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Música

O Forward Festival É o Fio Condutor da Cena Dance de Washington e Baltimore

Olhamos para o passado das duas cidades americanas para entender como a 8ª edição do festival aponta para o futuro das cenas locais.

Apenas 65 quilômetros separam Baltimore de Washington DC, nos Estados Unidos, ainda que as duas cidades sejam mundos totalmente distintos - a cidade portuária de Maryland com seus operários e beberrões não poderia ter menos a ver com o universo de negociadores e lobistas da capital do país.

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Para os fanáticos por dance music, esse abismo, porém, não é tão grande. A distância entre as duas cidades faz com que a estrada que as liga abrigue uma espécie de rave resultante do vaivém dos baladeiros de Washington até as festas de Baltimore - e vice-versa. "Somos cidades irmãs de alguma forma", diz a diva do house Ultra Naté, co-fundadora da Deep Sugar, uma festa da The Paradox, a balada lendária que rola até altas horas em Baltimore. "Baltimore é mais crua e Washington é mais polida, mas a cena underground tem uma fraternidade que foi criada há muitos anos".

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Forward Bass Showcase de 2014, apresentando Kowton (Foto: Bryan Johns/Flickr)

Hoje em dia, o principal fio condutor entre as duas cidades interligadas é o Forward Festival de Washington - cinco dias de shows de eletrônica, workshops e instalações de arte espalhadas por clubes da cidade, desde os mais alternativos até o maior palco público da cidade, no National Mall.

Organizado pelo promoter local 88, o lineup deste ano do festival conta com o criador do footwork RP Boo, o mestre do techno Objekt, o cientista do dub Brendon Moeller e o produtor de dancehall/grime Murlo. E é claro que a festa que antecede o festival rolou na Deep Sugar. Com uma nova geração de clubbers surgindo nessa região do país, esse é o melhor momento para olhar para o passado de Baltimore e Washington e avaliar o futuro das cenas nas cidades futuro em conjunto.

Hora do Circo

Por ter nascido em Maryland, essa história é pessoal. Meus irmãos e primos mais velhos me contaram histórias bem loucas sobre a Buzz de Washington e a Fever de Baltimore, duas festas que firmaram a dance music na região no início dos anos 90. Quando me arrumava para sair à noite, minha irmã costumava dizer: "Está na hora de ir para o circo".

"A cena das raves de Washington/Baltimore era provavelmente a mais forte, mais saudável e mais importante da costa leste", diz Scott Herman, que fez sua carreira na cena noturna de Washington como produtor de eventos da Buzz.

Liderada pelos DJs nativos de Baltimore Charles Feelgood e Scott Henry, a Fever e a Buzz foram alguns dos únicos rolês em que tocavam house e techno underground. No final dos anos 80, os dois DJs se aprofundaram no acid house e música industrial. O Henry alugou um loft em Baltimore para sediar a primeira rave em um depósito em dezembro de 1990 e levou seus chapas Feelgood e Tony Japzon para continuar com a mesma pegada nas festas da Orbit, que teve início no começo de 1991. Quando o Japzon largou o barco, a festa foi renomeada como Fever.

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Durante a maior parte do tempo, a Fever rolava na The Paradox enquanto a Buzz, fundada em 1993, começou na The Capital Ballroom e depois foi para a Nation. Graças aos primeiros artistas convidados como Moby, Frankie Bones, Josh Wink, e Little Louie Vega, juntamente com prêmios de "melhor clube" em publicações nacionais como Urb e BPM, a Buzz se tornou uma das maiores festas de dance na costa leste.

O 'Dox é um depósito de concreto embaixo de um viaduto em uma região meio sombria de Baltimore. A Nation, por sua vez, ficava em uma zona mais animada do sudeste da cidade, perto da balada gay Tracks. Sair à noite naquela época poderia ser uma proposta arriscada. Meu irmão fazia uma jornada de uma hora para ir da universidade até a Buzz, até o dia em que quebraram o vidro da janela do seu carro e roubaram seus livros. Mas dentro da balada era só amor. Minha irmã foi na Fever pela primeira vez quando tinha acabado de entrar no ensino médio e completado 15 anos. Ela entrou em pânico quando o segurança falou para ela sorrir, achando que era uma armadilha para fazê-la o aparelho - um acessório inegavelmente adolescente. Mas não era. Ele fez o pedido de novo mais enfaticamente, falando, "Você está aqui agora!".

"Era uma cena coerente e familiar", Herman diz, "Você veria as mesmas pessoas às quintas na Fever, às sextas na Buzz e aos sábados em qualquer outro lugar". Mas as mesmas pessoas não significavam pessoas iguais. O DJ de Baltimore LoveGrove, um clássico em ambas as festas que também fará um show ao ar livre no Forward no National Mall, lembra: "No início tínhamos público suficiente para apenas uma noite, então você tinha drag queens ao lado de adolescentes em calças de skatista".

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Tanto a Fever como a Buzz eram baladas com vários ambientes, mas cada cidade tinha suas próprias idiossincrasias. "Nunca rolavam umas paradas de techno mais pesadas em Baltimore, e sim uma pegada mais funk de uma forma geral", diz LoveGrove, que também trabalhava em uma loja de discos na época. "Os discos mais vendidos eram de breaks e house. Um lançamento do Paul Oakenfold não fazia a menor diferença em Baltimore, enquanto em Washington provavelmente vendia que nem água".

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A Polícia Invade a Festa

Em fevereiro de 1997, minha prima tinha acabado de tomar ecstasy quando o DEA (controle de combate das drogas) invadiu a The Paradox durante a festa mensal que rolava durante o dia, a Sunday Mass. Ela se lembra de andar em meio a pacotinhos de cocaína e caixas de comprimidos espalhados pelo chão em plena luz do dia. Ali começava uma época na qual a cena de dance music de Baltimore e Washington ia de mal a pior.

A Fever e a Buzz foram vítimas do surto anti-rave no final dos anos 90. Dois anos depois o 'Dox foi invadido e o noticiário local transmitiu uma "investigação clandestina" sensacionalista usando câmeras escondidas que supostamente mostravam o uso de drogas na festa. Scott Henry e seus parceiros processaram e resolveram as questões fora do tribunal.

Mas a repressão estava longe de acabar. Em 2012, o exército americano proibiu os militares de frequentarem a Buzz após uma investigação sobre as atitudes irresponsáveis da sua equipe fora do horário de trabalho. Trabalhando em conjunto, o exército e o departamento de polícia de Washington compartilharam fontes e informações que enquadravam a Buzz e a Nation.

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Uma escavadora toma o lugar da pista principal da Nation durante a demolição do clube (Foto: Travis Payne/Flickr)

Mas a Buzz perseverou e botou de pé uma petição com 10 mil assinaturas para combater o "R.A.V.E Act" (que visava a redução da vulnerabilidade dos americanos ao ecstasy), uma controversa medida da legislação que os críticos dizem ter sido usada para fechar os clubes. A festa foi transferida para o Redwood Trust, em Baltimore, por um ano, para deixar a poeira abaixar antes de voltar à Nation em 2003 com o nome de Cubik. Mas a Nation eventualmente sucumbiu à gentrificação, tendo seu encerramento em 2006 para dar espaço a construção de um novo arsenal da marinha. Hoje em dia, um prédio comercial foi erguido no lugar do clube.

"Depois do fechamento da Nation, houve um declínio evidente", Herman diz. O hip hop estava em alta, dance music não. Bebidas superfaturadas e dress codes mudaram a vibe das baladas que sobreviveram. "A galera do hip hop e a das raves não se trombavam muito".

A Fever acabou em 2001, apesar de ter sediado diversas reuniões antes do seu fechamento. "Quando a Fever acabou, Baltimore mudou", diz LoveGrove. Havia menos promoters e os que restavam, como Ultraworld, estavam mais preocupados em fechar com famosinhos ao invés escalarem clássicos da cena rave. O Starscape, um festival anual ao ar livre produzido pelo Ultraworld em junho ao longo da orla de Baltimore, permaneceu como um lugar para fortalecer a cena local, mas não conseguiu manter o mesmo ritmo com seus frequentadores dos anos 90.

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Leia: O rei das raves ataca novamente

Ao Infinito… E Além

Hoje em dia, o sucesso do Forward Fest - agora no seu oitavo ano - é apenas um dos sinais do retorno da cena dance de Washington. A explosão do EDM trouxe um novo público para as baladas comandadas por DJs como a U Street Music Hall, evento no qual o Disclosure, Rudimental, Hudson Mohawke e Joy Orbison estrearam em Washington recentemente. A balada também é o berço da Moombahton Massive, uma festa mensal dedicada ao gênero criado pelo incrível Dave Nada, de Washington, com os residentes Nadastrom e Sabo.

Um dos artistas-chave por trás da nova onda dance de Washington é o David Fogel, o mentor do Forward Fest. Fogel também está envolvido com o Camp 88, um camping local com a temática do Burning Man; 88 DC, uma série de eventos pontuais; e um café numa vibe meio Berlim e uma loja de discos chamada Bump 'n Grind. Fogel traça seu caminho de volta aos tempos áureos das raves de Washington. "É, me lembro de ir na Buzz e na Tracks em 1994. Essas foram minhas primeiras aventuras no mundo das baladas", recorda.

A plateia no show do Flosstradamus na 9:30 Club

O Forward Fest se mantém fiel a Washington de raiz levando aos palcos talentos locais. A celebração de abertura do festival na semana passada com a banda de go-go Rare Essence, curadores do funk instrumental nativo de Washington e com o experimentalista digital Jeremy Ellis. De forma parecida, o evento do último fim de semana, no National Mall, contou com a presença do DJ LoveGrove ressuscitando sua festa de ambient techno Cloudwatch e um show do Jim Thompson da label Electric Cowbell.

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Ainda assim, os produtores de Washington não estão tomando as rédeas. "Washington é uma cidade focada em trabalho/carreira: não é o reduto ideal para house e techno", afirma Jackson Ryland da gravadora local Silence in Metropolis. Apesar disso, Washington cultivou um pequeno quadro de talentos que a tornou importante, incluindo o Deep Dish, Thievery Corporation, Fort Knox Five, e Beautiful Swimmers.

Forward Fest

Ao contrário da transformação de Washington, Baltimore como um todo seguiu na mesma linha. A The Paradox ainda está firme e forte, graças ao Wayne David, o padrinho da cena house de Baltimore, que teve a ideia de tornar o clube um espaço comandado por DJ bem antes do U Hall ser um vislumbre nos olhos de um nerd de discos. Seu sistema de som, iluminação, instalações e pista de dança foram renovados com o aumento do faturamento do clube ao longo dos anos.

Mais focada em deep e soulful house, Deep Sugar, a festa que a Ultra Naté criou juntamente com a DJ Lisa Moody em 2003, não é exatamente uma sucessora da insaciável da Fever. Mas desde que começou a rolar na The Paradox em 2008, ela rapidamente começou a preencher uma lacuna. A estreia do Forward Fest lançaria uma semana de música eletrônica e muita zuera na Deep Sugar com um set principal comandado pelo Soul Clap, entretanto, é a prova de que "a polinização cruzada entre Baltimore e Washington é real" segundo o Fogel.

E nada é mais real do que uma noite de sábado arrebatadora na The Paradox, na qual a galera do Forward dominou o quintal na semana passada. O sistema de som dentro da balada deve ser melhor, mas não há melhor presságio para o Forward 2015 do que aquele momento surreal, tarde da noite obscura de Baltimore, quando o trem de carga inevitavelmente surge apitando forte sem parar bem no momento em que o DJ está no auge de sua mix.

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Tradução: Stefania Cannone