2015: O ano em que começamos a falar valendo sobre a mulher na música eletrônica
Felipe Gabriel

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Música

2015: O ano em que começamos a falar valendo sobre a mulher na música eletrônica

Reunimos aqui alguns dos principais momentos da mesa ‘THUMP apresenta: Mulheres na Música’ que rolou no começo de dezembro na etapa paulista do Rio Music Conference — e lembramos por que precisamos falar sobre as mulheres como agentes da cena.

Durante a etapa paulista do Rio Music Conference, entre os dias 2 e 6 de dezembro, mediei o debate da mesa 'THUMP apresenta: Mulheres na Música'. E antes tarde do que mais tarde, vi que dava tempo de selecionar algumas falas das profissionais que estiveram debatendo o assunto junto comigo: a jornalista Cláudia Assef autora do livro Todo DJ Já Sambou; a diretora de eventos da Secretaria de Cultura de São Paulo, Karen Cunha; a label manager da Skol Music Monique Dardenne; a DJ, apresentadora e colunista da casa Tricy, além da co-fundadora da agência Hot Content, Bruna Calegari.

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Na conversa, falamos basicamente sobre as dificuldade da mulher como agente no universo da música eletrônica — seja como artista, produtora, manager e afins — e quais os possíveis caminhos pra mudarmos os rumos dessa história.

Antes de dividir algumas passagens da mesa com vocês, algumas coisas que não posso deixar de falar: o feminismo, em 2015 — como bem diz minha amiga e colega de trabalho Marie Declercq — deixou de ser um palavrão. Fora das bancas acadêmicas, parece que cada vez mais estamos ligadas que a questão aqui é igualdade (de oportunidades, espaço, salarial, e por aí vai…).

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O mercado regulador nos faz acreditar que há espaços para todos, basta ser "talentoso". Mas é preciso também inserir, sobretudo como forma de mudar a ideia de que toda a traquitana tecnológica do mundo da dance music é privilégio dos homens. Por isso, meu mais sincero desejo para 2016 é que existam mais mulheres na música eletrônica que despertem o desejo de outras mulheres pela cena.

Nós continuaremos falando do importante papel das mulheres na música, ô se vamos.

Elas contam como entraram no universo da música:

Tricy com o microfone e Bruna ao fundo. Foto por: Felipe Gabriel

Tricy: Eu comecei [a tocar] há 10 anos. Sempre ouvi bastante rádio, e sempre que estava voltando do cursinho e do colégio escutava as propagandas dos cursos de DJ e tive uma curiosidade muito grande porque sempre gostei muito de música. Aí eu pensava: "Vou lá fazer o curso pra ver o que que dá". Demorou pras coisas começarem a acontecer e fiquei fazendo uma festinha aqui e outra ali até que outras coisas começaram a aparecer, e estamos aí até hoje [Tricy é DJ e apresentadora do programa She DJ].

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Bruna Calegari: Se todo mundo que gosta de música eletrônica virar DJ a gente não vai ter pista, não vai ter manager, não vai ter nada. Eu me interessei por música eletrônica sozinha, em Foz de Iguaçu, com o meu grupo de amigos e eu era quase sempre a única menina [do grupo]. Mas é difícil às vezes você estar no comando sendo mulher, eu já joguei o João [namorado e sócio de Bruna na Hot Content] de isca pra ele ir em reuniões nas quais eu sabia que a minha opinião ia ser quase desconsiderada porque eu sou mulher. Eu fico no comando mesmo que seja na retaguarda porque como eu disse, não sou DJ, não tô aí pra brilhar, tô aí pra fazer meus clientes brilharem e eu sei que eu tô no comando — e é isso que importa.

Karen Cunha: Há pouco tempo me dei conta como é restrita a quantidade de mulheres nos cargos de poder e de direção, tanto na carreira pública quanto na privada. Acho que essa ficha caiu há alguns anos, quando eu olhei no meu andar e não era apenas a única diretora mulher, eu era a única mulher não-secretária do andar. Uma coisa que a Érica Alves falou que é super legal é a cultura da "brodagem", você chama os seus amigos [para linups de eventos], chama as pessoas que você conhece. Se você não planeja e não sai dessa casinha, você acaba no mesmo círculo de pessoas, chamando as mesmas pessoas, são sempre os mesmos curadores, os mesmos artistas, e a gente não avança nessa questão. Então de uns anos pra cá eu tenho me empenhado pessoalmente em ter mulheres em todos os eventos que a gente faz, fiquei até com fama de cotista, "gestora de cotas".

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Cláudia Assef: Há alguns momentos da minha carreira [como jornalista], especialmente quando era bem nova e entrei em jornais, eu já gostava muito de música eletrônica e conhecia bastante. Os meninos do jornal sempre me olhavam tipo: "O que você quer falar de música eletrônica, filha? Você tem 19 anos e você é menina." Então sempre teve muito preconceito, nesses anos todos de jornalismo. Ainda, de vez em quando, sinto alguma coisa estranha. É tão natural ter esse tipo de resposta da sociedade, a gente já tem um treino que a coisa de nerd, a coisa de música, a coisa de produção musical é pra homem. As mulheres até podem escrever umas matérias, tocar como DJs, podem ser até bom porque elas são mais sensíveis. Mas nesse momento de a mulher ter igualdade, querer ser produtora ou falar um papo de nerd, a gente ainda tem um longo percurso a ser percorrido.

Festivais como o Lollapalooza e o Rock in Rio tiveram, cada, 10% de mulheres em seus lineups. O EDC e o Tomorrowland tinham 5% cada.

FONTE: Cadê as mulheres nos lineups

Não existem mulheres produzindo ou não existem pessoas as chamando-as pra tocar?

O baile todo (da esquerda pra direita): Carla, Cláudia, Karen, Monique, Tricy e Bruna.

Monique Dardenne: Em contrapartida, festivais menores como o Contato teve 47% de artistas mulheres escaladas e no lineup do Coquetel Molotov 30% eram mulheres.

Karen Cunha: A gente participou de um projeto agora que eu queria chamar só mulheres, mas não conhecia a maior parte das pessoas que estavam ali. Conhecia o trabalho, mas não sabia se a gente ia se dar bem, se elas iam se dar bem. Então eu tive que fazer realmente um trabalho de pesquisa. Acho que o exercício é esse.

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Monique Dardenne: Criei o Mulheres na Música, que é um grupo fechado no Facebook — hoje ele tem 260 trabalhando com música no Brasil inteiro. A gente está se conhecendo, trocando ideia, mostrando trabalho. Lá você vê engenheira de áudio, preparadora de voz, jornalista, booker, advogada, produtora… Há uma infinidade de profissionais que a gente não faz ideia [que existia]. Nosso exercício no Mulheres na Música é esse. Esses dias eu mesma estava montando um lineup e queria um DJ que tocasse vinil, música brasileira mais folk, mais regional. Joguei lá no Mulheres na Música e vieram algumas, de outras cidades. Se eu tivesse pensando nisso sozinha, eu ia pegar um cara porque era mais fácil.

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Tricy: O que eu tinha levantado é que no Tomorrowland, de 174 artistas, tinham 5 mulheres, no EDC 80 e poucas atrações e cinco mulheres, na XXXperience de 44 atrações nenhuma mulher, a Kabballah tinha um número de 7 atrações e uma mulher. Aí eu fiquei pensando e cheguei a uma conclusão que é o seguinte: historicamente a gente começou a tocar muito mais tarde. As mulheres que queriam ser artistas antigamente sofriam um puta preconceito, não era legal, era mal vista. As mulheres que queriam cantar na noite eram tiradas de putas. As DJs começaram a aparecer muito depois dos homens e até eles começarem a aceitar a gente tocando demorou pra caramba.

Monique: Inclusão consciente que a gente está começando a ter, e procurar igualdade. Não usar a mulher de lineup como atração, e sim pra ela ter o lugar dela. Se for o de atração não é por ser mulher, e sim porque ela merece estar ali. Então acho que todo mundo que trabalha com música tem que levantar essa bandeira.

Carla Castellotti está no Twitter.

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