As mulheres de Layse Almada

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As mulheres de Layse Almada

Aos 24 anos, a paraense espalha mulheres de todo tipo pelo centro de São Paulo

Duas mulheres estão encostadas no início do Minhocão. Nuas, com sapatinhos rosas e meias verdes, elas têm cabeça de cogumelo. Outra está em frente à Praça Roosevelt montada em um cavalo-marinho. Uma terceira mana está com a blusa levantada embaixo do viaduto, no lugar de seu rosto um pé de alface. Elas estão por toda parte do centro de São Paulo. São magras, gordas, negras, brancas, podem ter cabeças de orquídeas, chorar plantinhas e ter um braço ou um seio a menos. São milhares em um só olhar, em um só traço. Layse Almada, a criadora deste universo, dá vida aos mais variados sentimentos. Ela cria, se define e representa todos os tipos de mulheres com seus lambe-lambes sem assinatura. "Eu acho mais interessante as pessoas reconhecerem o trabalho pelo traço", ela comenta logo depois de meter cola numa pilastra do Elevado Presidente João Goulart, até pouco tempo atrás Costa e Silva. "São experiências pessoais ou situações que eu vejo na rua ou mulheres que eu reparo na rua. Eu tô questionando a quebra dos padrões. Todo mundo merece respeito, merece seus direitos", ela comenta.

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O processo dos lambe-lambes ainda é recente em sua trajetória. Ela explica como deu start no rolê. "Rolou uma entrevista na VICE no final do ano e depois uma participação de um programa da Globo. Aumentou um pouco a visibilidade do Instagram, no Facebook eu comecei a ser denunciada direto. Quase todas as artes que eu publicava eram denunciadas, porque tem muita representação de corpo", explica. A técnica tem sido também uma forma de Layse estar mais íntima à cidade em que mora há pouco mais de um ano. "Os lambes estão sendo uma forma de interagir mais com São Paulo, um jeito de eu pertencer a um ponto."

Nascida em Belém, no Pará, e criada no Amapá, a ilustradora desembarcou em São Paulo com a passagem de volta marcada, mas decidiu ficar. "Eu fui criada em contato com o natural, a natureza mesmo. Todo final de semana a gente ia acampar e realmente pegava a estrada. Eu acho que isso tem muito a ver com os meus desenhos, é sempre a mulher em contato com a natureza. Eu acho que vem dessa criação, de morar perto do rio."

Aos 24 anos, a ilustradora caçula de três irmãos, tem distribuído suas mulheres também pela epiderme das pessoas. Desde o final do ano passado acumula também o trabalho de tatuadora. "As pessoas levaram a sério e eu comecei a levar a sério também. É uma forma de pagar as contas do mês", mas define as regras. "Eu tatuo só os meus desenhos e tá rolando uma procura maior, porque as pessoas realmente querem o meu traço. Por mais que elas tenham referência de uma ilustração, elas pedem pra que eu faça o desenho em cima da imagem de referência."

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Layse tem ciência do impacto que seus desenhos podem causar. "Eu acho que meu traço incomoda, porque te tira de um padrão." A nudez, às vezes castigada nas redes sociais, talvez seja menos agressiva do que as mutilações e a concepção de ter de lidar com algo que não é normativo. Ela explica. "A ideia das meninas mutiladas na rua é chocante, como se fosse uma aberração, como se não fosse normal. A mutilação dessa mulher a deixa ainda mais bonita, porque representa a força dela por alguma coisa que aconteceu", analisa.

A pluralidade de suas minas é uma forma, muito bela, de retratar o bálsamo feminino. "Eu acho que a essência da mulher está na liberdade, na busca por essa liberdade, no autoconhecimento, acho que tá aí. Para alcançar isso eu busquei muito isso em mim. Foi quando eu comecei a ler sobre feminismo e isso foi acontecendo junto com os desenhos", revela a ilustradora que começou a desenvolver seus traços para se recuperar de uma síndrome do pânico. "Eu cheguei a ter crises fortes, realmente de passar um tempo sem sair, tomei remédio controlado por seis meses e depois fui diminuindo. Não fazia muito sentido pra mim tomar tantos remédios."

Acredite, há uma tática para que você repare nas mulheres de Layse Almada. Ela abre o jogo. "Por mais que os assuntos que eu esteja falando sejam um pouquinho ácidos e não tão fáceis de conversar e dialogar, a minha cartela de cores é confortável e isso traz uma estética agradável para você pelo menos observar aquilo. E a partir do momento que tu observa, tu não tem mais como não pensar, porque já observou. É uma forma de chamar." E é assim mesmo, quando você menos espera. PLAU. Ela já te jogou uma reflexão na sua fuça. E que bom que isso aconteça. "Eu acho que a mulher é muito taxada, a gente sempre foi vista como uma carne, uma coisa que se usa. É uma forma de ser dona de seu próprio corpo, uma forma de representar isso". Tomara que essas mulheres de Layse se multipliquem por toda a cidade de São Paulo, por todo o país, que elas alcancem a estratosfera e por onde passem causem, no mínimo, a reflexão.

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