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Entretenimento

Pedo Sim, Pedo Não

O jornalista Fredi Mendes foi condenado por “armazenar e trocar fotos envolvendo sexo com menores”. Ele alega que conseguiu o material pelo qual foi detido durante apuração jornalística sobre o tema.

Sim, esse é o jornalista Fredi Mendes.

Sexta-feira passada o jornalista Fredi Mendes postou na própria página do Facebook que foi condenado a mais de cinco anos de prisão por “armazenar e trocar fotos envolvendo sexo com menores [de idade]”. Em 2010 ele já tinha ficado detido 77 dias pelo mesmo motivo, depois de a Polícia Federal investigá-lo durante seis meses.

O processo, que tramita em segredo de Justiça, rolava desde 2008, ano em que o próprio publicou reportagem sobre pedofilia virtual na Revista Tempo, sediada em Montes Claros (MG).

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Fredi alega que conseguiu o material de pedofilia pelo qual foi detido durante apuração jornalística para matérias que preparava sobre o tema (que foram publicadas). Os advogados dele irão recorrer. Enquanto isso, de coração mais que aberto e ego nada ferido, aceitou falar tudo e mais um pouco sobre o assunto com a gente. A seguir, a conversa travada por e-mail — SEM ARQUIVOS ANEXOS!

VICE: Por que a foto de perfil do seu Facebook é de uma moça? E por que todas aquelas outras imagens de Smurf, Mulher Maravilha, ursinho Pooh e gatinhos?
Fredi: A foto do Facebook não é de uma menina. Sou eu! Dê uma olhada nas outras fotos. Justamente este meu visual, antes do escândalo da pedofilia, era usado para me atacar. O jornal do ex-prefeito [de Montes Claros] sempre se referiu a mim como a “bichinha”, “a menina dos olhos do prefeito”, “coisa linda”, “a que vai mudar de sexo”. Enfim…. Em relação aos bichinhos, vamos lá: tempos atrás circulou uma corrente no Facebook contra a exploração sexual infantil que pedia para que trocássemos a foto do perfil por um personagem infantil que fez parte da nossa infância. Eu coloquei o Smurf e o ursinho Pooh — este último, inclusive, tema do meu aniversário, quando era repórter da TV Grande Minas/Rede Globo. Já a Mulher Maravilha foi uma outra corrente, em que deveríamos trocar a nossa foto do perfil por um super-herói preferido. Já as fotos de gatinhos, cachorros e afins, se você clicar nelas verá que sempre tem uma historinha abaixo. Grande parte indiretas para amores, ex-amores e amigos. A que tem um cachorrinho beijando um gatinho, eu coloquei depois de uma briga com meu ex-namorado. Uma forma de fazer as pazes!

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Um print screen do álbum do Facebook do Fredi mencionado acima.

Conte sobre a reportagem que você fez para a Revista Tempo sobre pedofilia em 2008.
Eu era repórter especial da Revista Tempo. Saí da televisão, onde trabalhei como repórter e editor-chefe da afiliada Globo local, justamente por ter me apaixonado pelas inúmeras possibilidades que uma revista mensal poderia me fornecer, entre elas as matérias mais aprofundadas, em que eu não fosse vítima do deadline. Desde então, passei a ser o repórter responsável pelas “pautas quentes”. Uma delas foi a matéria sobre pedofilia, um trabalho que exigiu dois meses de apuração. Vários casos de abusos estavam sendo registrados em Montes Claros, alguns deles são citados na reportagem. Na época, discutia-se no Congresso a criação de uma legislação específica para punir a cyberpedofilia. Daí quis mostrar a realidade no Norte de Minas, tanto no mundo real quanto no virtual. Na matéria explico exatamente como agia para comprovar a facilidade de se conseguir este tipo de material pela internet.

Você mencionou que o jornal do ex-prefeito de Montes Claros o atacava. Fale um pouco sobre isso.
Logo após a publicação da matéria, fui chamado para ser redator do programa eleitoral do candidato a prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz [DEM], dono do jornal O Norte. Na época, ele me ofereceu R$ 8 mil reais pelo primeiro turno. No entanto, recebi outra proposta para ser repórter do programa eleitoral do [também candidato] a prefeito de Montes Claros, Luiz Tadeu Leite, pelo PMDB. A equipe me ofereceu R$ 20 mil. O quadro “Plantão 15”, em que eu redigia, entrevistava e aparecia, foi decisivo para a derrota do prefeito Athos Avelino, que tentava a reeleição.

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Prefeito eleito, ocupei o cargo de diretor de comunicação nove meses depois de Luiz Tadeu Leite assumir. Eu passei a ser o número um da comunicação pública municipal. Com isso, recebi uma ordem do prefeito: "Corte todos os patrocínios do jornal O Norte". Neste mesmo período, os assessores do ex-prefeito de Montes Claros, Athos Avelino, criaram um jornal de oposição chamado Daqui. O objetivo era atacar a administração e me atacar!

E por que resolveu fazer uma segunda matérias sobre pedofilia em 2010? Você continuou colaborando para Revista Tempo mesmo depois de ser nomeado diretor de comunicação da Prefeitura?
Sim. O trabalho como diretor de comunicação me dava grana e prestígio, mas continuar no jornalismo me dava credibilidade para não ser considerado um “simples assessor”. No início de 2010, comecei a trabalhar novamente o tema pedofilia. O Estatuto da Criança e do Adolescente iria completar 20 anos no dia 13 de julho. Isso por si só já era motivo de pauta. Coincidentemente, iria completar dois anos da publicação da primeira reportagem sobre o tema. Dois motivos para lá de suficientes para voltar ao tema, não acha?

Como a PF chegou até você? Você suspeitava que estava sendo investigado?
No dia 24 de junho [de 2010] eu estava atravessando a rua, indo para meu trabalho na Prefeitura, quando um agente da Polícia Federal me parou e disse que havia um mandado de busca e apreensão contra mim. Sinceramente achei que poderia ser problemas ligados à Prefeitura, ou coisa do tipo. Não sabia do que se tratava até que o delegado Fernando Bonsack, ironicamente, disse: “Estamos procurando o Dalmo Moura Bordezan!" — um dos nicks que eu usava para manter contato com os pedófilos. Quando o delegado disse isso, respondi tranquilamente: “Já sei do que se trata! É uma reportagem sobre pedofilia que estou fazendo”.

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Na época, o jornal O Norte fazia forte oposição ao atual prefeito Luiz Tadeu Leite, com quem eu trabalhava e fiz campanha. Tanto é que eles fizeram questão de dizerque fui preso dentro da minha sala, na Prefeitura. O que é mentira! Na Prefeitura eles foram justamente para “fazer o grande circo”, autorizado pela Justiça. Reviraram tudo e nada encontraram! Agora uma pergunta que não quer calar: por que foram à Prefeitura, mas não foram à sede da Revista Tempo, onde eu trabalhava todas as noites e parte da madrugada? Não estavam me investigando há seis meses? Como cometeram uma falha dessa natureza? Por quê? Porque lá teriam as respostas para a "investigação"! A intenção era prender só Fredi Mendes, que, modestamente, é um dos jornalistas mais conhecidos e respeitados da cidade.

Aliás, qual era o seu método de trabalho para apuração dessa pauta? Criou vários e-mails, contas no MSN, perfis em redes sociais?
Resumidamente, o método usado era: entrava na sala de bate-papo Uol, onde existiam salas que davam a entender que existia a prática de pedofilia (tipo incesto, novinhas e afins). O nick usado era sempre algo sugestivo, como: Papai Quer, Kids (outro termo muito usado no meio), Padrasto (outra senha). Contato feito, passava meu MSN falso: um de homem e outro de mulher, ao gosto do "freguês". Ao enviar o contato na sala de bate-papo, imediatamente dezenas de nomes apareciam pedindo para serem adicionados. A pergunta feita sempre era a mesma: “Tem foto pra trocar?”. Se você respondesse que não, eles te excluíam. E assim foi acontecendo. Até que decidi trocar, para continuar mantendo contato com eles. E assim foi feito durante quatro vezes. Apenas quatro vezes! Mesmo diante de centenas de contatos com supostos pedófilos… Minha missão era descobrir se eles apenas tinham fantasias virtuais ou praticavam realmente tudo que era dito ou exibido.

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Descobriu muitos pedófilos da sua cidade? Alguns que ninguém nem suspeita?
A maioria era de fora, mas um dia, numa sala de bate-papo de Montes Claros, um homem disse que tinha “esquemas” com meninas menores de 11 anos que se prostituíam na pequena cidade de Juramente e no Mercado Municipal. Ele disse que tinha até fotos. Então "estreitei" laços com ele. Ele me enviou fotos de meninas que seriam as supostas “prostitutas mirins”.

Nunca chegou a ficar receoso por trocar material pedófilo pela internet?
Como eu disse anteriormente, essa era a moeda de troca para continuar conversando com eles. Até 2008, data da primeira reportagem, eles enviavam sem exigir nada em troca, justamente porque não existia um rigor da lei. Mas com a mudança na legislação, aumentou o medo deles. Então eles precisavam de uma certeza para continuar conversando. Contato feito, passavam a mandar, uma atrás da outra, fotos e filmes envolvendo crianças e adolescentes. Eu aceitava, claro! Afinal, quanto mais melhor para a minha reportagem. Não que iria publicar todas as fotos, mas no final poderia dizer: em dois meses de reportagem consegui tantas fotos. E assim confirmar a facilidade deste tipo de crime na internet.

Por que você guardou centenas de vídeos e mais de cinco mil fotografias  — segundo reportagem de O Norte — mesmo depois da publicação da primeira reportagem?
Eu não acumulei esta quantidade toda de material. O que eu tinha eram muitas fotos minhas pessoais e de outras matérias. Eu andava com os pendrives, ferramentas de trabalho. Você já viu jornalista deletar imagens? Deletar arquivo? Nunca! Primeiro porque foram muito difíceis para conseguir da primeira vez; segundo porque precisaria contar todas elas para dar um número de peso na segunda reportagem. Inclusive, amigos próximos meus, tanto da revista quando de fora dela, quando pediam meu pendrive emprestado, eu sempre alertava: “Cuidado! Tem uma pasta aí só com fotos envolvendo sexo com crianças”. Não era segredo para ninguém este material, como a PF, na ânsia de aparecer, tentou fazer acreditar. O delegado estava cometendo um crime ao divulgar material de segredo de Justiça. A pergunta que não quer calar: Por que ele não foi processado por mostrar estas imagens para um jornalista, já que o processo corre em segredo de Justiça por envolver imagens de crianças?

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A edição da Revista Tempo na qual saiu a primeira reportagem 
sobre pedofilia. 

Você dava um bom pedófilo? 
Não, eu me passava apenas por um pedófilo inexperiente, que estava a fim de curtir imagens, mas que tinha medo de colocar em prática. Daí os ‘experientes’ me ensinavam como conseguir este material pela internet e como abusar de crianças, na vida real, com “maior segurança”. Na cabeça deles é possível seduzi-las e garantir o sigilo. Desta forma, fica à vontade para fazer perguntas, “me impressionar”, pedir dicas… E afins….

Chegou a se encontrar pessoalmente com algum desses pedófilos, ou chegou a ir a algum encontro/ritual pedófilo?
Não, não! Inclusive perguntava para alguns deles se havia como nos encontramos, coisa e tal. Todos negavam. Os que negavam eu passava a tratar como “pedófilos virtuais". E os raros que animavam a encontrar eu tratava como "pedófilo real". Fato que comuniquei à PF. Falei: “Os que estão bloqueados no MSN são os que querem encontros reais. Investiguem!”. Pergunta se alguém foi preso além de mim? E olha que durante os 77 dias que fiquei preso, acreditei que estava encarcerado porque eles estavam investigando o caso. Mas não! Deixaram-me preso, negando meu habeas corpus. Sabe quando autorizaram minha liberdade provisória? Quando o juiz Mauricio Leitão tirou férias e meu processo caiu na mão de outro juiz, Doutor Isaias. Responder em liberdade é um direito, a presunção de inocência é um direito. Todos estes direitos me foram negados! Mesmo que eu tivesse intenção sexual de armazenar e trocar fotos, estes direitos não poderiam ter sido negados, afinal este tipo de crime não é hediondo.

E me prenderam em junho de 2010, véspera do início do processo eleitoral, onde equipes de campanhas são montadas. Demoraram dois anos para me julgar, e a condenação saiu agora, novamente, em junho, véspera do inicio de mais um processo eleitoral, onde equipes de campanhas são montadas. Só que desta vez, felizmente, continuarei livre, leve e solto para trabalhar na campanha de quem quiser.

Você acha que será absolvido?
A absolvição maior eu já tive: dos meus telespectadores, dos meus leitores e da população de Montes Claros que me abraça por onde passo. Ou você acha que se eu fosse pedófilo poderia andar pelas ruas? Ou você acha que se fosse pedófilo teria sido tão paparicado pelos presos da cadeia e pelos agentes? Não, não, você sabe muito bem o que acontece com pedófilos quando vão presos. Mas, modestamente, meu talento, meu trabalho, meu caráter e minha ética foram capazes de superar o preconceito contra minha opção sexual, contra meu visual andrógino e contra esta condenação que jogam nas minhas costas.

O que de mais chocante encontrou durante sua apuração sobre pedofilia?
Imagens de bebês sendo violentados pelos pais, o que no meio é chamado de babyfilia, e os vídeos com choro e grito das crianças pedindo para não serem violentadas.