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É possível ser feliz e socialmente consciente?

Conversámos com o representante da Action for Happiness para tentar perceber se é possível sermos socialmente conscientes e felizes ao mesmo tempo.

Quando John Lennon cantou as palavras, "I read the news today, oh boy" captou a essência da miséria universal sobre a sociedade que não presta atenção aos assuntos do dia-a-dia. Eu, como humano relativamente-decente, tenho a obrigação de preocupar-me com as coisas que acontecem no mundo. E, realmente, preocupo-me. Grande parte das pessoas preocupam-se. Mas, caramba, numa escala de coisas que nos fazem querer aninhar-nos num cobertor e descontrair, as notícias de hoje em dia fazem lembrar a história de vida trágica do Keanu Reeves.

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A pequena porção de optimismo que eu tinha guardada para 2015 desapareceu quase instantaneamente. Ao terceiro dia de Janeiro, por todos os noticiários corria a história de que o grupo Boko Haram tinha raptado mais de 2.000 pessoas no nordeste da Nigéria, uma tragédia que se destacava no meio de tantas outras tragédias, porque o planeta Terra é assim e é assim que as coisas funcionam. Mas eu sei que há também coisas boas a acontecer actualmente - como por exemplo, aquele casal que ganhou a lotaria pela segunda vez, ou aquela fotografia de George Osborne em que o seu dedo parece um pénis minúsculo.

Determinado a transformar-me numa daquelas pessoas que são tão felizes e bem dispostas que até irritam, entrei em contacto com Alex Nunn, que está à frente da campanha da Action for Happiness, uma espécie de organização de caridade social que pretende "ajudar a melhorar o bem-estar mental e criar assim uma sociedade mais feliz e envolvida". O que eu queria saber - e consequentemente o assunto que mais conversámos - era se podemos ser socialmente conscientes e felizes ao mesmo tempo.

"Gosto bastante da ideia de Viktor Frankl quando diz que a última das dignidades do homem é o direito a escolher a sua própria atitude e, para dizer a verdade, por mais desesperante que seja o mundo que nos rodeia, podemos sempre escolher a forma como interpretamos as coisas", disse Alex, sorrindo.

Ele sorri muito, o que é bastante tranquilizante, para ser sincero.

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"Isso é um factor muito importante, porque, na minha opinião, se olharmos para um acontecimento como o tiroteio do Charlie Hebdo, o que retenho na memória não é a violência ou a forma como o racismo cerca a religião muçulmana. Não. O que ficou [e fica] na minha mente foi a onda de solidariedade mundial que saiu desse acontecimento e que transmitiu uma conexão humana incrível".

Ele tem razão, de certa forma. Dois milhões de pessoas marcharam sob o lema "Je Suis Charlie" nas ruas de Paris. Peço desculpa, mas acho que isso não é muito normal. Na sociedade ocidental, porém, pouco ou quase nada foi feito em relação ao massacre perpetrado pelo Boko Haram. Ou seja, trocando por miúdos, quase nenhum de nós deu importância ao assassinato de milhares de pessoas inocentes.

"Não sei se serei capaz de afirmar com toda a certeza que há uma espécie de optimismo inerente a cada acontecimento, especialmente uma situação tão violenta como esta, mas a questão é que eu acredito mesmo que se alguma coisa provoca algum tipo de emoção dentro de ti, algo que te apaixone - até mesmo alguma coisa que te revolte - deves encontrar meios para agir", explica Alex.

Ocorreu-me, enquanto conversava com Alex, que o que estou realmente a tentar encontrar aqui é se eu - um branco, de classe média - consigo ficar animado mesmo depois de todo o sofrimento e tristeza que há no mundo, por apenas ter tomado consciência do sofrimento dos outros. Quer dizer, eu estou literalmente a tentar evitar qualquer inconveniente por saber algo que possa alterar automaticamente o curso da minha vida. Isso faz de mim a pior pessoa do mundo?

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"Claro que não", respondeu-me Alex. "Mesmo que dissesses algo de alguma forma "errado", ou egoísta, algum tipo de hedonismo que purificasse as tuas necessidades e culpas, o que estarias realmente a fazer era negar a existência de qualquer experiência de compaixão, à partida. E isto é vital para nós, para conseguirmos progredir, estarmos aptos para reconhecer o sofrimento dos outros, emocionarmo-nos com isso, e encontrar formas de lidar com isso. Significa que nos tornámos numa espécie de testemunha dessa situação, tivemos uma reacção emocional humana. Então, tens que continuar a seguir essa cadeia de pensamentos, e se conseguires segui-los de uma forma que favoreça ou tenha algum tipo de efeito positivo para essas pessoas, então aí completas o ciclo da melhor forma possível".

Mesmo que seja algo como escrever uma carta, uma contribuição monetária, ou enviar alimentos, Nunn disse que é possível "que conectes esse problema/situação a algo positivo que possas fazer de acordo com as tuas possibilidades". Este tipo de pro-actividade individual está inteiramente relacionada com o modus operandi da Action for Happiness - e algo que, apesar de tudo, tem sido criticado, essencialmente por David Harper do Guardian, que disse algo como "estas duas suposições têm falhas: que a origem da infelicidade está dentro da cabeça das pessoas - da forma como as pessoas percepcionam o mundo - e que a solução reside basicamente em mudar o nível de individualismo".

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Parece que retiraram esta ideia do livro de Ayn Rand (atenção: qualquer livro de Ayn Rand é horrível), o que é surpreendente considerando que Alex vem de um contexto de "campanha anti-capitalista" e chegou a viver em Brighton. Sim, Brighton, por amor de Deus!

"Na minha opinião, é usar o individualismo para resolver o problemas do individualismo", explicou-me, acrescentando que quando perguntamos às pessoas o que acham realmente da sua própria felicidade, elas libertam-se do stress que ocupa normalmente as suas mentes, o que deixa mais espaço para novos pensamentos. Consequentemente, começam também a reconhecer a sua resiliência perante os outros, aumentando assim o seu grau de consciência acerca da importância do bem-estar familiar, dos amigos, dos colegas de trabalho e de toda a gente que os rodeia.

"Se houvesse um movimento que acordasse as pessoas para estarem atentas e ligadas aos outros - e posteriormente libertar algum espaço nas suas mentes - seria um exemplo de consciência social, que engloba todo tipo de conversas sobre pobreza, alterações climáticas - ou qualquer outro assunto relacionado - que poderia ocorrer com mais frequência", refere Alex.

Grande parte do manifesto do Action for Happiness baseia-se nos "10 segredos para viver mais feliz", que, mesmo parecendo mais uma daquelas listas do Buzzfeed, sugere que a organização trata a depressão como um estado de espírito, e não uma doença - uma ideia que é tão paternalista quanto perigosa. Evitar falar de assuntos de saúde mental é mais ou menos o mesmo que conter uma crise de diarreia (por acaso já pensaste como seria tentar conter uma enorme quantidade de merda líquida durante uma hora?).

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A questão é que Action for Happiness não é um serviço de caridade social em prol da saúde mental, e é exactamente isso que a torna tão intrigante. O objectivo da organização não é tornar a doença (ou mal) algo saudável, mas sim tornar a doença uma coisa feliz.

"Cerca de 50% do nosso bem-estar é decidido pela nossa genética, 10% devido às circunstâncias e 40% relacionado com as nossas acções e atitudes", adiantou Alex, acrescentando que é nesses 40% que a Action for Happiness está focada. O problema, do meu ponto de vista, é que as nossas atitudes são moldadas - em parte - pelas notícias que chegam até nós constantemente, a cada minuto. As notícias deixam-me triste, mas não deprimido - estás a ver onde quero chegar?

Há 20 anos atrás, se quiséssemos descobrir o que se estava a passar no mundo, comprávamos um jornal, ouvíamos a rádio ou víamos o noticiário na televisão uma ou duas vezes por dia. Mas, para a minha geração, não existe tal coisa como "afastarmo-nos ou darmos um tempo". Nós incluimos palavras como "digital" e "online" no nome das nossas profissões, que basicamente significa que passamos (pelo menos) oito horas por dia colados no Twitter a ver o que se passa.

Contrariamente ao que alguns colunistas de jornais possam dizer sobre a apatia ou ignorância que caracterizam as gerações deste novo milénio, nós somos a geração mais informada, por mais não seja por não conseguirmos evitar que a informação chegue até nós. As notícias - mais negativas que propriamente positivas - têm uma presença constante e, mesmo que eu seja uma pessoa que quer mudar o mundo cada vez que algo horrível acontece, simplesmente não tenho tempo. Por causa dos tweets constantes, sabes? Então pergunto: existe alguma coisa que nos faça não cair em desespero cada vez que noticiam um homicídio em massa ou um desastre natural?

"Em primeiro lugar tens de reconhecer que a característica do ser humano mais importante é o facto de nos importarmos com o que se passa à nossa volta", respondeu-me o Alex. "E isto significa que existe no mundo mais uma pessoa que se importa com os outros. Dedicaste algum tempo a pensar e aceitar o facto de que isso é, por si só, uma coisa espectacular. E com isso podes abrir a mente e encontrar uma forma criativa para fazeres algo mais que apenas tomares consciência do problema. Nesse momento poderás agir e não apenas ficar-te pela preocupação".

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