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Tecnologia

Punk Branca de Esperança

A Gee Vaucher fazia parte do Crass e é o gênio por trás de algumas das artes de álbum mais icônicas de todos os tempos.

Imagens por Gee Vaucher

A Gee Vaucher fazia parte do Crass e é o gênio por trás de algumas das artes de álbum mais icônicas de todos os tempos. Seu estilo de colagem e pintura foi copiado por pelo menos uns 890.786 outros artistas nas artes de merda de seus discos. A Gee é corresidente da Dial House, em Epping Forest, Essex, junto com o Penny Rimbaud, com quem conversamos na nossa Edição Antimúsica. Somos amigos há muitos anos, mas nossos convites de tê-la na revista sempre foram respondidos com um educado, porém firme, não. A primeira vez que a convidamos foi depois que mandamos uma Edição de Foto para ela, da qual tínhamos muito orgulho, e ela disse algo do tipo: "Bom, dei uma olhada na revista de vocês e achei tudo uma bosta". A última vez que nos encontramos foi no Raindance Film Festival, depois que ela gentilmente ajudou a colocar nossos filmesSwansea Love StoryeVice Guide to Liberiana seleção do festival. No debate que rolou depois das exibições, a Gee disse bem alto: "Bom, é muito legal vocês fazerem esses filmes sobre gente pobre na Libéria, mas por que não fazem algo de verdade em relação a isso, começando por meter a mão no bolso?". A Gee, que está na casa dos 60 anos, está trabalhando em uma série de quadros de crianças, que ela guarda em um estábulo junto com suas vacas. Conversamos sobre Dagenham, Charles Saatchi, comprando a alma das pessoas, e os perigos de se viver em comunidade. Vice: Vamos falar sobre o trabalho que você está fazendo.
Gee Vaucher:São telas grandes, de dois metros quadrados cada, retratos de crianças que já viram muita coisa e cedo demais. Tentei não especificar o sexo delas. Na verdade, você tira suas próprias conclusões. Adoro a tenacidade das crianças. Mesmo quando confrontam situações terríveis, elas a atravessam de algum jeito e descobrem que a vida é muito maior do que isso. Você pintou de memória ou inventou mesmo?
Normalmente faço colagens depois pinto em cima delas. Algumas são só fotos que encontrei, mas obviamente não são reproduções. Meu trabalho nunca se repete, vai de impressões a esculturas e a pinturas em tela. Como você começou a fazer colagens?
Eu trabalhava em Nova York na época. Estava fazendo pinturas muito detalhadas. Muita gente achava que os trabalhos originais nos álbuns do Crass, comoFeeding of the 5000, de 1978, eram colagens.
Sim, mas eram pinturas. As colagens começaram quando descobri que não conseguia entregar um trabalho da noite para o dia – eles queriam umas pinturas enormes, então era impossível. Aí usei alguns retalhos, que combinei com pintura. Gostei muito do que parecia tinta mas era colagem. Então surgiu de uma necessidade, só depois comecei essa técnica nos meus trabalhos não comissionados.

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Penny Rimbaud, São Francisco, 2008.

E o que você estava fazendo em Nova York naquela época?
Eu estava lá porque eu tinha morado no mesmo lugar praticamente minha vida inteira – na Dial House, onde ainda moro. Eu precisava me distanciar um pouco. Então pensei, bom, se vou trabalhar dentro do sistema, prefiro Nova York do que Londres, porque, na época, ilustradores eram tratados que nem merda em Londres. Você tinha que ilustrar a ideia idiota de alguém, o que não era o meu conceito de diversão. Nova York era muito diferente, lá te respeitavam. Eu trabalhava como ilustradora política, então me davam alguns trabalhos fantásticos. Como o que, por exemplo?
Cobri coisas como corrupção de fotos de escola, como os pais tinham que comprá-las e quanto custavam. Isso foi para oNew York Times, o que de certa maneira era legal. Eles praticamente davam carta branca: te davam a história para ler e te deixavam trabalhar. Eu não sou do tipo que faz trabalho preliminar, mas eles falaram: "Faça uns desenhos preliminares e vamos ver no que dá". Eu falei: "De jeito nenhum". Então eu fiz apenas o trabalho final e eles adoraram. Começou assim. Os temas foram ficando mais pesados. Fiz o Freddie Cowen, um simpatizante nazista que vivia com sua mãe. Um dia ele pegou sua coleção de armas e começou a atirar nas pessoas do topo de um prédio antes de se matar. Depois fiz o Carlos, o Chacal. Tive que fazer uma ilustração depois que ele atirou no [Joseph] Sieff, o líder sionista [britânico]. Fiz muitos trabalhos para o New York Times e para revistas como a Ebony, e eu gostava muito, porque tinham muitas edições negras e eu me dava bem com a equipe, era um desafio bacana. Também fiz alguns trabalhos para a High Times. Como era no Reino Unido, comparado aos EUA?
Eles eram muito fechados em relação ao que você podia fazer, e no final decidiam não fazer nenhuma ilustração que demandava imaginação. Eu só fiz trabalhos com temas como o ciclo de vida de uma ostra, por exemplo.Coisas técnicas. Não gosto de trabalhar com pessoas que eu não gosto – não vou fazer isso, qual é o sentido? É um pesadelo. Gosto de conhecer as pessoas para quem trabalho, e normalmente isso é perfeitamente possível. Algumas vezes não é, mas você consegue desenvolver um diálogo do outro lado do Atlântico, e eles te mandam algumas ideias – não tenho problemas com isso. Algumas vezes você acaba fazendo por nada porque eles mesmos não têm nada para oferecer. Você já teve um agente?
Não. Esse tipo de coisa não me interessa. Estou feliz com o meu trabalho, fico feliz de poder viver dele e fico muito empolgada quando as pessoas me oferecem um lugar para expor, porque adoro fazer exposições. O que mais eu posso querer? Coloco algumas coisas à venda. Não estou tentando ganhar milhões. Nos últimos 20 anos o mercado de arte virou uma loucura.
Isso sempre acontece em época de recessão. É a única coisa que não cai.

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Com sua experiência no mundo da arte, você viu alguma mudança quando pessoas como o Charles Saatchi começaram a comercializar arte?
Bom, não foi tanto a comercialização da arte, é mais algo como: "Lá vão eles de novo". É como pegar uma banda jovem e torná-la um produto, transformar os membros em estrelas, e quando você é muito jovem não segura a onda. Eles penduram uma cenoura na sua frente, com fama de um lado e dinheiro do outro, e no minuto que você sai desse esquema eles te largam como uma tonelada de tijolos. Isso aconteceu com muita gente da Goldsmiths. O Saatchi comprou um ano inteiro e depois largou tudo. Acho que muitos artistas bons se foderam com isso. Hoje em dia, muitos jovens veem a arte como uma forma de virar uma celebridade. Você não pode vender a sua alma, e acho que o Saatchi comprou muitas almas. Isso não é aceitável. OK, umas duas pessoas se deram bem com isso, mas a maioria se deu mal. É muito difícil viver da própria arte. Eu tive muita sorte na vida, consegui ganhar dinheiro com o meu trabalho, mas não tenho nenhuma expectativa. Enquanto eu tiver o meu ateliê e tiver ideias, tá ótimo. E se eu não tiver nenhuma ideia, vou para a rua e encontro alguma coisa. Você pode falar um pouco sobre como se tornou uma artista?
Bom, é aquela velha história de quando você é uma criança que gosta de arte e não desiste, continua fazendo. E você cresceu em?
Dagenham. Os pais de todo mundo trabalhavam na Ford ou na Allied Trade, então as escolas faziam o possível para te tirar da rua e te preparar para trabalhar lá. Nós só tivemos duas excursões na escola, mas eu adorei porque as fábricas eram lindas. Do térreo dava para ver uns tanques da metade do tamanho dessa sala, cheios de cores, cores de batom… Eu adorei. Não me motivou a trabalhar na Yardley, mas era visualmente incrível. Então, me inscrevi para a faculdade de arte local e entrei pelos méritos do meu trabalho. Naquela época, se você tinha um bom portfólio, já era o suficiente para entrar. Quando converso com os jovens sobre arte, muitos me falam que vão fazer um mestrado na área e eu sempre falo: "Você acha que o Picasso perderia tempo com um mestrado? Por que você não mete a cara de uma vez?". O único motivo para fazer faculdade de arte é o material. Quando fiz o curso, era tudo de graça. Não sei como as pessoas conseguem comprar as coisas hoje em dia. Eu não teria terminado a faculdade em Dagenham hoje com a renda que os meus pais tinham. Acho isso horrível. O que você diria que influenciou sua sensibilidade artística na infância? Seus pais te arrastavam para galerias?
Não, nunca vi nada disso. Só tínhamos uma coleção de livros do Charles Dickens. Eu copiava muita coisa dos jornais e revistas, e lembro que uma professora me disse uma vez: "Você deveria parar de copiar e fazer alguma coisa sua". Fiquei meio chocada e não sabia o que fazer. Mandei um quadro para um concurso, mas fui desqualificada porque tinha algumas coisas escritas nele. Era a pintura da Última Ceia em uma caverna com Cristo de pé, com a pele azul, e alguém sentado à mesa com um cartaz escrito "Proíbam as Bombas". Fui desqualificada. Eu queria ter o quadro comigo, a mesa era inteira verde, era muito estranho. Mas depois ganhei alguns prêmios em outros lugares. Ganhei um livro tipo "Como Desenhar" como prêmio uma vez, o que foi ótimo – esse foi o último concurso que participei. O que aconteceu quando você saiu da faculdade?
Comecei a trabalhar três dias por semana em um centro de arte em Barking, onde as escolas levavam os alunos para fazer arte durante o dia. Eu explicava as técnicas. Você já morava na Dial House nessa época?
Consegui uma casa a uns três quilômetros da Dial House. Eu tinha decidido não me mudar com o pessoal, eu queria ser independente. Mas depois de um tempo me mudei para Dial House. Não fazia muito sentido ficar indo e voltando o tempo todo com aspiradores de pó e cortadores de grama. Quando ficou claro que você faria toda a arte do Crass?
Bom, você me conhece, sou terrível, você me dá a mão e eu quero o braço. Amo trabalhar com pessoas e tive que aprender a me segurar, porque se alguém faz uma sugestão eu desconsidero, e isso pode ser meio complicado para algumas pessoas. Na época eu trabalhava para o jornal International Anthem e tinha meu trabalho pessoal, eu não me lembro muito bem como aconteceu. Eu simplesmente fui fazendo de novo e de novo. Imagino que eu deva ter forçado a barra, e isso tenha dado certo. Eu tenho uma ideia e tenho que realizá-la, sou muito rápida. É difícil para as pessoas que não são muito rápidas, mas têm ideias igualmente válidas. Outro motivo pelo qual gosto de trabalhar sozinha é porque não gosto de ser controlada de nenhuma maneira, sou muito seletiva. Se não me dão liberdade, fico irritada.

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Children, 2007.

Já aconteceu de te pressionarem para mudar algo em seu trabalho?
Me mudei de Nova York porque começou a parecer que o meu trabalho não era mais aceito. Eu cheguei a mudar um desenho e me senti meio suja depois, e disse para mim mesma que se aquilo acontecesse outra vez eu iria embora. E aconteceu, naNew York Magazine. Na verdade eles nem quiseram usar a ilustração. Então era hora de me mudar. Minha vida sempre foi ligada à serendipidade, a banda tinha acabado de acabar, começaram a acontecer algumas coisas com o trabalho – era um ótimo momento de ir. Sempre tive muita sorte nesse sentido. Posso estar perdida no meio do nada, sem recursos, e de repente alguém vai aparecer subitamente e me oferecer ajuda. Você é religiosa ou supersticiosa?
Bom, religião é uma palavra muito estranha – espiritualidade talvez seja uma palavra melhor. Meus pais eram metodistas e só me dei conta disso agora. Fui ver a exposição do Banksy em Bristol e, enquanto passeava pela cidade, entrei em um shopping center. Eu olhei para o lado e vi a igreja Wesleyan. Olhei para ela e pensei que eu precisava entrar lá e ter uma certa paz desse ambiente "Compras! Compras! Compras!" ao meu redor. Subi as escadas e vi todas aquelas salas de histórias e de repente caiu a ficha – meus pais eram metodistas! Não sei por que demorei tanto para perceber isso. Meu pai era um ótimo contador de histórias – não religiosas, mas histórias hilárias que todos os vizinhos vinham ouvir. E é daí que vinha isso. Não é estranho? Então eu gostei da exposição do Banksy, mas aprendi mais com a Igreja Metodista, que achei bem interessante. A Igreja Metodista não tem tanta iconografia quanto a Católica, certo?
Nenhuma iconografia, só experiências e as histórias. Tinha uma história em particular que o meu pai contava, que se passava durante a guerra. Minha família tinha se mudado para Dagenham e ele criava galinhas no jardim. Dagenham estava sendo bombardeada direto e um estilhaço de bomba cortou o pescoço de uma galinha. O meu pai amava as galinhas porque elas botavam os ovos que as crianças comiam, então ele saiu correndo, agarrou a galinha e gritou para os vizinhos: "Preciso de agulha e algodão!". Um dos engraçadinhos ao lado gritou: "Que cor você quer?". Na época eu não entendia a piada. Só via todo mundo rindo quando ele contava essa história, porque eles sabiam como eram as coisas. Só fui entender quando fiquei mais velha. Eu também adorava a camaradagem que existia, todo mundo deixava a cerca dos fundos aberta para que as pessoas pudessem entrar, todos tinham uma chave, todos davam e dividiam, era uma comunidade maravilhosa. E desde então eu sempre vivi em comunidade – em Dagenham ou na Dial House. Até mesmo em Nova York todo mundo do prédio se conhecia.

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O que você gosta da vida em comunidade?
Eu gosto dos extremos das coisas. Gosto da aventura de se trabalhar junto, e a Dial House sempre foi um desafio. A maior parte do tempo foi fantástico, mas também foi um pesadelo, mas, você sabe, com cada situação você aprende algo novo sobre si, porque todos temos muito a revelar para nós mesmos. E, claro, tinha aquela coisa de a casa estar sempre aberta, então apareciam caras do nada na beira do inferno. Você nunca achou que poderia ser perigoso?
Não, nunca. Se eu tivesse achado teria ficado alerta quanto a isso. Tinha um cara que bebeu três garrafas de vodca pela manhã. Foi impressionante porque ele não pareceu ficar bêbado, não cambaleou nem nada. Ele também não comeu. Tive que obrigá-lo a comer um pão. Mas não dava. Ele tinha vindo de longe para morar aqui, e eu falei: "Se você quiser sair dessa, precisa se cuidar um pouco melhor". Foi difícil para mim pensar: "É só uma noite". Tive que levá-lo a algum lugar, eu não conseguia lidar com aquilo. Mas, com as portas da casa aberta, tinha uma situação assim todo mês, esse é o princípio do lugar. Mas conforme vai ficando mais velho, você pensa: "Eu não tenho muito mais tempo, preciso continuar". Parece que se passaram 30 anos depois do Crass. Qual a forma de arte que você mais gosta de fazer?
Na verdade eu gosto de tudo. Quer dizer, se eu quisesse fazer uma pintura e fosse forçada a fazer um filme eu não iria gostar. Vou conforme a coisa se manifesta. Eu não planejei fazer outro rosto essa semana, mas achei um que tinha colocado de lado e já ia pintar por cima, mas pensei: "Tem algo aqui e preciso achar o que é". Estou querendo terminar em alguns dias. Quantos rostos você terá feito quando terminar esse?
Seis. Eu deixo as pinturas no celeiro com as vacas. Não tenho opção. Eu preferiria não deixá-las lá, mas não tenho onde pôr. Já aconteceu de alguma vaca comer alguma coisa?
Não, eu as controlo. Eu queria ter um lugar apropriado para guardar meu trabalho, mas não temos espaço. Então funciona para o tamanho das coisas que eu faço. Você recebe muitas propostas para expor?
Sim, muitas coisas e ideias que eu tenho que parar para analisar. É como trabalhar outra vez com as ideias de outras pessoas, e eu preciso ter carta branca. Adoro viajar e adoro fazer coisas, mas também adoro ficar no ateliê sozinha, senão me sinto uma farsa. Se me convidam para expor e eu não tenho nenhum trabalho recente, não fico confortável, porque já estou batalhando com isso. Às vezes vou para o ateliê e não tem nada lá, mas alguma coisa sempre acontece. Me chamaram para fazer uma exposição grande esse ano e outra no ano que vem em Paris, então tenho muita coisa para fazer. Mas não consigo inventar, preciso de tempo e espaço para isso, preciso me pressionar e experimentar. E isso leva tempo. Sou cautelosa com essas coisas. O catálogo do Crass, com ilustrações novas da Gee Vaucher, foi remasterizado e lançado naCrassical Collection, pela Southern. Veja mais em400women.tumblr.com

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Oh America, 1989.

Dictator, 2008. &n