Nada bom parte 2: a repressão ao 2° ato contra o aumento da tarifa em São Paulo foi pior que no 1°

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Nada bom parte 2: a repressão ao 2° ato contra o aumento da tarifa em São Paulo foi pior que no 1°

O segundo ato foi violentamente reprimido pelas forças policiais.

Se todo mundo achou que o primeiro ato do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento das passagens de ônibus e metrô que aconteceu em São Paulo na última sexta-feira (8) foi curto, o segundo ato foi violentamente inexistente — graças ao desacordo com as forças policiais. A concentração começou às 17h na Praça do Ciclista, no cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação.

Foto: Guilherme Santana/VICE

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Chegando no horário da concentração, dava pra ver que o clima já era meio pesado, uma vez que a Polícia Militar (PM) já havia bloqueado parte da avenida e começava a formar um cordão na Rua Bela Cintra e contava com ajuda da Rocam, da Rota e do Choque. O confronto já era esperado, em parte, por causa da agressão sofrida por um policial à paisana na manifestação de sexta-feira.Tinha mais robocop do que manifestante, mas o tempo foi passando e a galera foi chegando. Mais uma vez, secundaristas do movimento de ocupação das escolas de 2015 estiveram presentes para apoiar a manifestação. Não vou arriscar a chutar algum número e a assessoria da PM não liberou nenhum dado oficial sobre o número de manifestantes, mas a contagem do MPL foi de 7 mil pessoas.

O cientista social Sérgio relembrou uma terceira manifestação naquele mesmo espaço: as Diretas Já, de 1984. "A impressão que a gente tem ao tomar bombas na cabeça é de que a gente vive numa democracia de mentira. Comparando com a saída da ditadura, parece que piorou. Não que agora seja como a ditadura em seu momento mais duro, mas desde o momento de saída, quando estávamos no momento de abertura democrática, a gente avançou quase nada, tanto que estamos tomando bomba da polícia e correndo que nem loucos", analisou. Na concentração, ele previu que a polícia seria mais dura do que no primeiro ato, o que infelizmente se provou verdade. "A impressão é de que o ano promete."

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A expectativa do MPL era de que o ato pudesse ter um começo, meio e fim, ao contrário do que aconteceu na semana passada, em que a PM meteu bala no primeiro sinal de desacordo. "A gente achou a repressão ridícula", disse Vitor dos Santos, militante do MPL, "a polícia é superpreparada para arregaçar todo mundo e apontar o chumbo na nossa cara. Os motivos são ridículos. A galera pisou no sentido norte da 23 de Maio e a polícia bateu."

Manifestantes sendo revistados durante o protesto. Foto: Guilherme Santana/VICE

A primeira detenção do segundo ato já aconteceu antes das 18h. Uma militante do MPL começou a pedir ajuda da imprensa para registrar a abordagem da PM ao manifestante Flávio Ribeiro, que foi detido, de acordo com a PM, por causa de uma corrente que carregava na mochila e uma tesoura. Flávio foi levado por uma viatura e já dava para sentir que a treta maior seria inevitável mais cedo ou mais tarde.

Quase duas horas depois do início da concentração, o MPL puxou um jogral para anunciar o trajeto da manifestação. O plano era descer a Rua da Consolação até a Avenida Rebouças e terminar no Largo da Batata, em Pinheiros. Mas a PM não autorizou o trajeto, impondo uma caminhada apenas até o centro da cidade (onde fica a Prefeitura). Mesmo assim, os manifestantes preferiram resistir e manter o trajeto inicial.

Foto: Guilherme Santana/VICE

O circo estava armado. A PM já havia formado um cordão no sentido Paraíso da Paulista para que as pessoas não tentassem ocupar o resto da avenida e formou um novo cordão no sentido Rebouças da Consolação para que nem uma barata conseguisse passar por eles. Vi duas freiras idosas carregando malas tentando chegar a um hotel logo atrás do cordão policial, mas elas foram impedidas de passar. O Padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral da População de Rua, estava na linha de frente do ato e foi chamado para tentar negociar com os robocops, mas foi completamente ignorado pelas autoridades.

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Todo mundo já estava bem impaciente porque o ato não saía e começou a rolar uma pressão forte para passar o cordão e descer até a Rebouças, que também já estava com o trânsito fechado e lotada de policiais àquela altura, mesmo sem manifestante nenhum podendo chegar lá. Os ânimos se intensificaram e a PM lançou a primeira bomba de gás lacrimogênio às 19h20. A partir daí, foi o velho corre-corre desesperador, a merda generalizada.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Não tinha para onde correr. A polícia cercou completamente os manifestantes e meteu bala de todos os lados. Um dos black blocs com quem conversamos no começo da concentração nomeou essa tática da PM de "Caldeirão de Hamburgo".

Na muvuca, senti uma lata de gás batendo no meu tornozelo. Não fiquei para ver se aquilo estouraria e corri. Sorte que estava vazia e foi só um susto que deixou um roxo carimbado. Um monte de gente começou a se amontoar nos arbustos do jardim do Instituto Cervantes. Com o barulho dos tiros cada vez mais alto, perto e frequente e o cheiro do gás lacrimogênio sufocando a Avenida, todo mundo começou a se empurrar para dentro do prédio e pular a catraca para entrar.

Os seguranças do Instituto tentaram barra a entrada, mas era um mar de gente impossível de conter. Lá dentro, começaram a pedir para que todo mundo ficasse calmo, mas já rolava o boato forte de que quem estivesse no prédio seria preso. Foi pânico quando um vidro da faixada do prédio quebrou. As pessoas foram saindo com as mãos para o alto e nas pontas dos pés.

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Foto: Guilherme Santana/VICE

Na rua, a nuvem de gás era insuportável. As pessoas corriam para descer a Consolação no sentido centro, porque o outro lado continuava bloqueado pelo cordão policial. Ali, o metroviário Éber Veloso Carlos, de 28 anos, recebia ajuda de um médico manifestante porque tinha tomado uma paulada de um PM na cabeça e estava com o rosto bastante ensanguentado. Munido com a obra de Marx, ele gritava indignado à imprensa e a quem quisesse ouvir que era deficiente e apanhara gratuitamente dos "modernos capitães do mato". "Você está com livro na mão e você apanha. Isso aqui não é bomba, mas é perigoso para o sistema", declarou, segurando uma edição de A Sagrada Família do velho barbudo.

Depois da confusão, o ato foi eficientemente dispersado do cruzamento e alguns focos de resistência se formaram pelo resto da cidade. Como me disse o Vitor mais cedo, a PM estava tão armada que poderia acabar com tudo em dois minutos, e foi exatamente o que aconteceu. Pelo menos 28 pessoas ficaram feridas, de acordo com o MPL, e 13 foram detidas, segundo a Secretaria de Segurança Pública. De acordo com informações do G1, pelo menos duas mulheres grávidas foram agredidas e ficaram seriamente feridas. Relatos de militantes do MPL no Facebook afirmam que uma delas sofreu um aborto por conta das agressões.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Seguindo a Consolação, os restantes andavam sem rumo, com medo de encontrar uma nova emboscada na altura da Praça Roosevelt. No caminho, uma militante do MPL que trocou algumas palavras com a VICE enfatizou a importância de manter o trajeto inicial: "Isso está dentro de uma discussão sobre livre manifestação. As pessoas podem se manifestar. Abrir margem para que a polícia escolha o trajeto é abrir mão, deixar a polícia criminalizar as pessoas. Além de reprimir, prender, ela vai querer escolher o ato das pessoas?".

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Forçadas a seguir em frente, continuamos. Já quase chegando à Roosevelt, um rapaz estava sendo detido. As pessoas em volta diziam que a PM o acusou de jogar uma garrafa de água em direção a um policial montado em uma moto. A garrafa teria machucado a mão do policial, por isso ele estava sendo levado. Um pingo de gente ali em volta gritava contra a polícia e o editor de fotografia da VICE, Felipe Larozza, foi agredido quando registrava a detenção. Depois que a viatura partiu e as pessoas se dispersaram, segui até outro foco da treta: a Rua Sergipe, no bairro do Higienópolis.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Lá, manifestantes tentaram resistir, mas caíram em mais uma emboscada da PM e foram cercados novamente. Fizeram pelo umas 50 pessoas sentarem no chão, todas foram revistadas e uma parte delas foi agredida depois de enfrentarem uma espécie de corredor polonês montado pela polícia. Quando a situação acalmou, o trânsito começou a voltar ao normal, os robocops foram embora em um ônibus (esse sim tarifa zero) da PM e foram muito vaiados. Sem nenhum policial mais à vista, a resistência continuou, com os gritos contra a polícia, impedindo a via de ser liberada. Na altura do Parque Buenos Aires, os policiais voltaram para a Sergipe e meteram mais bala e bomba na galera, que tentou fugir para dentro do parque, mas acabou dando de cara com mais polícia lá dentro. Mais gente foi abordada para revista e logo em seguida liberada.

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Em entrevista coletiva concedida ontem à noite após o protesto, o secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, justificou a ação da PM dizendo que os manifestantes "investiram contra os policiais" para furar o bloqueio e que não houve abuso da polícia. Também ontem, depois de se reunir com o secretário, a prefeitura entrou com pedido de mediação do Ministério Público no diálogo entre a polícia e o MPL, mas o prefeito Haddad não se pronunciou sobre a ação das forças policiais.

Foto: Guilherme Santana/VICE

Já eram 21h e partimos para o Theatro Municipal, onde mais gente continuava tentando terminar o ato que nem tinha começado direito. Na porta do Metrô Anhangabaú na Xavier Toledo tinha gente querendo forçar a entrada na estação e pular catraca. Lógico que deu ruim. Tiro, porrada e bomba do choque para todo lado no mesmo lugar onde o confronto aconteceu no ato de sexta passada.

Foto: Guilherme Santana/VICE

O MPL promete que só vai parar quando a tarifa abaixar e já marcou um novo ato para amanhã (14), que acontecerá simultaneamente em dois pontos da cidade: o Theatro Municipal e o Largo da Batata.

Veja mais fotos da manifestação:

Manifestantes discutem a trajetória do protesto. Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE

Foto: Guilherme Santana/VICE