O homem que constrói computadores com neurónios vivos

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O homem que constrói computadores com neurónios vivos

A startup Koniku, apresenta-se como a primeira e única empresa do Planeta a construir chips com neurónios biológicos.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

No mês passado,a divisão de Inteligência Artificial do Google, a DeepMind, anunciou que o seu computador tinha vencido o campeão europeu de Go cinco vezes seguidas. Go, um jogo de estratégia disputado num tabuleiro de 19 linhas intercaladas com 19 colunas, é bem mais difícil para um computador do que o xadrez — há 20 movimentos possíveis no início de uma partida de xadrez, enquanto que no Go há 361 —, e o comunicado foi louvado como mais um marco na evolução da inteligência artificial.

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O Google, o Facebook e a IBM apostam em computadores que prometem emular a mente humana. Para os estudiosos dessas empresas, a capacidade de aprender e reconhecer padrões é tida como o próximo passo na evolução da inteligência artificial. O empreendedor nigeriano Oshiorenoya Agabi, porém, acredita que falta um componente essencial nos processadores similares à mente: cérebros reais.

Ou pelo menos neurónios vivos. A sua startup, a Koniku, que acabou de concluir uma experiência com o acelerador biotecnológico IndieBio, apresenta-se como "a primeira e única empresa do planeta a construir chips com neurónios biológicos".

Agabi. Cortesia IndieBio SF

Em vez de mimetizar a actividade cerebral com chips, Agabi quer agarrar na própria matéria do cérebro humano para criar os chips. Ele integra neurónios cultivados em laboratório com chips computacionais, numa tentativa de os deixar muito mais potentes que os seus predecessores-padrão, de silicone.

Neste momento, a Koniku está a angariar fundos, com o objectivo de conseguir 6,3 milhões de dólares. Segundo Agabi, a empresa conquistou clientes da indústria farmacêutica, como a AstraZeneca, do Reino Unido, e da aviação, como a Boeing, que escreveu uma carta onde anunciava a intenção de usar a tecnologia em drones para detectar produtos químicos.

A entrega da primeira leva de chips melhorados com neurónios está programada para os próximos meses. Agabi diz que um dos clientes, uma empresa de drones, espera que os processadores sejam primorosos na detecção de perdas de metano em refinarias de petróleo. Outro cliente planeia usar os processadores para moldar o efeito que determinados medicamentos causarão no cérebro humano.

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O futuro, acredita Agabi, será executado num computador muito mais vivo.

Um chip Koniku

Parte do sucesso da campanha de financiamento da Koniku vem da sua visão genuína e até mesmo romântica dos chips feitos com neurónios. Ele diz que é o futuro do processamento. Quando entrevistei Agabi, o seu entusiasmo era nítido, no que ao futuro da neurotecnologia diz respeito.

Agabi conta que começou a interessar-se pela aprendizagem automatizada enquanto ensinava um braço robótico — projectado para mover peças — a classificar objectos. Na época, trabalhava para uma companhia suíça de robótica, a Neuronics.

Depois de oito anos, deixou a empresa para fazer um mestrado em física teórica com o foco no desafio do interface entre neurónios e robots. Passou os quatro anos seguintes dedicado a construir um braço robótico que pudesse ser acoplado a um membro amputado e, por fim, mudou-se para Londres para iniciar um doutoramento em bioengenharia.

"Agabi pretende construir um chip de computador com processadores vivos, de aprendizagem automatizada".

Ao reconhecer o carácter impositivo do próprio currículo, o engenheiro parou por momentos e tentou simplificar a sua carreira. "Nos últimos 15 anos, empenhei-me em compreender como os neurónios comunicam entre si", justifica. "Estudei a possibilidade de nos comunicarmos com neurónios individuais — isto é, de lermos as informações vindas deles e passar-lhes informações".

Essa capacidade de codificar tarefas específicas em neurónios, resultado do histórico especializado de Agabi, é a essência do que a Koniku pretende realizar. Depois da tentativa de ensinar máquinas a aprender por meio do estudo da mecânica do cérebro, o nigeriano acredita que a sua equipa será capaz de organizar neurónios vivos em circuitos projectados para executar tarefas precisas — basicamente, pretende construir um chip de computador com processadores vivos, de aprendizagem automatizada. "Consideramos a perspectiva radical de que seremos mesmo capazes de trabalhar com neurónios biológicos, reais", assegura.

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Desde 1947, a quantidade de transistores que podem ser armazenados num chip aumentou de alguns milhares para dois mil milhões. Hoje, os fabricantes de chips encolheram o tamanho de cada transistor de silicone ao equivalente a três filamentos de DNA. Agabi considera que, visto que há um limite mínimo para o tamanho das lentes de um transistor de silicone (a IBM anunciou em Julho último a criação de um transistor de 7 nanímetros e um átomo de silicone mede 0,2 nm), a potência do processamento com base no material só poderá chegar até certo ponto.

"No ciclo de aceleração da potência computacional, fomos da ardósia ao papel, do papel aos sistemas mecânicos, dos sistemas mecânicos ao tubo de vácuo, do tubo de vácuo ao silicone", explica. E acrescenta: "Agora, estamos a mudar para os neurónios".

Para ter uma noção de referência, Laeeq Evered, professor de neuropsicologia do Wright Institute, nos Estados Unidos, explica-me que "um pedaço de matéria cerebral do tamanho de um grão de areia contém aproximadamente 100 mil neurónios, dois milhões de axónios e um bilião de sinapses".

É evidente, claro, o cariz quixotesco do sonho de criar um chip artificial assim tão pequeno e potente, mas Agabi crê que encontrou o caminho. Perguntei ao professor Evered se ele achava impossível construir um chip tão potente como o cérebro humano. "Acho, mas também acho que todos nós já fomos surpreendidos pelo progresso da tecnologia", responde entre risos. "Por isso, veremos", conclui.

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Agabi conta-me que acredita que quaisquer hesitações acerca de chips feitos com neurónios desaparecerão quando a Koniku exibir publicamente a aplicação prática do chip."Queremos construir ideias que façam as pessoas dizerem, 'isso é tão óbvio'". "Hoje não é assim, porque ainda ninguém demonstrou o produto", continua. "Mas tenho a certeza de que, em dois anos, quando o apresentarmos, será do tipo, 'isso, é tão óbvio'".

Em busca de uma terceira opinião, voltei-me para Sherif Ed, um dos engenheiros de sistemas por trás do programa de aprendizagem profunda DRIVE PX, que pode ser a chave para o automóvel de condução automática. Ele diz que ficou intrigado com a ideia de processadores feitos com neurónios, mas acredita que essa tecnologia ainda tem como base muitas variáveis desconhecidas.

"Existem tantos segredos que ainda não desvendámos!", justifica. "Os chips feitos com neurónios podem desbloquear algo no futuro, mas precisam de investidores com muita fé, ou com bolsos muito fundos, dispostos a meterem dinheiro na mesa só para verem o que pode acontecer".

Ed acha que os processadores feitos com neurónios só serão adoptados daqui a décadas, isso se forem mesmo adoptados. Do ponto de vista de Agabi, no entanto, a tecnologia é inevitável — e já está no horizonte. Ele acredita que os chips abastecerão a robótica ao redor do mundo em apenas cinco anos. O que levanta a questão: o que acontecerá se ele conseguir?

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A primeira vez que ouvi falar da Koniku fiquei assustado. Acompanhei de perto a corrida da inteligência artificial e o apelo por cautela por parte do filósofo Nick Bostrom convenceu-me. Para mim, a startup parecia uma Skynet em potência— afinal, estamos a falar de um plano que pretende conceder cérebros humanos às máquinas.

"O carbono é um material como qualquer outro. Portanto, partimos da premissa de que os neurónios são um material".

É claro que mencionei a Agabi a inteligência artifical do mal. Perguntei-lhe se se sentia sobrecarregado com o efeito que os filmes da saga Terminator tiveram sobre a sua pesquisa. "Sim, sim, sim", respondeu ele enquanto abria um sorriso cansado.

A ideia de uma empresa colocar membros humanos em máquinas é apenas um mero caso de antropomorfização, assegura-me. Os neurónios estão presentes em diversos cérebros animais, além dos humanos, e Agabi lembrou-me que os neurónios da Koniku são cultivados em laboratório. "O carbono é um material como qualquer outro", explica. "Portanto, partimos da premissa de que os neurónios são um material". Para Agabi, o que ele chama de "dramalhão da inteligência artificial" é muito menos interessante do que a simples questão da eficiência.

Ele observa que o Tianhe-2, o supercomputador mais potente construído até hoje, demanda 24 megawatts de potência, enquanto o cérebro humano funciona com apenas 10 watts. Por outras palavras, conclui, o computador mais potente da Terra queima 2,4 milhões de vezes mais energia do que o cérebro humano. "Não é um luxo, não fazemos isso só porque podemos. É uma questão de urgência", assegura. "Precisamos de encontrar uma maneira de construir muito mais coisas com muito menos, caso nós, enquanto espécie, queiramos sobreviver".

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Evered concorda com a ideia de que uma grande parcela da tremenda eficiência do cérebro deriva da sua capacidade de aprender a reconhecer e reforçar conexões propícias entre neurónios. Apesar de nascermos com 100 bilhões de neurónios, perdemos 100 mil por dia — e é a capacidade dos neurónios restantes de formar conexões com os seus equivalentes benéficos que determina o poder do cérebro.

"Não é uma questão de natureza inata versus estímulo. É natureza inata e estímulo. Temos um determinado número de neurónios e conexões neurológicas, que carrega determinações genéticas", diz. "São essas conexões que, com aprendizagem e desenvolvimento, marcam o que é um cérebro forte".

Portanto, grande parte do desafio de criar processadores similares ao cérebro consiste na procura por computadores com capacidade de adaptação à programação. Em laboratório, Agabi afirma que a Koniku já provou que os seus chips são passíveis de aprendizagem profunda — isto é, apresentam a capacidade de reconhecer padrões e reter esse conhecimento — ao demonstrar um processo conhecido como plasticidade, em função do tempo de ocorrência dos disparos neurais. Por outras palavras, mostra como os neurónios são capazes de construir circuitos em conjunto com os seus pares benéficos.

Agabi acredita que os seus chips serão melhores em aprendizagem do que os processadores tradicionais de silicone, já que, diz ele, podem espelhar em detalhe a actividade cerebral.

No fim da nossa conversa, perguntei a Agabi se ele achava que os seus chips movidos a neurónios poderiam ser a chave para fortalecer a humanidade para além da Lei de Moore — regra que sustenta que o poder de processamento dos computadores duplica a cada dois anos. Alguns especialistas já expressaram preocupação com a possibilidade de esse aumento ter estabilizado. Temem que o futuro da inteligência artificial dependa da capacidade dos engenheiros de conceber em computadores mais rápidos e eficientes do que os que estão disponíveis hoje.

Agabi aponta que, há 70 anos que a Lei de Moore é aplicada à intensificação da potência computacional por meio da adição de mais processadores de silicone. Segundo ele, será preciso afastarmo-nos do silicone para que Silicon Valley continue a inovar. "A Lei de Moore é um retalho, é apenas uma pequena peça dessa lei maior", salienta. E conclui: "A nossa capacidade de calcular cada vez mais rápido, essa sim, é uma lei que veio para ficar".