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Música

Discos: João Pires

O caminho entre Portugal, Brasil e Cabo Verde.

Caminhar
Edição de autor
8/10 Nos dias que correm, muito se discute sobre a lusofonia e o seu espaço. Há quem acredite que existem arquétipos culturais comuns entre os países em que se fala português só porque partilham códigos linguísticos semelhantes. Depois há os que acham tudo isso um disparate que nos leva a tomadas de decisões aberrantes, como a do acordo ortográfico. Há também quem dedique a vida e todos os seus talentos a celebrar empiricamente esta flutuante ligação entre toda essa gente que se vai entendendo sem traduções. João Pires, músico maioritariamente português, é um desses casos. Como afirmou o reverberante Álvaro de Campos: «Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir», e ele viaja, ele viaja muito. Em Caminhar, o seu primeiro trabalho em nome próprio, não vem para representar lusofonias, nem espaços imaginários de ligações que outrora foram sem nunca o serem plenamente. João Pires vem para fazer caminho entre três pontos muito específicos: Portugal, Brasil e Cabo Verde, sem descurar o resto do mundo. Caminhar não tem a ver com largar da partida para atingir a meta, caminhar é tão somente viver caminho, e João Pires vive intensamente esse caminho, engarrafa toda a água que separa esses lugares e mata com ela a sede de encontrar rumos que criem novas comunhões, convergências mais fortes que a própria língua, que tende a divergir. Em «A Barca» constrói um começo coeso para atravessar o oceano que se segue, escolhendo para patrono Sassetti, a quem o tema é dedicado. Seguem-se o abrangente «Batuku» e o tema-título «Caminhar», que, através de uma linha simples que se expande em ritmos quentes e se espraia num refrão desaguante, lança definitivamente o ouvinte numa viagem sem retorno. Em seguida e de repente: «Mazurka», aquela composição que todos temos a sensação de já ter ouvido, já que Apolo a dedilhou na sua lira aos nossos sonhos. Em «Batuku II» ouve-se uma das vozes de Graveola e o Lixo Polifónico, José Luis Braga, a vestir a mesma canção com outra alma, e é numa «Estrela» perfeitamente instrumental que o caminhar termina, marcando pelos astros um novo começo. Nas palavras da admirável Brisa “Quem se deixa levar pelo vento, sabe.” e o João sabe que é o vento quem mais viaja. Viajemos nós também com ele.