FYI.

This story is over 5 years old.

cenas

O Paulo Ramos já serviu bebidas ao lado do Tom Cruise e não ficou impressionado

O whisky é uma bebida eterna.

Esqueçam o tasqueiro de palito no canto da boca e pano ao ombro que só sabe grunhir quando vocês lhe pedem algo. Essa criatura tem o seu charme, mas não é um bartender. E o puto com cabelo a pingar de gel que vos serve um whisky mal amanhado cheio de cola e gelo até cima mesmo quando vocês o pediram puro também não é um bartender, é um barman. Fomos falar com o Paulo Ramos, alguém que realmente entende do ofício — o suficiente para vos ensinar qualquer coisinha. VICE: Como é que começaste nesta área?
Paulo Ramos: Isso já vem de há muitos anos atrás. Era para aí 1982, tinha eu 17 anitos, e comecei a trabalhar num restaurante no Algarve. Eu sou algarvio, e naquela região não tens muitas opções de trabalho: é turismo, é hotelaria. Nesse sítio tive a sorte de ter como instrutor um bartender meio inglês e meio americano que me ensinou desde logo a escola americana do bartending — a performance, mais do que apenas servir bebidas. E foi isso que te fascinou no bartending, aquela presença quase de animador?
Os “malabarismos” acabaram por vir depois, mas antes disso foi mesmo toda uma aprendizagem aprofundada desde o corte de fruta até à gestão do stock do bar. Foram quatro ou cinco anos de métier puro, e depois saí de Portugal. Andei a trabalhar em Espanha, na Holanda e depois ingressei em formação propriamente dita em Londres, onde já desenvolvi mais esse aspecto "americano" do bartending. Essa é uma grande diferença, porque aqui na Europa não temos essa tradição do barman como um anfitrião como existe na América.
É mesmo essa a diferença principal. Até a própria palavra indica “bar” e “attend”, bartender, alguém que está a receber as pessoas ao balcão. Cumprimenta-as, apresenta-se, aconselha escolhas e conversa com os clientes. As pessoas pensam logo nas malabarices mas isso é só uma pequena parte do que o barman faz. Também faz parte desse imaginário de malabarismo aquele “clássico” que é o filme Cocktail, com o Tom Cruise. Segundo sei, conheceste o Tom precisamente nessa altura.
Conheci-o, de facto. Na altura eu estava a trabalhar num bar da cadeia Thank God It's Friday's, onde se leva muito a sério o trabalho de bartender. E a produção do filme passou por lá para filmar uma cena, e acabei por conhecer o Tom Cruise. Ele até sabia alguns moves, mas o que o ajuda mesmo são os cortes que fazem na montagem, fazem-no parecer muito mais ágil [risos]. Fora os malabarismos, é esperado do bartender que saiba ouvir os clientes, que saiba falar com eles. É a tua experiência?
E de que maneira! Ao longo da minha carreira já servi de confessor muitas vezes. Mas tal como um padre, não vou agora estar a revelar o que me foi confessado. Até porque muitas vezes preferia não ter ouvido [risos]. Tu que dedicaste uma vida inteira ao álcool, vê-lo mais como um lubrificante social ou como degustação?
Entendo que haja quem veja o álcool como um desinibidor, algo que te suaviza o ânimo. Mas ao fim destes anos todos, já só tenho uma visão analista. Para mim, o álcool nas suas diversas formas são só ingredientes. Como um cozinheiro tenho de saber fazer bem as misturas, tenho de as saber condimentar. Nem tudo funciona e, mais do que saber uma série de receitas de cor, tenho de ir experimentando, estar pronto a descobrir coisas novas para fazer. Tu tens em Portugal uma escola de formação, a Ramos Cocktail Academy, desde 2002. Sentes que a maneira dos portugueses beberem mudou desde esses anos.
Sim, afinal já passaram quase 15 anos e já se vão notando algumas mudanças no mercado. Há mais vontade de conhecer, de conseguir oferecer algo mais que o concorrente. As nossas acções de formação levam-nos do Norte ao Sul do país, e como tentamos ter uma formação muito prática, em trabalho, leva-nos a ter uma boa noção de como estão as coisas em Portugal. O bartending já começa a ganhar outro nível, e notamos cada vez mais interesse em aprender, até mesmo em ensinar como nós fazemos. O balanço da minha academia tem sido definitivamente bom. Tens um movimento pendular entre Europa e Estados Unidos, estás numa boa posição para comparar a maneira de beber de uns e de outros.
Há hábitos de bebida bastante diferentes, sem dúvida. Os americanos bebem com mais informação, sabem bem o que estão a beber. Eles são um melting pot de etnias, mas também o são de bebida! Enquanto que nós europeus inventamos a maior parte dos whiskys mas bebemo-los de uma maneira ainda bastante caseira. Bebemos o que temos à mão, e não nos aventuramos muito para fora da nossa zona de conforto. Nos Estados Unidos é diferente, eles têm uma ampla gama de álcool à disposição e sabem enveredar pelo álcool que mais lhes agrada. É outra maneira de pensar, até porque eles têm instituído o hábito de ter uma arca congeladora para a comida e outra apenas para as bebidas. Isso tem de mudar. E quanto a tendências em cocktails? Actualmente fala-se de um regresso em força dos cocktails com whisky. Como vês isso?
Acho que o whisky é uma matéria-prima muito interessante, até porque resiste ao carácter efémero da tendência. Pelo que eu vi durante a minha carreira, alguém que começa a beber whisky não muda para outra bebida, permanecem fiéis. E para alguém que trabalha com bebida, o interesse está na grande variedade do whisky: tens bourbon americano, canadiano, tens whisky escocês e irlandês. Nós na Academia temos uma masterclass que fazemos apenas algumas vezes por ano dedicada exclusivamente ao whisky, e isso traz sempre imensas pessoas. Até porque na master valorizamos esse potencial de diversidade do whisky. Para terminar, que cocktail de Whisky é que tenho mesmo de experimentar?
O primeiro que me ocorre é o Whisky Sour, muito popular. Mas, lá está, há tantas possibilidades como variedades.