Apenas 65 quilômetros separam Baltimore de Washington DC, nos Estados Unidos, ainda que as duas cidades sejam mundos totalmente distintos - a cidade portuária de Maryland com seus operários e beberrões não poderia ter menos a ver com o universo de negociadores e lobistas da capital do país.Hoje em dia, o principal fio condutor entre as duas cidades interligadas é o Forward Festival de Washington - cinco dias de shows de eletrônica, workshops e instalações de arte espalhadas por clubes da cidade, desde os mais alternativos até o maior palco público da cidade, no National Mall.Organizado pelo promoter local 88, o lineup deste ano do festival conta com o criador do footwork RP Boo, o mestre do techno Objekt, o cientista do dub Brendon Moeller e o produtor de dancehall/grime Murlo. E é claro que a festa que antecede o festival rolou na Deep Sugar. Com uma nova geração de clubbers surgindo nessa região do país, esse é o melhor momento para olhar para o passado de Baltimore e Washington e avaliar o futuro das cenas nas cidades futuro em conjunto.Por ter nascido em Maryland, essa história é pessoal. Meus irmãos e primos mais velhos me contaram histórias bem loucas sobre a Buzz de Washington e a Fever de Baltimore, duas festas que firmaram a dance music na região no início dos anos 90. Quando me arrumava para sair à noite, minha irmã costumava dizer: "Está na hora de ir para o circo"."A cena das raves de Washington/Baltimore era provavelmente a mais forte, mais saudável e mais importante da costa leste", diz Scott Herman, que fez sua carreira na cena noturna de Washington como produtor de eventos da Buzz.Liderada pelos DJs nativos de Baltimore Charles Feelgood e Scott Henry, a Fever e a Buzz foram alguns dos únicos rolês em que tocavam house e techno underground. No final dos anos 80, os dois DJs se aprofundaram no acid house e música industrial. O Henry alugou um loft em Baltimore para sediar a primeira rave em um depósito em dezembro de 1990 e levou seus chapas Feelgood e Tony Japzon para continuar com a mesma pegada nas festas da Orbit, que teve início no começo de 1991. Quando o Japzon largou o barco, a festa foi renomeada como Fever.Durante a maior parte do tempo, a Fever rolava na The Paradox enquanto a Buzz, fundada em 1993, começou na The Capital Ballroom e depois foi para a Nation. Graças aos primeiros artistas convidados como Moby, Frankie Bones, Josh Wink, e Little Louie Vega, juntamente com prêmios de "melhor clube" em publicações nacionais como Urb e BPM, a Buzz se tornou uma das maiores festas de dance na costa leste.O 'Dox é um depósito de concreto embaixo de um viaduto em uma região meio sombria de Baltimore. A Nation, por sua vez, ficava em uma zona mais animada do sudeste da cidade, perto da balada gay Tracks. Sair à noite naquela época poderia ser uma proposta arriscada. Meu irmão fazia uma jornada de uma hora para ir da universidade até a Buzz, até o dia em que quebraram o vidro da janela do seu carro e roubaram seus livros. Mas dentro da balada era só amor. Minha irmã foi na Fever pela primeira vez quando tinha acabado de entrar no ensino médio e completado 15 anos. Ela entrou em pânico quando o segurança falou para ela sorrir, achando que era uma armadilha para fazê-la o aparelho - um acessório inegavelmente adolescente. Mas não era. Ele fez o pedido de novo mais enfaticamente, falando, "Você está aqui agora!"."Era uma cena coerente e familiar", Herman diz, "Você veria as mesmas pessoas às quintas na Fever, às sextas na Buzz e aos sábados em qualquer outro lugar". Mas as mesmas pessoas não significavam pessoas iguais. O DJ de Baltimore LoveGrove, um clássico em ambas as festas que também fará um show ao ar livre no Forward no National Mall, lembra: "No início tínhamos público suficiente para apenas uma noite, então você tinha drag queens ao lado de adolescentes em calças de skatista".Tanto a Fever como a Buzz eram baladas com vários ambientes, mas cada cidade tinha suas próprias idiossincrasias. "Nunca rolavam umas paradas de techno mais pesadas em Baltimore, e sim uma pegada mais funk de uma forma geral", diz LoveGrove, que também trabalhava em uma loja de discos na época. "Os discos mais vendidos eram de breaks e house. Um lançamento do Paul Oakenfold não fazia a menor diferença em Baltimore, enquanto em Washington provavelmente vendia que nem água".Em fevereiro de 1997, minha prima tinha acabado de tomar ecstasy quando o DEA (controle de combate das drogas) invadiu a The Paradox durante a festa mensal que rolava durante o dia, a Sunday Mass. Ela se lembra de andar em meio a pacotinhos de cocaína e caixas de comprimidos espalhados pelo chão em plena luz do dia. Ali começava uma época na qual a cena de dance music de Baltimore e Washington ia de mal a pior.A Fever e a Buzz foram vítimas do surto anti-rave no final dos anos 90. Dois anos depois o 'Dox foi invadido e o noticiário local transmitiu uma "investigação clandestina" sensacionalista usando câmeras escondidas que supostamente mostravam o uso de drogas na festa. Scott Henry e seus parceiros processaram e resolveram as questões fora do tribunal.Mas a repressão estava longe de acabar. Em 2012, o exército americano proibiu os militares de frequentarem a Buzz após uma investigação sobre as atitudes irresponsáveis da sua equipe fora do horário de trabalho. Trabalhando em conjunto, o exército e o departamento de polícia de Washington compartilharam fontes e informações que enquadravam a Buzz e a Nation.Mas a Buzz perseverou e botou de pé uma petição com 10 mil assinaturas para combater o "R.A.V.E Act" (que visava a redução da vulnerabilidade dos americanos ao ecstasy), uma controversa medida da legislação que os críticos dizem ter sido usada para fechar os clubes. A festa foi transferida para o Redwood Trust, em Baltimore, por um ano, para deixar a poeira abaixar antes de voltar à Nation em 2003 com o nome de Cubik. Mas a Nation eventualmente sucumbiu à gentrificação, tendo seu encerramento em 2006 para dar espaço a construção de um novo arsenal da marinha. Hoje em dia, um prédio comercial foi erguido no lugar do clube."Depois do fechamento da Nation, houve um declínio evidente", Herman diz. O hip hop estava em alta, dance music não. Bebidas superfaturadas e dress codes mudaram a vibe das baladas que sobreviveram. "A galera do hip hop e a das raves não se trombavam muito".A Fever acabou em 2001, apesar de ter sediado diversas reuniões antes do seu fechamento. "Quando a Fever acabou, Baltimore mudou", diz LoveGrove. Havia menos promoters e os que restavam, como Ultraworld, estavam mais preocupados em fechar com famosinhos ao invés escalarem clássicos da cena rave. O Starscape, um festival anual ao ar livre produzido pelo Ultraworld em junho ao longo da orla de Baltimore, permaneceu como um lugar para fortalecer a cena local, mas não conseguiu manter o mesmo ritmo com seus frequentadores dos anos 90.Hoje em dia, o sucesso do Forward Fest - agora no seu oitavo ano - é apenas um dos sinais do retorno da cena dance de Washington. A explosão do EDM trouxe um novo público para as baladas comandadas por DJs como a U Street Music Hall, evento no qual o Disclosure, Rudimental, Hudson Mohawke e Joy Orbison estrearam em Washington recentemente. A balada também é o berço da Moombahton Massive, uma festa mensal dedicada ao gênero criado pelo incrível Dave Nada, de Washington, com os residentes Nadastrom e Sabo.Um dos artistas-chave por trás da nova onda dance de Washington é o David Fogel, o mentor do Forward Fest. Fogel também está envolvido com o Camp 88, um camping local com a temática do Burning Man; 88 DC, uma série de eventos pontuais; e um café numa vibe meio Berlim e uma loja de discos chamada Bump 'n Grind. Fogel traça seu caminho de volta aos tempos áureos das raves de Washington. "É, me lembro de ir na Buzz e na Tracks em 1994. Essas foram minhas primeiras aventuras no mundo das baladas", recorda.O Forward Fest se mantém fiel a Washington de raiz levando aos palcos talentos locais. A celebração de abertura do festival na semana passada com a banda de go-go Rare Essence, curadores do funk instrumental nativo de Washington e com o experimentalista digital Jeremy Ellis. De forma parecida, o evento do último fim de semana, no National Mall, contou com a presença do DJ LoveGrove ressuscitando sua festa de ambient techno Cloudwatch e um show do Jim Thompson da label Electric Cowbell.Ainda assim, os produtores de Washington não estão tomando as rédeas. "Washington é uma cidade focada em trabalho/carreira: não é o reduto ideal para house e techno", afirma Jackson Ryland da gravadora local Silence in Metropolis. Apesar disso, Washington cultivou um pequeno quadro de talentos que a tornou importante, incluindo o Deep Dish, Thievery Corporation, Fort Knox Five, e Beautiful Swimmers.Ao contrário da transformação de Washington, Baltimore como um todo seguiu na mesma linha. A The Paradox ainda está firme e forte, graças ao Wayne David, o padrinho da cena house de Baltimore, que teve a ideia de tornar o clube um espaço comandado por DJ bem antes do U Hall ser um vislumbre nos olhos de um nerd de discos. Seu sistema de som, iluminação, instalações e pista de dança foram renovados com o aumento do faturamento do clube ao longo dos anos.Mais focada em deep e soulful house, Deep Sugar, a festa que a Ultra Naté criou juntamente com a DJ Lisa Moody em 2003, não é exatamente uma sucessora da insaciável da Fever. Mas desde que começou a rolar na The Paradox em 2008, ela rapidamente começou a preencher uma lacuna. A estreia do Forward Fest lançaria uma semana de música eletrônica e muita zuera na Deep Sugar com um set principal comandado pelo Soul Clap, entretanto, é a prova de que "a polinização cruzada entre Baltimore e Washington é real" segundo o Fogel.E nada é mais real do que uma noite de sábado arrebatadora na The Paradox, na qual a galera do Forward dominou o quintal na semana passada. O sistema de som dentro da balada deve ser melhor, mas não há melhor presságio para o Forward 2015 do que aquele momento surreal, tarde da noite obscura de Baltimore, quando o trem de carga inevitavelmente surge apitando forte sem parar bem no momento em que o DJ está no auge de sua mix.Siga Greg Scruggs no TwitterTradução: Stefania Cannone
Para os fanáticos por dance music, esse abismo, porém, não é tão grande. A distância entre as duas cidades faz com que a estrada que as liga abrigue uma espécie de rave resultante do vaivém dos baladeiros de Washington até as festas de Baltimore - e vice-versa. "Somos cidades irmãs de alguma forma", diz a diva do house Ultra Naté, co-fundadora da Deep Sugar, uma festa da The Paradox, a balada lendária que rola até altas horas em Baltimore. "Baltimore é mais crua e Washington é mais polida, mas a cena underground tem uma fraternidade que foi criada há muitos anos".
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