JAPÃO. Asakusa. 1998. Dois membros da Yakuza, a máfia japonesa. As 23 gangues Yakuza são o alto escalão corporativo no Japão. Eles se inspiram na moda dos gangsteres norte-americanos dos anos 1950.
A Magnum é provavelmente a agência de fotógrafos mais famosa do mundo. Mesmo que você não tivesse ouvido falar dela até agora, é muito provável que já conheça suas imagens – seja a cobertura de Robert Capa da Guerra Civil Espanhola, ou as férias bem britânicas de Martin Parr. Diferente da maioria das agências, os membros da Magnum são selecionados pelos outros fotógrafos da agência e, como eles são a maior agência de fotógrafos do mundo, se tornar um membro é algo muito difícil. Como parte de uma parceria com a Magnum, vamos apresentar o perfil de alguns de seus fotógrafos nas próximas semanas.
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Bruce Gilden ficou conhecido por suas fotos de rua de Nova York. Hoje em dia, esse termo conjura a ideia de gente coxinha com câmeras DSLR fazendo fotos da molecada que usa Supreme posando nas esquinas da cidade. Mas o estilo “na cara” dos retratos de rua de Gilden revelam muito mais sobre o mundo onde vivemos. Ele já fez fotos dos moradores de Nova York, sobreviventes de furacão no Haiti e membros da Yakuza no Japão. Falamos com ele sobre a necessidade de ser calejado, o estado da América moderna e por que o Haiti continua seu lugar preferido para fotografar. Você pode ver mais do trabalho dele para a VICE aqui.
VICE: “Fotografia de rua” é um termo desgastado hoje em dia e seu significado mudou de certa maneira. Como você descreveria o que você faz? Esse é um termo com o qual você fica satisfeito?
Bruce Gilden: Você conhece a Quinta Emenda? Vou apelar para a Quinta Emenda: “Não posso responder essa questão porque ela pode me incriminar”. De qualquer maneira, eu tenho sido chamado – e me chamaria também – de fotógrafo de rua. Mas, na verdade, o que é um fotógrafo de rua? Isso significa qualquer coisa que é tirada ou feita nas ruas? Para mim, fotografia de rua é onde você pode sentir o cheiro da rua, sentir a sujeira. Talvez essa seja uma definição um pouco injusta, mas é assim que eu sinto.
Acho que é uma coisa muito urbana para mim: meu estilo é todo fotografia de rua, mas as minhas fotos do Haiti são realmente fotografia de rua? Até eu tive problema em definir isso como tal. Mas talvez possam ser, porque é uma questão de estilo. Posso ficar muito paroquial sobre isso. Uma boa foto para mim é a que funciona no enquadramento e tenha um forte conteúdo emocional.
Seu estilo de fotografia é muito próximo e pessoal, o que imagino que deva causar problemas. Quais são os perigos e riscos disso comparados com os de outros fotógrafos que trabalham, digamos, incorporados em zonas de guerra?
Veja bem, quando você trabalha incorporado em algum lugar – ou quando você tem permissão de estar em algum lugar e fazer fotos – é sempre mais fácil em alguns aspectos. As pessoas se enganam em uma coisa: a proximidade. Se você trabalha de perto e com flash, isso não quer dizer que as pessoas vão ficar menos ou mais incomodadas com você do que se você estivesse a metros de distância. Você tem que ter boas maneiras. O que quero dizer é que você tem que estar confortável, você tem que se conhecer. Olhe todo mundo nos olhos. Se você não está confortável, mesmo a 10 metros de distância e mesmo sem usar o flash, alguém ainda vai te olhar pensando: “Ei, aquele cara está escondido tirando uma foto minha”.
As pessoas assumem coisas que nem sempre são corretas. Agora, eu fico próximo das pessoas, eu uso o flash. Às vezes, estou tão perto que as pessoas nem imaginam que tirei uma foto delas – elas dizem: “Ele não tirou uma foto minha, tirou?” Mas a coisa é o seguinte, se for para ter problemas, você pode ter problemas onde quer que levante sua câmera.
Então você não costuma ter problemas?
Não tenho tantos porque estou confortável com o que faço. Dito isso, você sempre tem um pouco de medo: alguém pode te atacar fisicamente. Não é fácil levantar uma câmera e tirar fotos de gente que você não conhece. Você não sabe como elas vão responder, e isso é verdade, independente de sua proximidade. Talvez o cara esteja passeando com a amante e não queira uma foto disso porque sua esposa pode ver. Nunca se sabe.
Agora, dito isso, eu jogo com porcentagens em tudo na vida. Se sinto que a porcentagem está a meu favor, fico confortável. Se sinto que não, fico desconfortável. Por exemplo, sete ou oito anos atrás eu fui para Lima, Peru. Fui para as ruas de um certo barrio e não tinha ninguém por lá. Fui embora. Nunca tirei a câmera da bolsa porque sabia que em dois minutos alguém podia aparecer com um facão dizendo: “OK, passa a câmera”. Eu confio no meu instinto. Isso não quer dizer que eu não cometo erros, mas se você está confortável, as pessoas sentem isso; se você está desconfortável, as pessoas sentem também.
Fora Lima, quais outras áreas você achou particularmente desafiadoras para se trabalhar?
Eu não chamaria de desafiadoras, mas meio irritantes. Em Paris, por exemplo, você sempre tem uma pessoa que chega perguntando: “Por que você tirou essa foto, por que você tirou essa foto?”. Às vezes os policiais vêm até você. E isso não é ir para a guerra ou trabalhar com pessoas que usam heroína nas ruas – o que eu já fiz – ou lidar com bandidos, estou falando de gente comum. Os parisienses tendem a ser um pouco “intelectuais” e isso se tornou um exercício para eles, o que me deixa um pouco nervoso. O que quero dizer por “nervoso” é que não tenho respeito por isso. Eu só digo: “OK, vai chamar um policial”. Não vou entrar numa discussão porque não concordo com a premissa deles. Claro, você pode me perguntar por que tirei uma foto, mas isso depende de como você me pergunta. Não me trate como um merda; não vou aceitar isso. Você tem que ser calejado para ser fotógrafo de rua.
Isso me faz pensar no seu projeto no Japão com os yakuzas. Como você ficou próximo deles o suficiente para fazer essas fotos?
Me senti confortável fazendo essas fotos. Isso foi o principal – não o acesso. Algumas das pessoas que fotografei poderiam ser ou não yakuzas, e eu não sabia se eles eram ou não. Fiz as fotos porque me senti confortável. Poucas vezes pude tirar fotos porque fui apresentado às pessoas. No meu tempo no Japão, só fiquei com os yakuzas por uns cinco dias, e quando digo cinco dias quero dizer uma hora, talvez, por dia. Mas nunca me senti ameaçado quando estava com eles.
Mesmo quando eu não era apresentado e via os yakuzas nas ruas quando estava sozinho, isso parecia certo. Nunca tive que me perguntar: “Devo tirar essa fotos?”. Por exemplo, fui ao templo de Yasukuni – o grande templo de direita que celebra a Segunda Guerra Mundial. Eu não conhecia ninguém e estava fazendo fotos dos grupos políticos de direita. Então, um cara se aproximou, porque falava um pouco de inglês, me perguntando o que eu estava fazendo para o chefe, que tinha ficado curioso. Então expliquei e ficou tudo bem. Eles foram cavalheiros comigo. O mesmo com a maioria das pessoas que aparecem no livro do Japão. Eu não conhecia essas pessoas e não pedi nada a ninguém. Eles sequer vieram perguntar o que eu estava fazendo, eles estavam tranquilos.
Você mencionou o Haiti antes, um lugar onde você sempre trabalha. O que o atrai lá?
São muitas razões, acho. A primeira vez que fui ao Haiti foi em 1984. Nunca tinha estado num país assim na vida e escolhi o Haiti porque havia um voo direto e sem escalas de Nova York – três horas e meia. Hoje, o Haiti é o segundo país mais pobre do mundo no hemisfério ocidental. Outra razão pela qual escolhi ir até lá é que eles tinham um Mardi Gras e, historicamente, as pessoas sempre puderam fotografar esse evento. Quando chegamos lá, lembro de dizer para minha esposa: “Onde estive minha vida toda?”, porque, quando estávamos saindo do aeroporto, todas essas pessoas estavam correndo na frente do carro nas proximidades do estádio de futebol e eu disse: “Uau, isso é incrível”.
Eu me apaixonei pelo país desde o começo. Adoro os haitianos. Já estive lá 22 vezes agora por pouco menos de um ano da minha vida. Eu me sinto confortável ali. Não é que há fotos acontecendo onde quer que você vá – você tem que trabalhar pelas fotos, você precisa pensar nisso. Há uma quantidade limitada de tempo no qual você pode fotografar ao redor de um abattoir ou do lado de fora de um cemitério, aí você tem que achar outra coisa que funcione para você. Em minhas últimas três viagens para Porto Príncipe, comecei a fotografar as estruturas improvisadas onde as pessoas moraram depois do terremoto. Nas últimas três viagens, fotografei tudo em cores.
Outro projeto que me interessou foi o Foreclosures. Como alguém que passou tanto tempo da carreira fotografando o “americano comum”, o que esse projeto significa para você? E o que você pensa sobre o estado atual dos Estados Unidos?
Na origem do projeto, em 2008, a Magnum conseguiu dar algum dinheiro para oito ou dez fotógrafos para passar duas semanas em algum lugar dos Estados Unidos. Pensávamos que a Era Obama seria como a Era Kennedy, comparando isso ao livro Magnum: America in Crisis que tínhamos feito no anterior. Naquela época, eu não sabia nada sobre execução de hipotecas, mesmo tendo trabalhado por dois dias numa história para o New York Times sobre um cara que comprava casas que estavam debaixo d’água.
Eu estava pensando em ir para Miami e trabalhar com judeus, cubanos e haitianos, mas minha mulher disse: “Por que você não faz um projeto sobre execução de hipotecas?”, então, procuramos onde estavam as maiores taxas de execução de hipoteca e um desses lugares era Fort Myers, Flórida. Fui para lá e o que vi e ouvi foi que as pessoas estavam furiosas com o sistema, porque a coisa toda da execução de hipotecas é simplesmente um roubo legalizado orquestrado pelo governo, os bancos e Wall Street. Depois continuei trabalhando nesse projeto em Detroit, Fresno, Califórnia e Reno, Nevada até 2011. Fiz um livro sobre isso que deve sair agora em setembro.
Você tem, como alguns outros fotógrafos, uma agenda ou um ângulo político em seu trabalho?
Minhas fotos são o que eu sou. Sempre que faço uma foto, sou eu. É sobre como eu me sinto e não preciso nem pensar nisso. Você tem que se fotografar porque, se você se conhece, não importa o quão diferente é o que está na frente de sua câmera, você ainda vai poder sentir o cheiro das ruas e sentir a sujeira na fotografia. Há muitas coisas erradas neste mundo, sinto isso, então, é sobre isso que minhas fotos são. Sempre gostei do perdedor – o cara que não é a pessoa normal – e eu vejo muito pathos nisso.
Clique nas próximas páginas para ver mais do trabalho de Bruce Gilden.