difícil pela frente, ele pode precisar dormir.”

Dê a ele aquela atenção completa de antes do casamento quando ele estiver contando o que aconteceu no escritório.”

A ideia dele de nirvana e um vigoroso esfregão nas costas… Em vez de investir tempo nas reuniões de pais e mestres, faça um curso de massagem suíça.”

Se você sabe exatamente por que o motor dele está lento (o motor do carro), não diga.”

Ganhe dinheiro… Como um homem

“A simples verdade infantil (que muitas mulheres ainda não reconhecem) é a seguinte: o jeito de ganhar um salário de homem e ter um trabalho de homem”, escreve Caroline Bird na edição de fevereiro de 1974 da Cosmopolitan. O artigo de Bird, “Como ganhar um salário de homem”, está cheio de dicas desse tipo, além de muitos conselhos para mulheres querendo escalar a escada corporativa sem sacrificar seus charmes femininos.

Você é do tipo que consegue lidar com um trabalho de homem? Bird sugere se perguntar:

Você consegue seguir em frente sem uma dose diária de elogios?"

Você consegue manipular circunstâncias a seu favor?”

Você consegue considerar homens pessoas em vez de objetos sexuais?”

Juro que essa última é verdade, e sobre isso Bird escreve: “Não ria. O mundo do trabalho está cheio de homens, e eles não estão ali para jogos de flerte. Algumas mulheres usam esses meios para chegar ao topo, mas esse não é um meio confiável de mobilidade profissional”.

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É, tá certo.

Além de tudo isso, entenda que a culpa é sempre sua

O Ladies' Home Journal dos anos 60 tinha uma coluna recorrente chamada “Esse casamento pode ser salvo?”, onde o terapeuta William Zehv ponderava sobre as aflições dos casais comuns por aí. Primeiro a mulher contava a história para ele, depois o homem, e aí o bom doutor dava seu diagnóstico e explicava às leitoras como tudo funcionava.

Na edição de janeiro de 1964 de “Esse casamento pode ser salvo?”, Vera, 28 anos, descobria que seu marido, Thad, estava tendo um caso. Também é revelado que o marido, Thad – literalmente o nome dele – tinha sido reprovado na faculdade de medicina e tinha aceitado um emprego como avaliador de seguros na empresa do pai da amante. Quando finalmente confrontado pela Vera, Thad 1) negou tudo, 2) se recusou a aceitar um divórcio amigável, 3) continuou saindo com a outra mulher e mentindo para Vera sobre isso.

Zehv perdoou as mentiras de Thad. Seus erros, afinal, são resultados de uma mãe dominadora e os medos de Thad de que Vera pudesse ser diagnosticada com epilepsia (???). “A mãe de Thad o criou para acreditar que não é masculino admitir erros, fraquezas e ignorância em qualquer campo”, ele escreve. “Ela o ensinou a considerar o fracasso uma calamidade. Então ele se recusou a reconhecer seu fracasso na universidade, escondendo a verdade como escondia pequenas falhas da mãe na infância.”

Ele implora que o casal transe mais. “Quando eles discutiram francamente suas dificuldades sexuais e aceitaram alguns conselhos profissionais, as dificuldades foram gradualmente eliminadas”, escreve Zehv. “O sexo deles se tornou mutualmente prazeroso e mais frequente.” No final, todo esse sexo levou à cura mais fácil para qualquer casamento problemático: um filho! O casal levou o bebê para o consultório de Zehv depois de seis semanas, e o terapeuta de revista ficou feliz com o que viu. “Como terapeuta, fiquei orgulhoso, vendo o brilho em seus rostos como prova de um casamento que vai durar.”

E pronto! Que maravilha de conselho, Will!

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