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Tecnologia

​Em vez de matar os mosquitos, por que não removemos os vírus deles?

Estamos desesperados por uma solução e, segundo os cientistas, erradicar os mosquitos não é boa ideia. Que tal a modificação genética?

Na luta contra o zika vírus, há aqueles que argumentam que deveríamos dar um fim nos mosquitos. Aniquilá-los da Terra, melhor dizendo. O problema dessa vontade é que há diversas questões sobre os impactos ecológicos de se destruir uma população ou mesmo uma espécie de insetos. A principal razão é que não dá para saber quais seriam as consequências disso para nosso ecossistema – provavelmente péssimas, de acordo com nossos livros de biologia. O impasse, porém, levanta uma solução alternativa entre cientistas e teóricos: e se em vez de eliminarmos os insetos, eliminássemos os vírus?

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"Estamos mesmo estudando adicionar resistência ao zika vírus junto das características que temos como inserir nos mosquitos", disse o americano Kevin Esvelt, biólogo molecular do MIT.

Esvelt e seus colegas trabalham em um tipo específico de modificação genética chamado gene drive. Eles acreditam que a prática pode acabar com doenças transmitidas por mosquitos sem que ter de erradicá-los.

"Um gene drive é quando um gene específico pode se espalhar por uma população mesmo sem ajudar populações a sobreviverem e a se reproduzirem", disse Esvelt. "Elementos de gene drive estão abundantes na natureza. O que é novidade é que finalmente temos como usá-los para nossos próprios objetivos, tais como deixar mosquitos resistentes à doenças."

A ferramenta em questão se chama CRISPR/Cas9. Trata-se, segundo Esvelt, de uma técnica de edição de genoma há muito discutida que funciona como um "bisturi de DNA". Ela permite que bioengenheiros criem genes personalizados em espécies: modificando certas características e espalhando-as pela espécie toda.

Em linhas gerais, você cria um organismo (como um mosquito) incluindo a versão editada de um gene (tornando-o resistente a um vírus, por exemplo) e codifica o sistema CRISPR próximo àquele gene, afirmou Esvelt. Quando aquele mosquito acasalar com um mosquito selvagem, seus filhos terão a versão não-editada do gene, a editada e o CRISPR.

"O CRISPR age no gene original que será reparado com a versão editada e o sistema CRISPR", declarou Esvelt. "Um gene drive CRISPR é, na verdade, uma forma de fazer uma edição genética ocorrer por gerações."

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Visão geral de um gene drive. Crédito: Emb Reports/Arthur Caplan

Essa técnica já foi testada em moscas de levedura e de frutas. Esvelt faz parte de uma equipe que trabalha em uma versão que criaria mosquitos resistentes a vírus que causam moléstias em humanos, como dengue e chikungunya. Eles também desenvolvem estratégias para poderem reverter os gene drives, caso não funcionem como o esperado.

Agora que o zika vírus surgiu como nova ameaça em potencial, Esvelt disse que tentarão incorporar resistência ao vírus também – apesar de algumas ressalvas.

"Quando pudermos construir um gene drive e certamente antes de podermos verificar com as pessoas se deveríamos ou não usar um, o surto de zika terá chegado ao fim", disse Esvelt ao telefone. "Todo mundo que contrairá o vírus já o terá feito até lá."

Esvelt comentou ainda que, até o zika chegar nas Américas, ele não estava associado a nada além de dores típicas de gripes e febre. Há uma série de teorias por aí para explicar o que está acontecendo – o vírus pode ter sofrido mutação ou os casos de microcefalia anteriores só não eram associados porque o zika não era monitorado o bastante. O biólogo, porém, tem a sua própria ideia sobre o tema. Pode ser que, em regiões onde o vírus está espalhado, a maioria das mulheres tenham o contraído na infância, sugeriu. O zika vírus não sobrevive mais que uma semana em nosso organismo, então quando estas mulheres já tinham idade para gerar filhos, já seriam imunes ao vírus, o que não apresentaria ameaça nenhuma.

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Como o vírus chegou nas Américas subitamente, uma população que não teve contato anterior nenhum com o mesmo, contraíram o vírus, o que pode explicar o surto de microcefalia. Já que o vírus, até onde sabemos, não tem quase nenhum risco pra ninguém fora grávidas, uma solução direta talvez fosse tentar acelerar o contágio, de acordo com Esvelt.

"Caso mulheres queiram engravidar no futuro próximo, elas podem muito bem montar clínicas em que se reunirão pessoas com zika, onde os mosquitos se alimentarão e picarão pessoas que querem ser imunizadas", disse Esvelt. "Contraia quando for inofensivo pra você e terá imunidade para sempre."

Pesquisadores estão desenvolvendo diversas outras técnicas, incluindo aí uma vacina ou tratamento. Mosquitos geneticamente modificados que geram filhos que morrem antes de chegaram à idade adulta (assim eliminando a população) já estão sendo testados em pequena escala no Brasil, e a FDA considera testá-los também na Flórida. Como esses mosquitos não usam um gene drive, são mais fáceis de serem controlados, o que os torna uma solução imediata para contenção do vírus.

Esvelt crê que, a longo prazo, devem ser feitos mais investimentos em gene drives. Há muitas questões éticas envolvidas em seu uso, disse, mas a hora de tomar tais decisões é agora, enquanto a ameaça paira no ar.

"Mais de 100 milhões de pessoas contraem dengue anualmente e dezenas de milhares morrem", disse Esvelt. "É uma doença devastadora em todo o mundo. Qualquer coisa que nos possibilite discutir se deveríamos usar tais técnicas poderia servir como guia para deixarmos esta tragédia para trás."

Tradução: Thiago "Índio" Silva