Um pedaço de código pode ser um problema bem grande pra você, seu computador, a sua empresa e — na pior das hipóteses — seu governo. Usar a internet sem pensar e se aventurar por sites suspeitos pode render problemas maiores do que ter o navegador do Baidu instalado na sua máquina. A dor de cabeça causada pelos recentes ataques do WannaCry, Petya e Bad Rabbit foram boa (péssima, na real) amostra disso.
Os três surtos de ransomware ocorridos este ano deram o tom da capacidade de causar prejuízos. Muita gente teve o computador sequestrado por causa desses malwares e não foram poucos os que perderam uma boa grana para recuperá-los. Natural então que muitos espertões quisessem também lucrar com esse tipo de crime e, assim, vimos pelo mundo um boom do comércio de ransomware.
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No Brasil, não podia ser diferente. Ainda assim, temos nossas particularidades. O que mais impressiona aqui é a falta de disfarce dos caras que comercializam essas ferramentas nas superfícies da web. Numa pesquisa rápida, é possível achar um ransomware para chamar de seu por míseros R$ 20, conforme anunciado no Mercado Livre. A compra daria direito a suporte, tutorial e a ferramenta para desencriptar os arquivos.
Tudo bem, a gente sabe que conseguir um código-fonte de ransomware pode ser mais fácil e barato do que isso. Em uma busca rápida pelo Github, é possível conseguir mais de um malware com código aberto. O hidden tear, por exemplo, está disponível no site há pelo menos dois anos, mas — diferentemente do anuncio no Mercado Livre — o autor especificou que a ideia do código disponibilizado é para fins educativos apenas. “Você pode ir para a cadeia por obstrução da justiça, apenas por rodar o hidden tear, mesmo que você seja inocente”, avisou o autor do código.
Conforme já falamos aqui em Motherboard, o mercado brasileiro de cibercrime apresenta um tipo de especialização nas funções. Muitas vezes a pessoa que desenvolveu o código malicioso não é a mesma quem o utiliza para aplicar os golpes. Em alguns casos, a relação entre esses dois atores é meramente comercial. Essa tendência, que vem crescendo nos últimos anos, ganhou o nome “malware-as-a-service” — ou mais especificamente neste caso, de “ransomlware-as-a-service”(RaaS).
Segundo o diretor de inovação da Trend Micro América Latina, Juan Pablo Castro, no Brasil esse mercado ainda não tão desenvolvido quanto outros países como a Rússia. “Quando o criminoso faz uma plataforma que funciona, ele acha uma maneira de fazer negócio com isso. E é isso que tem acontecido no cibercrime, isso é um tipo de cibercriminoso”, observou.
Apesar da produção e venda de malwares locais não serem tão grandes quanto as de outros lugares, Castro destaque que “nas Américas, o underground brasileiro é um dos mais importantes, mais importante do que o dos Estados Unidos, por exemplo”. “Há um profissionalismo muito alto aqui”, diz. Ele destaca a existência de um intercâmbio direto com pessoas em países como Rússia, China e outros localizados no Oriente Médio. E a barreira de linguística não é mais um entrave, pois, para se comunicar nos fóruns, “usam o Google Tradutor e se comunicam muito fácil com outros criminosos”.
Apesar de em certa medida estar inserido neste cenário sombrio, o ransomware do Mercado Livre têm mais cara de um respingo da deepweb para web tradicional do que alguma ação coordenada por alguma organização profissional ou alguém que sabe muito bem o que está fazendo. O anúncio foi tirado do ar enquanto eu terminava esta matéria, mas até a tarde de ontem constava que uma venda havia sido efetuada. Procurada para comentar o caso, a empresa explicou em nota que não permite a venda de produtos proibidos por lei, nem ferramentas de hacking.
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