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Este game quer provar que você não sabe o que é uma sopa

Criado por um filósofo, 'Something Something Soup Something' explora as barreiras da linguagem e cognição.

A palavra sopa em polonês, zupa, pode se referir a um alimento cozido em leite, ou mesmo em sangue: como a czernina, um prato que usa literalmente todas as partes de um pato. Se isso parece estranho pra você, talvez seja porque sopa é uma palavra particularmente difícil de se definir. Pense comigo: canja é uma sopa? Em português temos a sopa, o caldinho, o creme: mas você saberia apontar a diferença entre os três pratos de cabeça? Isso importa? Parece ser difícil encontrar uma resposta definitiva, e o Dr. Stefano Gualeni criou um jogo para entendermos esse processo.

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Something Something Soup Something pode ser jogado no seu navegador e dura cerca de cinco minutos. No game, o ano é 2078: os seres humanos inventaram máquinas de teletransporte e agora utilizam a tecnologia para explorar o trabalho de alienígenas, que são contratados para produzir bens de consumo por salários baixos – incluindo sopas.

Existe um problema: devido às diferenças de "linguagem e cognição", diz a página do jogo, os aliens nem sempre entendem o que nós estamos pedindo. O jogador trabalha em uma cozinha terrestre, e a sua função é decidir o que é e o que não é uma sopa, de acordo com os seus próprios critérios, na esperança de que nenhum de seus clientes morra envenenado.

"Um líquido espumoso com uma fatia de laranja e baterias servido com em um chapéu com um canudo."

Parece fácil quando a "sopa" contém ingredientes como baterias, mas aí você é confrontado com "um líquido espumoso com camarões e pedaços de carne, servido dentro de um côco com uma colher de sorvete", como na imagem que abre a matéria. E agora? O recipiente onde a sopa é servida influencia no seu grau de ensopamento?

Numa conversa, Stefano Gualeni me disse que, "No fim [a definição de sopa] depende da região, do período histórico, da pessoa com quem você está conversando". Gualeni é arquiteto, filósofo e game designer. Ele leciona e produz pesquisa na Universidade de Malta, no sul da Itália.

À maneira dos cientistas e inspirado por experimentos linguísticos dos anos 70, Gualeni e a sua equipe viajaram a quatro países e entrevistaram pessoas de 23 nacionalidades para tentar entender como diferentes culturas descrevem uma sopa.

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"Nós percebemos que se impuséssemos certas visões, nós estaríamos de uma certa forma distorcendo o experimento em direção ao que nós achamos que uma sopa é", ele diz. "Quando poloneses me contaram sobre a sopa de leite, eu comecei a pensar em cappuccino e café com leite e sobre como essas duas bebidas poderiam ser, fundamentalmente, sopas… eu não sei, eu comecei a ver muito mais sopas por aí do que eu via antes."

No começo eu achei engraçado, mas depois comecei a ficar com medo de estar sofrendo do mesmo mal. Lembrei de quando era pequeno e molhava o pão com manteiga no café. Para combater esse pensamento inquietante (miojo é sopa ou macarrão, meu deus?), eu tive que fazer outra pergunta: por quê sopa?

"Pensamos que é simples, que todo mundo sabe o que é, mas se você for à fundo, percebemos que não há tanta certeza", o que descreve bem a minha experiência. "Esse fato nos conecta à essa ideia do filósofo Wittgenstein de que no fim das contas a linguagem é formada através do uso e é uma coisa em fluxo constante, não uma relação absoluta entre coisas e conceitos."

Essa fluidez de conceitos ecoa dentro da cultura de videogame e Stefano Gualeni sabe disso. Com o crescimento da popularidade dos chamados "Walking Simulators" desde que Dear Esther deixou muito crítico de games confuso em 2012 e Proteus fez um certo sucesso no ano seguinte, a crítica mais ressonante é de que essas experiências interativas não são games. Afinal, Something Something Soup Something é um jogo, um game, um videogame, ou um experimento filosófico interativo? Faz diferença?

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"Quais desse itens podem ser servidos como sopa para os humanos famintos do andar de cima?"

"Aqui você é confrontado com o fato de que você pode ter dúvidas e de que a sua definição pode estar incompleta, e a coisa que você achava que conhecia se revela um pouco mais problemática", diz Gualeni. "Esse é objetivo central do meu jogo."

Este pequeno experimento filosófico primeiro questiona a nossa linguagem cotidiana, mas também sugere uma ferramenta de aprendizado que não costumamos considerar: o videogame. E pela conversa que eu tive com Gualeni e através do seu livro Virtual Worlds as Philosophical Tools, deu pra perceber que ele tem grandes esperanças e sonhos para mundos virtuais:

"É absolutamente difícil tentar produzir mudanças quando você mesmo não conhece nada melhor. Nos falta imaginação. Nós temos uma falta de imaginação política, social e filosófica, e isso é devido ao fato de que temos experiências muito limitadas durante a nossa vida. E se pudéssemos potencializar essa imaginação através desse tipo de mídia? Com o capitalismo acelerado e programas neoliberais, poucas pessoas tem tempo para cultivar a habilidade de pensar criticamente, então talvez a mídia digital seja melhor que o texto para dar acesso imediato a possibilidades diferentes", diz Gualeni.

"Mundos virtuais podem ser um reservatório para a nossa imaginação."

No mural da cozinha, lê-se: "Pois é próprio do homem culto buscar a precisão, em cada gênero de coisas, apenas na medida em que a admite a natureza do assunto. – Aristóteles"

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