festival de Pailhasses
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Viagem

O festival que celebra a chegada da Primavera com violência, sujidade e álcool

Todos os anos, os habitantes da vila francesa de Cournonterral assinalam o fim de uma batalha do século XIV... e os visitantes não são assim muito bem-vindos.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE França.

Uma das primeiras coisas que aprendi sobre o festival de Pailhasses é que os estranhos não são muito bem-vindos. Os residentes da pequena vila francesa de Cournonterral preferem que as pessoas não tropecem por acaso no seu festival anual e acabem por se magoarem acidentalmente - por isso, das 15h00 às 17h00 a cada quarta-feira de cinzas as estradas de acesso à localidade são cortadas. Qualquer visitante curioso que lá vá parar por acaso, rapidamente se irá aperceber que as festividades são totalmente pensadas para incluir os residentes - não para receber espectadores. Portanto, se queres observar o caos a desenrolar-se, tens que participar nele, por tua conta e risco.

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Diz a tradição, que o festival recorda a "guerra" que aconteceu em 1346 entre os Pailhasses - os primeiros habitantes de Cournonterral - e os moradores da localidade vizinha de Aumela, causada pelo roubo de madeira de carvalho. Quando a disputa foi resolvida, toda a gente celebrou as tréguas com um bacanal absoluto, em que se abriram barris de vinho para toda a gente beber e, literalmente, rebolar lá dentro.

As especificidades do festival envolvem dividir a vila em duas equipas, os Pailhasses e os Brancos (Aumelasses). A partir daí, o objectivo do jogo é que os Pailhasses defendam a honra de Cournonterral ao perseguirem os Brancos e sujá-los com tudo o que tiverem à mão - sendo que vinho espesso é a arma principal, mas trapos sujos também servem.

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Muitos dos residentes com quem falei dizem que, para eles, o festival é uma livre expressão de caos, destruição e liberdade sexual. Eles são muito protectores da forma como a tradição é representada, especialmente desde a altura em que uma estação de televisão usou um helicóptero para sobrevoar a vila e filmar os acontecimentos sem ninguém lhes ter dado autorização.

Felizmente, concordaram em deixar-me passar lá o dia. Na manhã do festival juntei-me a alguns locais para o pequeno-almoço tradicional de tripas e vinho tinto. As casas e lojas protegidas com lonas e as ruas vazias nas horas antes do arranque do evento - e o vento ruidoso - contribuíam para a sensação apocalíptica que a vila quer para este dia.

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Pequeno-almoço de campeões.

Barris cheios de vinho e borras foram espalhados pela vila. "É um bom ano, porque o vinho está espesso", várias pessoas fizeram questão de me dizer. Depois do pequeno-almoço, chega o momento de vestir os fatos. O que, na maioria dos casos, significa vestir sacos cheios de palha por cima da roupa, usar chapéus cheios de penas de ganso e pele de texugo na cara. A vestimenta completa-se com um pano ou uma esfregona para sujar os Brancos.

Quando é altura de começar, os locais marcham pelas ruas, até chegarem à praça em frente à câmara municipal., onde formam um grande circulo. Quando largam as mãos, começa o jogo - os Brancos fogem e os Pailhasses começam a caça.

Eu fugi e só voltei duas horas depois para fotografar a carnificina. O problema com o meu plano foi que estar limpo nesta fase do ritual é considerado um insulto grave aos locais - ou seja, tornei-me num alvo óbvio. Alguns habitantes que estavam à janela apontaram-me uma rua em que achavam que eu estaria segura, mas antes que me pudesse mexer já estava a ser perseguida por não sei quantos Pailhasses. Felizmente, já estavam cansados depois de duas horas de correria, por isso consegui escapar.

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De volta à praça, inundada do vinho que cobria o resto da vila, as pessoas já tinham começado a despir os fatos - ainda que muitas delas estivessem tão bêbadas que mal conseguiam aguentar-se de pé, quanto mais tirar as máscaras.

Mais tarde nessa noite, a vila foi limpa com mangueiras de bombeiros. Nesta altura, descobri que os rumores de que partes de animais eram usadas como panos ou para mandar uns aos outros eram verdadeiros. A morte faz parte do ritual, explicaram-me - a sua presença é representada por uma selecção de cabeças de animais: javalis, cabras, ovelhas e coelhos.

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Para o caso de tudo isto não ser já suficiente, o festival acaba com cerimónias de execução. Os "executantes" incendeiam bonecos Brancos e Pailhasses. Aparentemente, ambos os lados são considerados "culpados" - iguais aos olhos da morte e do absurdo da nossa existência.

Vê abaixo mais fotografias do festival de Pailhasses deste ano.

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Dois Brancos antes do início do festival.

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Recipientes de vinhos espesso.

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Dois homens à espera que os seus sacos se encham com palha.

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O escadote humano. Os lençóis foram cobertos de vinho e tudo o que de mais nojento as pessoas encontraram pelo caminho.

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A "execução".

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