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Música

Indignu, descobridores dos sete mares

Juntem-se à epopeia no Passos Manuel, no próximo dia 22.

Imaginem que estão em alto mar. A navegar na vossa própria caravela, a conduzir o vosso próprio leme. Está bom tempo. O sol espreita, as águas estão calmas e inspiram confiança. De repente, as ondas agigantam-se e rebentam em cheio mesmo à vossa frente.

Perdem o controlo e sentem a oscilação da embarcação, mas não podem fugir porque estão numa viagem que não pode ser interrompida. As nuvens encobrem o sol e não conseguem ver nada, até ao momento em que a luz volta a surgir, bem lá no fundo, e tudo volta ao seu lugar certo outra vez. Continuam a travessia, com serenidade e explosões, até que um epílogo, de repente, vos conduz ao destino final.

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Esta poderia ser uma viagem oferecida pelo novo disco dos Indignu, o

Odyssea

. É possível, no entanto, que cada um tenha a sua — a única regra é que seja ininterrupta. Um disco, mas também um pequeno livro. Se quiserem construir a vossa própria epopeia, tal como eu fiz, podem aparecer no concerto que a banda dará no Passos Manuel, no dia 22 de Junho. Até lá, fiquem com a minha conversa com o Afonso Dorido, por telefone, aqui há uns dias.

VICE: Olá Afonso. Começo pelo Odyssea, mesmo. Reparei que tem uma organização curiosa. Começa num prólogo, acaba num epílogo e, pelo meio, há cinco capítulos. É como se fosse um livro.

Afonso Dorido:

Sim. Quem pegar no objecto parece, à primeira vista, um livro e não um álbum. Acaba por ser um complemento das duas coisas e o disco destaca-se, também, pela parte visual. Pedimos a um artista plástico, já com telas e quadros, que retratasse o

Odyssea

.

Para além da parte mitológica há também um lirismo muito grande neste projecto, o que é curioso.

Mas desta vez acaba por incidir mais no objecto do que propriamente na música. Temos o spoken word do Partisan Seed no "Capítulo I, Onde as Nuvens se Cruzam", mas de resto o lirismo deixa-se ficar pelos guiões. Acaba por ser um complemento enquanto ouves. Não deixa de estar lá, mas é expresso de forma diferente. Quando escutas uma música, normalmente estás a ouvir o tema e a letra. Neste caso trata-se de um disco instrumental, com um livro que acompanha a melodia. É mais por aí. Se calhar é curioso que assim seja.

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Outra coisa engraçada: a nível de convidados, para além do vocoder do Filipe Miranda e da guitarra portuguesa do João Martins, escolheram integrar o violino da Helena Silva, o violoncelo do Alberto e a viola d'arco do Posh. Isto para além da Graça Carvalho, que também toca violino. Há uma componente clássica muito forte.

Completamente, sim. Ouvimos, não todos, bastante música clássica. Essa parte das cordas deu uma outra carga ao disco que queríamos fazer, conferiu-lhe uma expressão mais grandiosa. Acho que é um bocado por aí. Claro que, também, acabamos por ser influenciados pela música clássica que ouvimos.

Esta Odyssea acaba por ser uma analogia ao vosso próprio percurso?

Mais do que isso, queremos que as pessoas que ouçam o disco se sintam também como numa viagem. Nós tocamos música porque nos dá prazer, porque gostamos. Todos nós temos essa forma de ver as coisas. Queremos que a pessoa que esteja a ouvir sinta que está a fazer uma viagem porque este é um disco sempre seguido. Viajar não é andar de dois em dois minutos e parar. Andamos, adormecemos, acordamos, quebramos barreiras e descobrimos. É um bocado assim o álbum. Tem um bocadinho de tudo, desde o mais clássico, essas partes mais calminhas, até às partes mais pesadas. Nunca tivemos partes tão calmas como agora nem partes tão pujantes. É, portanto, um disco de extremos.

Nas entrevistas o Taka, dos Mono, diz sempre que a música pretende transmitir a luz ao fim do túnel. Isso também é perceptível neste Odyssea.

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O que pode parecer tristeza pode ser uma grande alegria. A principal mensagem que está lá é que no escuro há sempre uma luz. Daí essa ideia de que falava o Taka. Talvez seja uma influência, daí essa anologia de pensamentos.

Como é que foi integrar os elementos de orquestração?

Ora bem, a componente da orquestração foi partilhada com as próprias pessoas que participaram e composta, em parte por mim, por mim e pela Graça. Foi até relativamente fácil e simples essa integração.

Este é o vosso projecto mais post-rock?

Diria que sim. Mas poderia ser rock progressivo ou ambiental. Já no

Fetus in Fetu

, o nosso álbum de 2010, fizemos temas rock e diziam-nos que era post-rock. E percebo porquê, mas incorporámos também a guitarra portuguesa, o spoken word de um poema do Fernando Pessoa, os sintetizadores. Acho que acaba por ser limitativo falarmos apenas em post-rock. Acho que é rock, progressivo, ambiental, há partes psicadélicas. É muito mais do que rock ou post-rock, mas no sentido das coisas que abarca.

Há a guitarra portuguesa de que falaste, nostalgia, um lado bucólico. Pegam muitos no tema portugalidade.

Tentámos dar uma sonoridade específica a cada faixa. Queríamos que cada capítulo tivesse uma mensagem diferente. O

Capítulo 2, Caravela na Ponta dos Dedos

, sempre nos fez pensar no mar. O artista plástico que fez as ilustrações também pensou na mesma coisa e acabou por retratá-lo com o mar e a caravela. Esse capítulo foi buscar coisas que nos fizeram lembrar da nossa portugalidade. Não compomos com isso em mente, simplesmente seguimos o que o tema sugere e pede. O objectivo é que cada faixa tenha a sua marca. Talvez a guitarra portuguesa acabe por ser a marca mais premente.

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No Fetus in Fetu vocês usaram e abusaram da crítica social. Agora esse sentimento convive com outro de maior acalmia?

É engraçado porque as nossas convicções continuam a ser as mesmas, mas quando partimos para este novo álbum queríamos fazer algo que não fosse temporal. Gostaríamos que pudesse ser ouvido agora como daqui a 50 anos. Foi esse ponto de partida. Não deixamos as nossas convicções, só que quisemos apostar em coisas diferentes. Toda a gente sabe como as coisas são, mas não deixámos de pensar que está tudo completamente ao contrário do que deveria estar.

Tenho de perguntar isto. Sei que a "Duzentas Promessas para um Mundo Melhor" já é do álbum anterior, mas conta-me como surgiu a parceria com o Valter Hugo Mãe?

Ora bem, o Valter escreve poesia embora seja mais conhecido pela prosa e tudo começou porque também escrevo poesia. Começámos a trocar emails entre e acabou por nascer a ideia de ele escrever a letra para um tema. Foi uma questão de afinidades. A parceria com o Valter é sempre um coisa completamente descomprometida. Acabou por não acontecer no

Odyssea

, mas poderá revelar-se noutras alturas, de diversas formas.

E esse concerto no Passos Manuel?

Serve para apresentar o

Odyssea

. Serão 50 minutos de concerto, sem qualquer tipo de pausa a não ser o epílogo. O resto será feito de seguida. Sem qualquer interrupção.