Nas últimas 24 horas, a internet foi tomada por um grande debate: Bob Dylan, o pai do folk, mereceu ou não ganhar o Prêmio Nobel de Literatura? Discussões à parte, nós da Motherboard estamos mais interessados no fato de que Dylan é um profeta e que suas letras, poesia e música previram o futuro.
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(Mas é óbvio que mereceu, né?)
Em “License to Kill” (1984), por exemplo, ele descreve o impacto da guerra e da ambição humana, prevendo as atuais mudanças climáticas antes que o termo tivesse sido inventado:
Man thinks ’cause he rules the earth he can do with it as he please
And if things don’t change soon, he will.
Oh, man has invented his doom,
First step was touching the moon.
(Tradução: O homem pensa que pode fazer o que quiser com a Terra
E que se as coisas não mudarem logo, ele mudará.
Oh, o homem criou sua sina,
O primeiro passo foi pisar na lua.)
Em Talkin’ World War III Blues” (1963), sua famosa canção distópica, Dylan explora o medo causado pela incapacidade de compreender o mundo ao seu redor. As semelhanças com as eleições americanas e do cenário político brasileiro não são poucas:
Down the corner by the hot-dog stand
I seen a man, I said, “Howdy friend
I guess there’s just us two”
He screamed a bit and away he flew
Thought I was a Communist
(Tradução: Na esquina, do lado da barraca de cachorro-quente
Vi um homem e disse, “Fala, amigo
Acho que só sobrou a gente”
Ele gritou um pouco e sumiu de vista
Crente que eu era um Comunista)
Em “Union Sundown” (1986), Dylan problematiza a globalização, assim como a cadeia produtiva e o trabalho semi-escravo utilizado por toda grande empresa, da H&M à Nike:
Well, my shoes, they comes from Singapore
My flashlight’s from Taiwan
My tablecloth’s from Malayisia
My belt buckle’s from the Amazon
You know, this shirt I wear comes from the Philippines
And the car I drive is a Chevrolet
It was put together down in Argentina
By a guy making thirty cents a day.
Well, it’s sundown on the union
And what’s made in the USA
Sure was a good idea
‘Til greed got in the way.
(Tradução: Bem, meus sapatos vem de Cingapura
Minha lanterna de Taiwan
Minha toalha de mesa é da Malásia
A fivela do meu cinto, da Amazônia
Sabe, essa camisa vem das Filipinas
E meu carro é um Chevrolet
Que foi montado na Argentina
Por um cara que ganha 30 centavos por dia.
Bem, é o crepúsculo dos sindicatos
E do que um dia já foi feito nos EUA
A ideia até que foi boa
Mas a cobiça tomou conta.)
Dylan também tem uma música chamada “Isis” (1976) — mas não vamos forçar a barra.
A verdade é que Dylan não precisou ser um profeta para vislumbrar o que aconteceria nas décadas seguintes. Talvez ele tenha passado toda sua vida no meio de um jardim, assistindo às sementes sendo plantadas, atento o suficiente para saber o que aconteceria quando elas fossem regadas.
No entanto, o fato de suas palavras ainda parecerem tão verdadeiras quanto há 30 ou 60 anos faz dele um gênio, com ou sem prêmio Nobel. No fim, pelo menos podemos concordar que ter se recusado a ensinar um computador superinteligente a cantar foi um ato admirável.
Mesmo com o mundo lotado de inteligência artificial, marcas e cada vez mais subdivisões, Dylan sempre será um trunfo da humanidade.
Tradução: Ananda Pieratti