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Edição Síria

Abandonei Minha Família Pelo Exército Livre da Síria

Quando a revolta começou, eu era contra a revolução armada. Até que a crueldade do exército sírio me obrigou a mudar de opinião.

Ilustração por Daniel David Freeman

Loubna Mrie cresceu numa família alauíta privilegiada, mas diferentemente da maioria dos seguidores dos 12 imãs do islã xiita, Loubna não apoia o regime de Assad. Quando a guerra civil eclodiu em março de 2012 e as tropas de Assad começaram a disparar contra os manifestantes civis, ela passou a apoiar os rebeldes do Exército Livre da Síria em Damasco e a contrabandear de artilharia.

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Quando a revolta começou, eu era contra a revolução armada. Até que a crueldade do exército sírio me obrigou a mudar de opinião sobre a possibilidade de um movimento pacifista de resistência.

Antes, é preciso dizer que o Exército Livre da Síria não é um exército de estrangeiros que vieram para cá. Eles são amigos com quem estávamos protestando e trabalhando antes da concretização de qualquer força rebelde. Eu sabia que eles precisavam de ajuda, então perguntei o que poderia fazer. Um deles disse que precisavam de munições, então ajudei no contrabando. Não é complicado, mas é bem perigoso.

Nos pontos de inspeção, os alauítas, cristãos e drusos (seguidores de uma ramificação do islã xiita que incorpora outras crenças em sua religião) sempre têm passe livre. O governo e os shabiha (homens armados à paisana que apoiam o regime) acham que todos os ativistas são sunitas. Eles não revistam com cuidado os fiéis de outras religiões, então dá para contrabandear qualquer coisa facilmente, até mesmo armas.

Um dia eu estava contrabandeando munição com um amigo e a polícia nos parou, pedindo para ver os documentos do carro. Os papéis que precisávamos estavam embaixo da caixa de balas que estava entre as poltronas. Meu amigo e eu pegamos os papéis bem devagar, porque, se a caixa balançasse, com certeza ia fazer barulho. Eles não imaginam que as pessoas possam transportar algo tão perigoso tão perto de seus corpos, então conseguimos nos safar.

Quando eu estava em Salma, Latakia, a região mais perigosa na área montanhosa, fui entrevistada por um sujeito do Exército Livre da Síria com uma câmera. Eu estava cobrindo meu rosto, mas as pessoas me reconheceram depois que o vídeo foi parar no YouTube. Recebi muitas mensagens no Facebook, dizendo que eu era uma vergonha, que estava traindo os meus e colaborando com os terroristas. Agora, muitas pessoas da minha cidade e da família do meu pai estão me ameaçando, dizendo que vão me matar se me virem.

Antes mesmo de sair o vídeo no YouTube, eu já estava planejando sair de Damasco. Mas agora tenho medo de não poder voltar. A maioria dos meus amigos foi presa, muitos morreram, e Damasco estava em estado de sítio, cheio de postos de inspeção onde eu sabia que os soldados do Assad tinham meu nome. O vídeo do YouTube não foi o principal motivo da minha partida, mas acabou fazendo com que minha mãe fosse sequestrada. Não tenho notícias dela desde agosto e não sei se ela ainda está viva.

Eu sabia que não ia conseguir passar por um ponto de inspeção, então, por isso, fui clandestina para a Turquia em agosto com ajuda do Exército Livre da Síria. Passamos pelas montanhas e andamos por três horas até chegar a Istambul. Ainda assim, não temo pelo futuro da Síria.

Pra ficar por dentro de todas as questões que estão rolando, recomendamos que você leia nossa cronologia ilustrada da tumultuada história síria, “O Caminho da Destruição”. Montamos também um guia com os tópicos mais importantes pra começar a entender as complexidades do conflito: "Guia VICE Para a Síria".