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A Eritreia Não Conseguiu Realizar Seu Sonho Revolucionário

Eritreia: uma revolução duramente realizada e suas consequências problemáticas.

Depois que a guerra pela independência da Eritreia acabouem 1991, os eritreus partiram para a reconstrução da infraestrutura destruída do país, com vilarejos inteiros trabalhando para construir pequenas barragens e terraços nas encostas erodidas, e plantando milhares de árvores.

Quando uma revolução acaba, como julgar se ela obteve sucesso? Uma vitória, na visão de Mao na República Popular da China não foi exatamente uma vitória para o povo chinês. Uma revolução limpa e gloriosa não é fácil. Veja Rússia, França, Camboja e Irã. Olhe para a Turquia hoje. Nas próximas décadas, veremos o resultado das revoluções realizadas por todo o mundo árabe e, é bem possível, por toda Europa. Serão elas consideradas vitórias para outros que não os vitoriosos?

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Um exemplo crucial, mas pouco divulgado, de uma revolução duramente realizada e suas consequências problemáticas pode ser encontrado no Chifre da África.

Há 20 anos, a Eritreia, no nordeste da África, tornou-se legalmente uma nação independente, tendo conseguido sua independência de fato da Etiópia dois anos antes, em 1991, como resultado final de uma guerra de 30 anos. Os revolucionários que venceram a guerra eram heróis, campeões da liberdade se levantando contra o regime opressor e assassino da Etiópia, apoiada, então, pela União Soviética e, tacitamente, pelo Ocidente. Eles tinham restabelecido a nação independente da Eritreia e o futuro parecia promissor. No entanto, a oposição revolucionária e o poder do dia a dia são duas coisas totalmente diferentes. Uma vez que você se acostuma com vitórias gloriosas, as emoções da burocracia e da responsabilidade podem se perder. Assim, criar uma sociedade livre e democrática é um pé no saco total.

A Eritreia era uma colônia da Itália desde 1890, a Etiópia, desde 1935. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Eritreia se tornou parte da Etiópia, mas manteve certa independência. Em 1962, em uma violação de uma resolução da ONU, a Etiópia anexou a Eritreia. A ONU e outras potências mundiais assistiram a tudo sem fazer nada e sem comprometer sua relação com a estrategicamente vital Etiópia. Como John Foster Dulles, secretário de estado dos EstadosUnidos na época, disse em 1950: “Do ponto de vista da justiça, as opiniões do povo da Eritreia devem ser consideradas. No entanto, o interesse estratégico dos Estados Unidos na bacia do Mar Vermelho e considerações de segurança e paz mundial tornam necessário que o país esteja ligado ao nosso aliado, a Etiópia”. Ou seja, a Eritreia estava ferrada.

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Um membro da FLPE fora de Asmara, 1979.

Quando a Eritreia ganhou a independência no começo dos anos 1990, foi o grupo revolucionário marxista Frente pela Libertação do Povo Eritreu (FLPE) que tomou o poder em Asmara, a capital da nação, depois de lutar uma longa e dura guerrilha contra a Etiópia. Com sua disciplina implacável, encorajando abstinência e foco coletivo, o FLPE era — nas palavras de um grande historiador eritreu — “o movimento de libertação de maior sucesso na África”. Eles eram duros na queda e, enquanto sua intolerância à discordância galvanizou seu potencial de combate, isso os transformou em meros tiranos quando chegaram ao poder.

Liderados por Isaias Afewerki, eles continuaram com a tendência por nomes marxistas fortes, tornando-sea Frente do Povo Pela Democracia e Justiça (FPDJ). E, com Isaias à frente e ao centro, o FPDJ continua no poder desde a independência.

Hoje, críticas ao governo não são toleradas. Apenas quatro religiões são oficialmente reconhecidas; faça parte de qualquer outra igreja e você será perseguido. Não há uma sociedade civil propriamente dita e, todo mês, crianças cruzam a fronteira para escapar do serviço nacional obrigatório, que não tem um término fixado e é, essencialmente, uma forma de escravidão patrocinada pelo governo. A agência de refugiados das Nações Unidas (UNHCR) estima que o número de fugas da Eritreia seja de mil por mês (vale lembrar que escapar significa atravessar o Saara até a Etiópia evitando ser baleado pelos guardas da fronteira). A Repórteres Sem Fronteiras coloca a Eritreia em 178º lugar entre 178 países do mundo no quesito liberdade de imprensa, o que significa, basicamente, que qualquer coisa próxima do jornalismo está proibida.

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Um campo de refugiados da ONU perto da fronteira da Etiópia, acomodando alguns dos milhares de eritreus que fogem pela fronteira todos os anos.

Em 2012, centenas de milhares de jovens eritreus fugiram do país para escapar da repressão política cada vez mais profunda e evitar o que se tornou um serviço nacional obrigatório de conclusão em aberto tanto nas forças armadas quanto em empregos controlados pelo partido. Uma média de trezentos refugiados aparece na Etiópia por mês e são colocados nos campos da ONU perto da fronteira.

Em maio, para coincidir com as comemorações de 20 anos da independência da Eritreia, a Anistia Internacional lançou um relatório contundente intitulado Eritreia: 20 anos de Independência, mas ainda sem liberdade. O relatório afirma que existem, no mínimo, 10 mil prisioneiros mantidos ilegalmente sem julgamento nas prisões da Eritreia. A pesquisadora da organização de direitos humanos da Eritreia, Claire Beston, disse-me que esse número não inclui pessoas presas por “tentar evitar o serviço nacional obrigatório ou fugir do país”. O relatório está repleto de depoimentos de pessoas afetadas pelas ações do governo:

“A última vez que vi meu pai foi no começo de 2007, quando eles o levaram de casa. Não sei de nada sobre o que aconteceu com ele depois disso”.

“Nesta geração, todo mundo já esteve na cadeia pelo menos uma vez. Todo mundo que conheci na cadeia já tinha sido preso duas ou três vezes.”

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“Todo mundo precisou confessar o que ele fez. Eles me bateram muitas vezes… Muitas pessoas estavam se tornando deficientes naquele acampamento militar. Durante a noite, eles pegavam as pessoas e as levavam para uma área remota, depois as amarravam e batiam nelas pelas costas.”

Há muito mais coisas assim; não é exatamente uma leitura leve.

A fome na África entre 1984 e 1985 colocou a guerra da Eritreia em suspenso. A Frente de Libertação transportou ajuda para dentro do país para evitar a fome em massa e um êxodo total das áreas atingidas. A Etiópia procurou isolar os eritreus usando a comida como arma.

Tesfamichael Gerahtu, embaixador da Eritreia no Reino Unido e Irlanda, disse-me que enquanto a Eritreia “pode até ter alguns desafios quanto a direitos humanos, não há pessoas encarceradas com base em suas crenças políticas”. O Ministro de Assuntos Internacionais da Eritreia divulgou uma resposta enraivecida que rejeitava as “acusações selvagens” da Anistia Internacional. O comunicado concluía que a Anistia deveria ignorar as celebrações do aniversário de 20 anos da revolução, “satisfeita em sua crença hipócrita que pode, com impunidade, atacar e denegrir uma jovem nação, que apesar das muitas dificuldades, vem conseguindo progredir e melhorar as vidas de seus cidadãos”.

Claire também me disse que a recusa da Eritreia em reconhecer as detenções ilegais de seu próprio povo foi “um grande desapontamento para as famílias dos afetados”. Além disso, ela aponta que a prisão de inocentes é uma contravenção direta de vários tratados internacionais assinadas pelo país. Fazendo um paralelo com outros países conhecidos por aprisionar cidadãos inocentes, a ativista pelos direitos humanos Khataza Gondwe se referiu a Eritreia como “a Coreia do Norte da África”.

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A Eritreia, então, não se tornou o país que muitos esperavam. “Acho que não existe ninguém que acredita que aspromessas deles não foram quebradas”, disse-me o exilado eritreu Gaim Kibreab – professor universitário e autor de Eritrea: A Dream Deferred (Eritreia: Um Sonho Adiado). Kibreab deixou a Eritreia em 1976. Para ele, as ações do governo atual “afetam a todos nós. Tenho parentes nos campos de refugiados no Sudão. Tenho amigos na prisão na Eritreia”. O sonho adiado de uma Eritreia livre não era apenas de Kibreab, mas algo compartilhado por muitos de seus compatriotas, mas, possivelmentenão por Isaias Afewerki e seu exército revolucionário.

Kibreab deseja uma democracia pluralista na qual haja uma imprensa livre e uma sociedade civil pujante. Mas será que isso um dia será uma proposição realista para um grupo de guerrilheiros depois de uma luta de 30 anos? É provável que décadas de poder ininterrupto estivessem mais próximas dos sonhos de Isaias. Dizem que ele é um homem cheio de desprezo pela humanidade, um grande beberrão e malvado. É um violador de direitos humanos e um bandido mesquinho conhecido por ferir pessoas com garrafas quebradas depois de entornar algumas.

Como tal, é provável que ser um chefe se encaixa bem para ele. Seu ex-ministro de assuntos estrangeiros, Petros Solomon, combatente-chave e camarada da revolução, foi preso em 2011 por falar contra o governo como parte do grupo de dissidentes G-15, que escreveu uma carta aberta a Isaias denunciando a falta de liberdade na Eritreia. Não se ouviu mais falar de Solomon desde seu encarceramento.

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Petros Solomon em um bunker subterrâneo na cidade de Nakfa, 1979.

Alguns ex-revolucionários e outros defensores do governo eritreu desdenham dos “supostos intelectuais” exilados como Gaim Kibreab. Eles acreditam que as pessoas que agora falam sobre direitos humanos na Eritreia são hipócritas, gente que não lutou contra a violação dos direitos humanos no país nos anos 1960, 1970 e 1980. Ainda há um número significante de simpatizantes de Isaias na diáspora eritreia. O embaixador do país me disse que “deve-se respeitar o fato de que tivemos nossos direitos humanos violados”, em relação à anexação pela Etiópia – e depois, à guerra – da Eritreia, bem como o apoio internacional da Etiópia.

Kibreab, de certa maneira, concorda com ele. O escritor me disse que quando se fala sobre a Eritreia, é preciso falar sobre a Etiópia, que, segura de sua importância estratégica para os Estados Unidos, continua a passar por cima da Eritreia e a alienar o país do resto do mundo. Um mundo que agora considera o país um pequeno estado pária com potencial para o islamismo, enquanto vê a Etiópia como um estado maior e ainda mais pária, porém vital — um aliado chave na “Guerra ao Terror”.

“A comunidade internacional”, apontou Kibreab, “nunca foi beneficente com o governo eritreu. Mas se eles passassem para um democracia liberal, eles ajudariam a si mesmos”. No entanto, vale a pena lembrar dessa falta de apoio, particularmente, porque isso tem sido verdade desde que John Foster Dulles admitiu que a Eritreia era vítima de um jogo de poder. Liberdade das maquinações dos poderes estrangeiros foi uma das principais forças motrizes da revolução. Agora, ainda isolados, Isaias e seu governo continuam a lutar, proclamando orgulhosamente a sobrevivência em face do desprezo internacional.

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Em 1998, os eritreus voltaram a entrar em guerra com a Etiópia. A juventude do país rapidamente foi mobilizada para voltar às trincheiras.

O interminável serviço militar, por exemplo, faz certo sentido no contexto da agressão etíope. Em 1998, os dois países entraram em guerra novamente por uma pequena porção de território da cidade estéril e pedregosa de Badme. A guerra, que durou mais de dois anos e resultou na morte de mais de 100 mil soldados, foi descrita como “dois carecas brigando por um pente”.

Desde o final da guerra, a Etiópia não reconhece o tribunal internacional que estipulou que Badme é parte da Eritreia. Os oficiais do governo eritreu me disseram repetidas vezes que se a Etiópia reconhecesse a fronteira, eles estariam prontos para fazer amizade com os vizinhos. A Etiópia fundamenta muitas das vertentes da oposição na Eritreia e, juntamente com os Estados Unidos, tem um papel crucial em uma narrativa paranoica forjada pelo governo eritreu: que a própria existência do país está constantemente ameaçada por poderes sombrios além das fronteiras.

Há um elemento de verdade nisso, mas Isaias e seu governo já despiram isso de todo valor. Quando se trata de propaganda, a Etiópia é o maior aliado de Isaias.

Um membro da FLPE fora da Asmara, 1979.

Quando falo sobre os 20 anos da Eritreia, falo sobre a diferença entre o idealismo da oposição revolucionária e a realidade prática do cotidiano de um governo. Depois de anos de guerrilhas nas montanhas, como um movimento revolucionário vai permitir suavemente uma transição de poder?

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Assim como o Talibã no Afeganistão, vimos que uma oposição grisalha icônica talvez não seja a melhor preparação para um governo calmo e moral. Em oposição, aqueles ao redor de Isaias deixaram-no fazer o que precisa ser feito. Havia um sentimento de que ele era “nosso bastardo”. Mas, desde então, o bastardo nunca parou.

Ex-revolucionários na Eritreia são frequentemente caracterizados como bons de copo, bons oradores e péssimos diplomatas. Eles cresceram em meio a uma luta revolucionária e a intrincada diplomacia internacional não é para eles. Paranoicos e com medo de mostrar suas fraquezas, eles punem pessoas inocentes por seus próprios erros.

Essa é a tristeza de todos os sonhos revolucionários que azedam: a realidade da liberdade nunca é a mesma da liberdade prometida. Não é provável que, enquanto o FLPE lutava pela independência de seu país, seus membros olhassem para o céu e pensassem: “Sonhamos em um dia prender pessoas inocentes sem julgamento; que nosso povo fará qualquer coisa para escapar do país; que nossa juventude ficará trancada no serviço nacional e que nunca haverá algo parecido com jornalismo”.

Mas cada geração reage à geração anterior. Isaias está ficando velho e a geração pós-independência já tem 20 anos agora. Nos próximos anos, talvez possamos ver um novo levante na Eritreia. Dessa vez, para melhor.

Siga o Oscar no Twitter: @oscarrickettnow

Veja mais do trabalho do Dan no danconnell.net.

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